Opinião

Advocacia deve apoiar PLP que veta ISS sobre honorários

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  • é advogado doutor em Direito do Estado pela UFPR conselheiro seccional e presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB-PR membro da Comissão Especial de Direito Tributário do CFOAB e Conselheiro do Instituto de Direito Tributário do Paraná (IDT).

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27 de abril de 2025, 6h03

Conforme previamente noticiado pela Conjur, [1] encontra-se em tramitação no Senado o Projeto de Lei Complementar 267, de 2023, que tem por objetivo alterar a Lei Complementar 116/2003, inserindo no seu texto previsão expressa quanto à não incidência do Imposto sobre Serviços (ISS) sobre honorários advocatícios sucumbenciais fixados em processo judicial ou arbitral. Referido PLP é de autoria da senadora professora Dorinha Seabra, do Tocantins.

A advocacia tem inúmeros motivos para apoiar de modo incondicional a aprovação do PLP 267/2023, principalmente para afastar o clima de insegurança jurídica que se instalou a respeito da questão de fundo, relativa à incidência ou não do ISS sobre a denominada verba a título de sucumbência processual.

Dita insegurança jurídica se reflete, em concreto, a partir de duas realidades. A primeira delas é que vários municípios têm expedido soluções de consulta [2] nos mais variados sentidos, sobre aspectos envolvendo a pretensa incidência tributária do ISS. Algumas dessas soluções de consulta tiveram por objeto o questionamento acerca do mérito da incidência do imposto municipal propriamente dito [3], mas, ao mesmo tempo, algumas outras tão somente se ocuparam em tratar do aspecto relativo à obrigatoriedade ou não de emissão de nota fiscal a título de verba sucumbencial por parte de seu beneficiário contra o suposto devedor [4]. Em segundo lugar, já são incontáveis as discussões judiciais (individuais e ou coletivas) que afloram sobre essa controvérsia, a despeito dos inquestionáveis argumentos fáticos e jurídicos que militam em favor da advocacia, ou seja, em prol da não incidência.

Vejamos, então, quais são os motivos que incitam a advocacia ao apoiamento da aprovação do festejado PLP 267/2023.

Prestação de serviços constantes

Em primeiro lugar, e de acordo com o item 17.14 da Lista Anexa à Lei Complementar 116/03, tem-se o serviço de “advocacia” dentre aqueles que, de nos termos de seu artigo 1º, têm como fato gerador a prestação de serviços constantes da listagem e que, também, não se constituam como atividade preponderante do prestador. Nesse caso, a referência derivada do mencionado item da lista anexa à legislação de regência diz respeito à advocacia e, portanto, aos honorários estritamente pactuados no contrato de prestação de serviços entre o cliente e o advogado, por ocasião da relação jurídica entre eles existente.

Os honorários sucumbenciais não decorrem da relação jurídica contratual estabelecida para formalizar a contratação da prestação dos serviços de advocacia, não integrando, assim, a relação jurídica cliente-advogado. Leia-se: tomador e prestador dos serviços contratados, respectivamente. O advogado não presta serviço ao terceiro sucumbente, pois não possui qualquer relação jurídica de natureza contratual com o mesmo.

A relação entre a parte que sucumbiu e o advogado beneficiário da verba de sucumbência é uma decorrência direta da aplicação da legislação processual civil, sem vínculo ou manifestação de vontade. Se por um lado o contrato estipulando honorários convencionais decorre da vontade exercida pelas partes que integram essa relação contratual, a verba honorária sucumbencial configura uma obrigação legal, disciplinada pelo artigo 23 do Estatuto do Advogado (Lei 8.906/94) e artigo 85 do Código de Processo Civil (C), respectivamente.

Relação tributária

Em segundo lugar, extraem-se argumentos derivados do próprio aspecto material (núcleo) da hipótese de incidência do ISS e respectiva base de cálculo do tributo, bem como da sujeição iva da relação tributária. Nos termos do artigo 156, II, da Constituição, de onde se extrai o aspecto material do ISS, tem-se o verbo e seu complemento “prestar serviços”, implicando em fazer (e não dar) alguma coisa em benefício de outrem, com habitualidade e finalidade lucrativa. [5]

Entende-se por prestar serviço o ato ou efeito de servir, no sentido de prestar trabalho ou atividade em proveito de terceiro, mediante remuneração. Nesse caso o ISS recai sobre a circulação de bem imaterial, denominado serviço, resultando em “obrigação de fazer”. Com efeito, a prestação de serviços corresponde a uma utilidade material ou imaterial pela aplicação do trabalho humano, configurando execução de obrigação de fazer e não de dar coisa.

