1ª Turma do STF aceita denúncia contra seis acusados de participar de golpe de Estado
22 de abril de 2025, 17h47
A 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, aceitou nesta terça-feira (22/4) a denúncia contra os seis acusados do Núcleo 2 do golpe de Estado.

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Com a decisão, os seis am a responder a ação penal pelos crimes de organização criminosa armada; tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito; golpe de Estado; dano qualificado pela violência e grave ameaça; e deterioração de patrimônio tombado.
O voto do relator, ministro Alexandre de Moraes, foi acompanhado pelos ministros Flávio Dino, Cármen Lúcia, Luiz Fux e Cristiano Zanin.
Tornaram-se réus nesta terça Silvinei Vasques, ex-diretor da Polícia Rodoviária Federal; Marília Ferreira de Alencar, ex-diretora de Inteligência do Ministério da Justiça e Segurança Pública; Fernando de Sousa Oliveira, ex-diretor de Operações do Ministério da Justiça e Segurança Pública; Filipe Martins, ex-assessor de Assuntos Internacionais da Presidência; coronel Marcelo Costa Câmara, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro; e general Mário Fernandes, ex-secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência.
Ao apresentar a denúncia, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, afirmou que os denunciados do Núcleo 2 ocupavam cargos relevantes na época dos fatos, o que influenciou o desenvolvimento da tentativa de deposição do governo legitimamente constituído. A seu ver, cada um deles gerenciou ações da organização criminosa.
Para o PGR, Filipe Martins foi quem apresentou e defendeu ao então presidente da República, Jair Bolsonaro, e seus auxiliares militares o projeto de decreto que daria forma às medidas excepcionais do golpe. Silvinei Vasques, Marília Ferreira de Alencar e Fernando de Sousa Oliveira teriam coordenado o uso das forças policiais para sustentar, de forma ilegítima, a permanência de Bolsonaro no poder.
Já Mário Fernandes, segundo a acusação, foi responsável por coordenar as ações de monitoramento e de neutralização violenta de autoridades públicas, em parceria com Marcelo Costa Câmara. Também cabia a ele a interlocução com as lideranças populares ligadas ao movimento, especialmente nos episódios do dia 8 de janeiro de 2023, aos quais ofereceu apoio e incentivo.
Em 26 de março, a 1ª Turma recebeu a denúncia contra o Núcleo 1 da trama golpista, formado por Bolsonaro; Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do presidente; Walter Braga Netto, general de Exército da reserva, ex-ministro e vice de Bolsonaro na chapa das eleições de 2022; Augusto Heleno, general de Exército da reserva e ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) na gestão Bolsonaro; Alexandre Ramagem, diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) no governo Bolsonaro e hoje deputado federal; Anderson Torres, ministro da Justiça de Bolsonaro e secretário de segurança do Distrito Federal à época dos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023; Almir Garnier, ex-comandante da Marinha; e Paulo Sérgio Nogueira, general do Exército e ex-ministro da Defesa (em 2022).
Materialidade dos crimes
Alexandre de Moraes disse que há materialidade dos crimes e indícios de autoria suficientes para a abertura de ação penal. O ministro ressaltou que, com a instauração do processo, os réus terão a oportunidade de se defender e serão absolvidos em caso de dúvida razoável de que praticaram delitos.
“Nunca é demais nós recordarmos que o Brasil sofreu uma tentativa de golpe. Obviamente cada um dos denunciados terá toda a ação penal para provar que ele não participou, mas não é possível negar que houve no dia 8 de janeiro de 2023 a tentativa de golpe de Estado. Em virtude da violência, a materialidade é extremamente clara”, afirmou Alexandre.
O ministro ressaltou também que não há dúvidas de que os acusados elaboraram a minuta do golpe, que circulou entre bolsonaristas e chegou às mãos de Bolsonaro.
