O animal de Derrida e a Reforma do Código Civil
21 de abril de 2025, 19h18
No verão de 1997, durante o colóquio de Cerisy, o filósofo Jacques Derrida proferiu palestra que depois foi compilada e publicada com o título de “O animal que logo sou”.
Sua apresentação sugere uma reflexão sobre a identidade humana a partir da perspectiva do animal. Derrida explora a possibilidade de um pensamento animal e questiona se a filosofia não se privou dessa dimensão, ao contrário da poesia.
O filósofo traz à lume a concepção da palavra animal, a partir do neologismo animot, para desafiar a unidade e a singularidade implícitas na palavra animal, destacando que existem “viventes” cuja pluralidade não se deixa reunir em uma figura única de animalidade simplesmente oposta à humanidade.
Dito de outro modo, o que separaria a animalidade e a humanidade seria a violência praticada pelo homem na exclusão do outro-animal em razão da impossibilidade mecânica deste em com aquele em comunicar-se.
Dominação
Derrida volve à Gênese quando ao primeiro homem “Adão” é imposta a determinação divina e sujeita de domar, dominar, adestrar, domesticar os animais que, inclusive, lhe são pré-existentes e como essa mecânica produziu a ideia de assujeitamento do animal pelo homem.
O filósofo destaca a cena a ele intrigante de ver-se nu e ser visto por seu gato. O gato, afinal, sabe que está nu? O animal, assim como o homem antes da ‘queda’ do Éden, tem a percepção da nudez?
Dito de outro modo, como o homem se vê e como o animal vê a si próprio? A impossibilidade de comunicação mecânica entre o homem e o animal ignora a existência deste como seu modo-de-ser à luz de uma perspectiva heiddeggeriana?

Por isso, Derrida busca no critério ético de Bentham sobre se a incapacidade de os animais se comunicarem com o homem implica em sua ibilidade do sofrimento.
Humanidade x animalidade
O não-poder de organizar-se em ‘sociedade’ que se comunica como o homem impõe ao animal a ividade de experimentação do sofrimento? O absurdo seria afirmar que o animal não sofre. Seria o limite abissal entre a humanidade e a animalidade.
A introdução do conceito de animot e a pergunta final sobre a fala do “animal que eu sou” abrem novas perspectivas para repensar nossa relação com os outros viventes e nossa própria identidade. A obra convida a uma reflexão profunda sobre a violência infligida aos animais e a necessidade de uma ética da compaixão que vá além das tradicionais definições antropocêntricas.
O Código Civil de 2002, seguindo a tradição do seu antecessor, considera o animal como “bem”, mercadoria, portanto, dotada de valor economicamente deduzível e apreciável.
Ocorre que o relacionamento com o homem tem adquirido novas perspectivas; a reaproximação com a psicologia e filosofia tem conduzido ao arranjo de novas formas de concepção da relação com os animais e o mundo.
Estreitamento na relação
Observa-se que o avanço na declaração de direitos e a afirmação histórica dos direitos das pessoas com deficiência conduziu ao estreitamento do relacionamento entre animal e homem. Talvez tenha sido a guinada secular do reconhecimento da forma como o animal expressa sua forma de sentir e sofrer e como pode ser compreendido pela psiquê humana.
A Lei nº 11.126/2005 é conhecida como a Lei do Cão-Guia, reconhecendo o direito de as pessoas com deficiência visual entrarem e permanecerem em locais públicos e privados, bem como veículos de transporte.
O cão-guia representa uma simbiose ôntica entre a humanidade e animalidade, na qual se comunicam não pela mecânica da mesma frequência, mas por gestos, toques, puxões, enfim, estabelecendo um próprio canal de confiança recíproca, na qual a pessoa com deficiência obtém autonômica e segurança.
Para além disso, pessoas com deficiências ocultas, como os autistas, tem se socorrido ao Poder Judiciário para obter o direito de realizar viagens aéreas acompanhados de animais que lhes fornece conforto psicossocial.
Essa situação é ainda mais sensível: o animal que seria assujeitado pela sociedade humana a, então, a representar-se como parceiro que traz segurança, harmonia e segurança para o seu tutor.
Reforma do Código Civil
Com esse pano de fundo, a comissão responsável pela reforma do Código Civil avançou sinceramente na atribuição do devido valor humano ao animal, reconhecendo-lhe seus atributos de dignidade.
O Projeto de Lei 04/2025 arrola, entre outros dispositivos, o seguinte:
Art. 91-A. Os animais são seres vivos sencientes e íveis de proteção jurídica própria, em virtude da sua natureza especial. § 1º A proteção jurídica prevista no caput será regulada por lei especial, a qual disporá sobre o tratamento físico e ético adequado aos animais.
Extrai-se do rico dispositivo legal que ao animal a a ser assegurado tratamento físico e ético, volvendo às teses de Derrida e de Bentham, acerca do não assujeitamento ao homem.
O legislador foi feliz em sua locução, ao prever que os animais são, inconfundivelmente, seres especiais.
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