Opinião

O Estado-juiz, a ágora e os algoritmos, segundo o juiz Appio

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25 de abril de 2025, 15h21

Em 2000, eu dizia: “A crise do estado com a consequente perda da centralidade da política expressa-se no plano da subjetividade pela dissolução do cidadão em consumidor de produtos, de ideias, de serviços públicos e ‘privados’, de amor, de sexo … Desaparece a política, como meio de realização do ideal iluminista da liberdade como autonomia, em favor do mercado capitalista, a grande abstração normativa que regula com sua lógica instrumental o conjunto das relações sociais. A polis cede lugar ao shopping center. Assim, se o homem moderno buscou salvação na arte, na história, no desenvolvimento, na consciência social, o homem ‘pós moderno’ se entrega ao presente e ao prazer, ao consumo e ao individualismo. E imergimos no capitalismo niilista, tautológico, que já não necessita legitimar-se pelo interesse geral, bastando-se a si mesmo” (“A subjetividade moderna: apontamentos sobre sua formação, desenvolvimento e crise na política e no Direito”, dissertação de mestrado para obtenção do grau de mestre em Filosofia do Direito, Universidade Federal de Santa Catarina).

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O tema das (sempre complexa e tensas) interações entre política e direito acompanham minhas reflexões e vida civil desde a juventude, como aluno de direito e militante do movimento estudantil. Daí me alegrar que eu possa agora ler as reflexões atualíssimas do amigo juiz federal Eduardo Appio no seu novo livro, em coautoria com Salvio Kotter, A Ágora e o Algoritmo – Direito e Democracia na Era Digital — Um Estudo Poderoso Sobre as Tensões Entre o Mundo Virtual e o Real, publicada pela Kotter Editorial.

Em diálogo pessoal comigo, o juiz Appio, velho amigo de doutorado na Universidade Federal de Santa Catarina (que ele concluiu e eu não), diz que o objeto do livro é “o desafio de judicializar o conteúdo das redes sociais em equilíbrio com a liberdade de expressão e lisura das eleições gerais”. Para ele, “a democracia representativa está sendo asfixiada pelas Big Techs que pretendem decidir as eleições, conquistando corações e mentes por algoritmos especificamente direcionados aos eleitores”.

Spacca

O coautor, Salvio Kotter, diz que o livro, fundamentalmente baseada na tese doutoral de Appio, consegue demonstrar que fundamentos principiológicos são capazes de legitimar a jurisdição enquanto força promotora de direitos, e “[o] Judiciário como ator estrutural no arranjo democrático, não apenas intérprete de normas”, já que, “a intervenção judicial pode, de um lado, ultraar fronteiras e comprometer o equilíbrio entre poderes, mas, de outro, representar um contrapeso crucial à realização da justiça social”.

Pode ser. Mas, como escrevi em outro momento, não é agradável ver “[o]  neoconstitucionalismo ‘civilizatório’ haver prometido o paraíso da garantia e da efetividade dos direitos fundamentais e ter entregue a “lava jato” e 11 supremos, nem todos sempre amigos do Brasil”.

E, ontem como hoje, sempre há quem queira capturar o processo penal para fazer política, para “fazer o bem” e salvar alguma coisa. Savonarolas os há à direita e à esquerda. Há quem pense e aja como se somente aquele lavajatismo que destruiu a engenharia pesada brasileira a serviço de interesses estrangeiros fosse nefasto, mas que  há lavajatismos e lavajatismos, e que é possível um lavajatismo “do bem”. Mas não há lavajatismo do bem. A história não o reconhecerá.

Enfim, vamos ao livro do corajoso juiz Eduardo Appio, pois não há como fugir do debate, nem como fugir da ágora. Sócrates que o diga.

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