Preliminares rejeitadas
A 1ª Turma negou todas as preliminares apresentadas pelas defesas. A primeira preliminar analisada foi a alegação de impedimento e suspeição dos ministros Alexandre de Moraes, Flávio Dino e Cristiano Zanin. Os cinco integrantes do colegiado entenderam que a questão já foi analisada anteriormente pelo Plenário, sempre mantendo a competência dos ministros para atuar no caso.
Também por unanimidade, a turma rejeitou o impedimento e a suspeição de Gonet por supostamente ter atuado de maneira “parcial” e distorcido os fatos da investigação. A decisão se baseou no fato de que não foi apontado qualquer ato concreto irregular do procurador e que, havendo prova da materialidade e indícios suficientes de autoria, cabe ao Ministério Público oferecer a denúncia.
Por maioria, a turma rejeitou a preliminar de incompetência do colegiado para o caso. Alexandre lembrou que essa questão já foi decidida na análise da denúncia contra o Núcleo 1 dos acusados, no final de março. Conforme o ministro, a mudança regimental que fixou a competência criminal das turmas ocorreu em 2023 e não tem relação com a presente denúncia.
Sobre a competência do próprio STF, o relator também lembrou que, desde o episódio do 8 de janeiro de 2023, o Plenário estabeleceu que todas as ações referentes ao golpe seriam julgadas pela corte. Seguiram o voto do relator os ministros Flávio Dino, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin.
Assim como na análise da denúncia contra os acusados do Núcleo 1, o ministro Luiz Fux ficou vencido sobre a competência. Para ele, como os investigados não ocupam mais funções com prerrogativa de foro, o caso deveria ir para a Justiça comum. E, uma vez reconhecida a competência do STF, a análise deveria ficar sob responsabilidade do Plenário, segundo Fux.
Provas e trabalho das defesas
A 1ª Turma também rejeitou as alegações relativas a nulidade de provas, os de documentos e prazos para as defesas. Conforme o relator, a Polícia Federal manteve disponíveis todas as indicações de provas obtidas na investigação para o tanto da acusação quanto das defesas.
Outro ponto debatido foi a suposta quebra da cadeia de custódia das provas, a partir do envio de cópias às defesas pela Secretaria Judicial do STF. De acordo com o relator, a Secretaria facilitou o trabalho dos advogados com o uso de HDs. A não ser que as defesas comprovem alguma irregularidade no procedimento, a alegação é “esdrúxula”, segundo Alexandre.
Os ministros também rejeitaram preliminares de “pesca probatória”, ou seja, prática de investigação que procura provas sem um alvo específico. Outra preliminar afastada foi a da ilegalidade na apresentação simultânea de resposta à acusação dos acusados e do colaborador Mauro Cid. Conforme o colegiado, a necessidade de o colaborador falar antes dos demais só vale na fase da ação penal, e não na denúncia.
A última preliminar, rejeitada por unanimidade, foi a de nulidade do acordo de colaboração premiada celebrado entre Mauro Cid e a Polícia Federal. Também esse ponto já havia sido decidido na análise da denúncia contra o Núcleo 1, quando o colegiado entendeu que o acordo foi legal e válido, que não houve coação e que o STF não interferiu no conteúdo ou nos termos da colaboração.
Segundo o relator, as defesas poderão avaliar a coerência das falas do colaborador na instrução do processo, se a denúncia for recebida. “Aí, sim, as defesas terão todas as possibilidades de impugnar o delator no seu depoimento, de participar das audiências para verificar se as omissões sanadas foram sanadas regularmente ou não.”
Com a palavra, as defesas
Advogados dos seis acusados do Núcleo 2 apresentaram à 1ª Turma defesa prévia em relação à denúncia da PGR de golpe de Estado e outros crimes relacionados.
Danilo David Ribeiro, que representa Fernando de Sousa Oliveira, sustentou que seu cliente não teve qualquer envolvimento direto nos atos de 8 de janeiro de 2023, nem incentivou ou apoiou manifestações golpistas. Segundo a defesa, Oliveira colaborou com as investigações entregando seu celular, que não apresentou conteúdo contrário ao sistema eleitoral ou de teor golpista.
