Reforma do Código Civil: noção de paridade contratual é escolha política
15 de abril de 2025, 6h09
O interessante artigo publicado nesta ConJur no último dia 10 trouxe à tona tema importante, que é o modo como a proposta de reforma do Código Civil que está em análise pelo Congresso (PL 04/2025) enxerga a relação contratual.

Constou dele que a despeito da bem-vinda intenção de modernizar as relações contratuais, priorizando a autonomia das partes e reduzindo a interferência estatal, em contratos paritários, especialmente os empresariais, o projeto distancia-se da realidade, sobretudo no campo empresarial, e ainda estimula o ativismo judicial.
Em suma, seriam essas as ideias fundamentais que foram expostas:
- A noção de contratos paritários é excessivamente acadêmica. Pois “é ilusório supor que as partes sempre negociam com total liberdade [e] equilíbrio”. Mesmo grandes empresas podem ser obrigadas a celebrar contratos para manter a sua operação;
- A paridade contratual é relativa; e,
- A amplitude da noção de função social pode aumentar a busca pelo Judiciário como forma de invalidar as cláusulas contratuais, haja vista que na proposta a sua violação ará a ter como consequência a nulidade.
Considerando que a proposta está sob análise legislativa e que tanto a comunidade acadêmica como os profissionais do Direito devem participar dos debates para tornarem o Código Civil um diploma legislativo avançado, consentâneo com o seu tempo, é salutar que a discussão possa tomar corpo em espaços diversos, inclusive aqui, nesta ConJur.
O propósito deste artigo é tão-somente seguir nesse debate, ora concordando com as críticas feitas no artigo supracitado, ora discordando delas, sem pretensão de imaginar que haja uma posição perfeita – não há um “dono da verdade”.
A análise proposta é relativamente extensa, por isso são mencionados aqui apenas breves apontamentos que são detalhados no documento que segue em link abaixo deste texto.
- A noção de paridade contratual está relacionada a duas premissas básicas do Direito: liberdade e igualdade. Há tempos em que a liberdade sobressai sobre a igualdade; há tempos em que ocorre o inverso, como mostram os estudos acerca das fases, gerações ou dimensões dos direitos fundamentais;
- O advento do CDC é um exemplo sintomático de uma busca maior por igualdade em detrimento da liberdade. Ele é um diploma extremamente relevante porque criou um microssistema jurídico, a afastar a incidência do Código Civil, diploma legal, nas relações privadas;
- O afastamento em tela foi tanto maior por conta da adoção da teoria finalista mitigada por parte do STJ. Segundo essa teoria, o destinatário final econômico é o consumidor, em regra, mas, excepcionalmente, se houver hipossuficiência técnica, jurídica ou econômica entre as duas partes, pode ocorrer a incidência dele mesmo a pessoas jurídicas;
- Quanto maior a incidência do CDC, inclusive sobre pessoas jurídicas, menor o campo de incidência do Código Civil;
- O problema que isso cria é que o CDC é pensado para relações de massa que são, sobretudo, não paritárias, ao o que o Código Civil é pensado para relações mais individualizadas e, como regra, paritárias;
- Nenhum contrato é plenamente paritário. A lei sabe isso. A paridade contratual é apenas um ideal, mas é o ideal que a lei escolheu como parâmetro para estabelecer regras próprias em busca de maior reequilíbrio contratual;
- Muitas das regras estabelecidas para essa busca dependem de intervenção judicial, por isso há uma relação de proporcionalidade direta entre não paridade contratual e intervenção judicial, como é cediço;
- A chamada lei da liberdade econômica tem sinal contrário ao do CDC. Embora haja críticas justas a ela, tratou-se do resultado da vitória de uma corrente política mais liberal que entendeu que havia mais intervenção judicial do que o desejado, por isso que foram separados os contratos civis e empresariais dos contratos de consumo, consoante se infere da redação do artigo 421-A do Código Civil;
- O que se esperava com essa mudança é que a separação dos contratos ensejaria menos intervenção judicial, mas talvez o êxito não tenha sido considerado suficiente, por isso a proposta de alteração do Código Civil que está sob análise no Congresso procura reforçar essa noção mais liberal no campo dos contratos;
- O artigo 421-C da proposta em tela repete a noção de que os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos, mas com um acréscimo emblemático da noção mais liberal que se quer empregar: esses contratos devem ser interpretados de acordo com o Código Civil;
- O artigo 966-A, que consta da proposta de reforma do Código Civil, conterá regras de interpretação de contratos empresariais;
- Se os contratos civis, em geral, e entre empresas, em especial, presumem-se paritários, a rigor, não há como justificar a incidência do CDC. Já deveria ser assim, mas talvez isso fique ainda mais claro com a aprovação da reforma;
- Essa restrição à abertura interpretativa também é encontrada na proposta de alteração do Código Civil que estabelece que a violação da função social do contrato enseja nulidade contratual. Isso porque de todos os efeitos jurídicos possíveis da incidência dessa espécie normativa chamada cláusula contratual haveria a escolha legal de apenas um deles, qual seja, a invalidade máxima da cláusula.
O assunto é interessante e, por certo, deve gerar intensos debates, mormente porque as premissas jurídicas ligadas à noção de paridade contratual têm forte viés político. Em tempos de radicalismos, é importante que os acadêmicos e profissionais do Direito tomem pé da situação e ajudem o Congresso a decidir sobre a reforma do Código Civil com debates parcimoniosos.
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