Por que o Cade investiga a Apple e o que isso nos diz sobre o futuro da regulação?
26 de abril de 2025, 6h32
A Superintendência-Geral do Conselho istrativo de Defesa Econômica (Cade) instaurou, em novembro de 2024, processo istrativo [1] para apurar possíveis condutas anticompetitivas praticadas pela Apple relacionadas, sobretudo, ao abuso de posição dominante no que se refere à distribuição de apps e serviços digitais. A Apple foi denunciada pelas empresas Ebazar.com.br e Mercado Pago.

Sem surpresas, a situação chegou ao Cade praticamente seguindo uma tendência mundial de investigar as potenciais práticas anticompetitivas praticadas pelas grandes empresas de tecnologia, as chamadas big techs. Por exemplo, em 2024 a União Europeia abriu investigações contra a Apple, Meta e Google, por conta de alegadas violações à Lei de Mercados Digitais.
A Nota Técnica nº 63/2024/CGAA11/SGA1/SG/Cade [2], que fundamenta o procedimento istrativo contra a Apple, enuncia duas condutas que, de acordo com a denúncia, violam a concorrência, incidindo nas hipóteses do artigo 36 da Lei nº 12.529/2011 e seus incisos.
A primeira prática anticompetitiva é conhecida como anti-steering: a Apple proíbe que outros desenvolvedores de apps ofereçam seus produtos ou serviços digitais fora da Apple Store e veda a utilização de outros caminhos para o o dos usuários de seus aparelhos a possibilidades diversas de compra.
O anti-steering está previsto no App Developer Program License Agreement e nas App Store Review Guidelines. Pela Nota Técnica, o bloqueio provocado pelo anti-steering impede, obviamente, o surgimento de novos desenvolvedores, prejudicando a evolução da concorrência e reforçando o monopólio no ecossistema iOS.
A segunda prática controversa consiste na utilização obrigatória da carteira da empresa, a Apple Pay, como modo de pagamento aos desenvolvedores que disponibilizam seus produtos e serviços digitais na Apple Store. Nesse caso, há cobrança significativa sobre dos valores das transações.
Na avaliação técnica do Cade, tal conduta pode ser vista como (1) venda casada, com a obrigatoriedade de utilização da Apple Store e da Apple Pay; (2) prática discriminatória entre os agentes econômicos, com tratamento desigual e benefício a empresas que vendem bens físicos; e (3) potencial o a informações sensíveis dos concorrentes.
Em sua manifestação, a Apple nega a existência de condutas anticompetitivas e indica, também, que nem chegaria a 20% a quantidade de seus produtos no Brasil, desconfigurando a ideia de mercado dominante. A empresa solicitou, em 2025, o integral aos documentos e informações que basearam a instauração do processo istrativo, bem como produção de provas periciais, pedidos indeferido e deferido, respectivamente.

Este caso aponta, sem dúvidas, para a expansão da função institucional do Cade num modelo de Estado e economia digitais: a autarquia tem, então, não somente o papel de proteger a concorrência e implementar as regras constitucionais e infraconstitucionais aplicáveis numa dimensão física, mas também digital — que desagua, necessariamente, na reflexão acerca das sanções e obrigações utilizadas na proteção da concorrência, bem como na sua efetividade.
Com a evolução tecnológica e o surgimento de novos modelos de negócios, há premência em se discutir a defesa da ordem econômica diante do controle de infraestruturas digitais e da dependência de certos negócios em relação a plataformas específicas e fundamentais para os desenvolvedores/concorrentes.
É uma situação mais ampla, uma vez que o Cade está inserido num contexto em que a economia digital e a defesa da concorrência enfrentam o desenho de estruturas tecnológicas que são controladas, em geral, por poucos agentes econômicos globais — as big techs.
Outro ponto, e talvez esse seja o menos óbvio, é a percepção do abuso de poder tecnológico, que convencionamos designar como a utilização de capacidades tecnológicas ou controle de plataformas digitais para limitar ou restringir a concorrência, assim como impor vantagens indevidas aos concorrentes e/ou usuários.
Segue a expectativa por um modelo regulatório inteligente
Nesse cenário, o grande desafio está em compreender o processo istrativo no âmbito concorrencial enquanto o local para a definição, no campo tecnológico, dos limites de atuação compatíveis com a ordem econômica instituída na Constituição de 1988, no regramento da Lei nº 12.529/2011 e na Lei de Liberdade Econômica.
Ora, a atuação do Cade é um marco inafastável da proteção da concorrência e da inovação. Entretanto, há um vazio para determinar o que constituirá uma prática anticoncorrencial ou não, sobretudo no caso de sistemas operacionais móveis não-licenciáveis, como o iOS da Apple, por exemplo. É a complexa e indispensável tarefa de traçar um limite entre a governança tecnológica privada legítima e o desprestigio à concorrência.
O iOS, na qualidade de sistema móvel não-licenciável, não pode ser licenciado para uso de terceiros concorrentes em dispositivos próprios. Somente a Apple poderá usá-lo como sistema operacional. Há, inequivocamente, uma sensível discussão a ser elaborada pelo Cade que servirá de paradigma para um novo horizonte de defesa istrativa da concorrência.
Dito isso, permanece a justa expectativa acerca do desenho de um modelo regulatório inteligente, que congregue regulação, tecnologia e direitos, a fim de evitar práticas predatórias sob o manto do avanço digital. Por último, o abuso de poder tecnológico é categoria emergente para o Direito istrativo Concorrencial. É um devir que nos aguarda!
[1] SG Cade. Despacho SG instauração processo istrativo nº 24/2024. Disponível aqui.
[2] Cade. Nota Técnica nº 63/2024/CGAA11/SGA1/SG/CADE. Disponível aqui.
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