De acordo com o advogado, o delegado tem perfil técnico e, como número dois na área de segurança pública, exigiu a atuação das autoridades durante os ataques, compareceu ao local, instalou um gabinete de crise e atuou ao lado do interventor federal para conter a violência. Com o argumento de que ele não se omitiu, a defesa pediu a rejeição da denúncia.
Marcelo Almeida Santana e Sebastião Coelho da Silva representaram Filipe Martins. Santana alegou que a defesa não teve o a provas apresentadas pela PGR na denúncia, entre elas dados de geolocalização obtidos a partir de informações telefônicas do denunciado. E sustentou ainda que há incompatibilidade de datas em relação à suposta participação de Martins na reunião em que foi apresentada a minuta do golpe.
Já Sebastião Coelho afirmou que não há registro de conversas entre o colaborador Mauro Cid e Filipe Martins sobre a minuta. Ele argumentou ainda que, inicialmente, seu cliente estava incluído no núcleo jurídico sem ser advogado e que os outros que estariam nesse núcleo nem sequer foram denunciados. Por fim, pediu o afastamento das medidas cautelares decretadas por Alexandre de Moraes, como o monitoramento por tornozeleira eletrônica, caso a denúncia fosse recebida.
Luiz Eduardo de Almeida Kuntz, responsável pela defesa de Marcelo Costa Câmara, disse que a denúncia não individualizou a conduta do militar. “Não se discutem os fatos. O 8 de janeiro foi televisionado, mas os agentes aqui investigados e denunciados participaram disso ativamente?”, questionou.
Segundo o advogado, Câmara substituiu o tenente-coronel Mauro Cid na assessoria do ex-presidente na transição de governo e, nesse posto, atuou como um “bombeiro”, resolvendo pendências anteriores, como os casos das vacinas e dos presentes, e nunca agiu contra o país.
Sem detalhamento
Eugênio Aragão, defensor de Marília Ferreira de Alencar, argumentou que não há na denúncia qualquer descrição específica de conduta que possa ser atribuída a ela no contexto dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023. Segundo ele, a acusação parte apenas da suposição de que um boletim de inteligência elaborado por Marília foi usado pelo então diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal, Silvinei Vasques, para embasar operações no dia da eleição. O documento, porém, seria destinado ao então ministro da Justiça para identificar áreas com risco de confronto entre eleitores, o que fazia parte de suas atribuições.
Na época recém-empossada no cargo de diretora, a delegada, segundo a defesa, adotou todas as providências cabíveis, determinando a produção e a distribuição do relatório de inteligência e acompanhando os fatos em tempo real. Ao pedir a rejeição da denúncia, a defesa afirmou que Marília apenas cumpriu seu dever como delegada de polícia.
Marcus Vinícius de Camargo Figueiredo falou em defesa de Mário Fernandes e reiterou a tese de que não é da competência do STF julgar o caso. O defensor afirmou ainda que a defesa não conseguiu ter o à integralidade das provas dos autos.
Por fim, o advogado pediu a concessão de prisão domiciliar ao militar, que está preso desde novembro de 2024 com base na minuta do golpe, alegando que o documento “não foi apresentado a quem quer que seja”.
Anderson Rodrigues de Almeida, que defende Silvinei Vasques, negou o direcionamento policial no segundo turno das eleições de 2022 para prejudicar o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT). “Nenhum eleitor deixou de votar”, afirmou. Segundo Almeida, não cabe ao comando da PRF, mas às superintendências regionais, definir o planejamento de cada operação.
Almeida também sustentou que não há indícios, nem evidências, de que Vasques tenha agido em conjunto com outros denunciados. “Não existe nos autos uma conversa dele com outros investigados”, disse. O advogado ainda defendeu a atuação do ex-diretor à frente da PRF, com o argumento de que os indicadores de apreensão de drogas chamaram a atenção de diversas autoridades, incluindo o então presidente Jair Bolsonaro. Com informações da assessoria de imprensa do STF.
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