Spacca

Em terceiro lugar, e como decorrência direta do aspecto material, essa prestação de serviços, enquanto esforço e ou ação humana, necessariamente deve guardar referibilidade com um determinado valor a título de remuneração, um preço pelos serviços prestados em benefício de terceiro. Trata-se da natureza sinalagmática da prestação do serviço. De modo que a base de cálculo do ISS somente pode corresponder ao valor da prestação do serviço efetuado, ou seja, o preço do serviço.

Vale dizer, não é qualquer ingresso que resulta na incidência do ISS, mas, isto sim, aquela decorrente da efetiva prestação de serviços. Assim, outras receitas, qualificadas como inorgânicas ou secundárias, cuja origem não seja a atividade tributada propriamente dita, originárias de atividades ditas marginais e que não representam fruto do serviço prestado, não são relevantes para fins de incidência do ISS. Isso porque, ressalte-se, configuram ingressos que não representam preço do serviço, nem, portanto, base de cálculo do tributo. Em suma, o preço da prestação do serviço jurídico em si, previamente definido no respectivo objeto contratual, é o único dado que expressa o conteúdo patrimonial do comportamento tributável. Destaque-se, nesse ponto, as considerações já trazidas à luz pelo professor Fernando Facury Scaff [6] acerca do tema:

“Também não faz sentido algum usar tal receita para a cobrança de Imposto sobre Serviços (ISS), que, como o nome indica, incide sobre os serviços prestados pelas sociedades de advogados. Afinal, qual serviço foi prestado pelos advogados ao vencido naquela demanda, o qual desembolsará os honorários de sucumbência que vierem a ser estipulados pelo Poder Judiciário? Absolutamente nenhum. Observa-se que sequer deverá haver a emissão de Nota Fiscal de Serviços, pois, como visto, não houve prestação de serviços a quem paga. Logo, usar tal receita para fins de tributação municipal é algo que não faz sentido.”

Direito privado

Em quarto lugar, nem se diga que a referência ao vocábulo “advocacia” pelo item 17.14 da Lista Anexa à Lei Complementar 116/2003 é suficiente para concluir que a sucumbência se encontra implícita no mesmo. Nesse caso, além de se contrariar todo o rol de argumentos extraídos do direito privado (artigo 110 do CTN) em relação à bilateralidade e à referibilidade do contrato de prestação de serviços advocatícios visando a fins estritamente arrecadatórios, estar-se-á pretendendo aplicar interpretação extensiva no âmbito do direito tributário, prática esta vedada não só pelo princípio da estrita legalidade em matéria tributária (artigo 150, I, CF88), mas, igualmente, pelos artigos 111 e 112, também do CTN. Ou seja, não se ite interpretação extensiva em matéria tributária, notadamente no que se refere à Lista Anexa à Lei Complementar 116/2003.

Justamente por conta disso é que se pode afirmar que o julgamento do Tema 296 no Supremo Tribunal Federal (STF), objeto do Recurso Extraordinário 784439/AL, em nada beneficia ao entendimento municipal míope sobre a matéria, que tenta desvirtuar referido julgado em seu favor quando, na verdade, sua aplicação dá-se em benefício dos contribuintes prestadores de serviço. Em referida repercussão geral, o STF entendeu que: “É taxativa a lista de serviços sujeitos ao ISS a que se refere o art. 156, III, da Constituição Federal, itindo-se, contudo, a incidência do tributo sobre as atividades inerentes aos serviços elencados em lei em razão da interpretação extensiva”.

No entanto, isso não significa que na previsão normativa da lista anexa caiba ou seja exigível todo e qualquer ato e ou situação colateral ao serviço efetivamente prestado. Os ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio foram enfáticos em seus respectivos votos ao entender que se o rol de serviços a serem tributados pelo ISS é taxativo a possibilidade de itir a interpretação extensiva o tornaria exemplificativo, de forma a não aceitar interpretação extensiva para além do que está elencado na lei.

Tanto é que, nessa senda, a relatora ministra Rosa Weber observou que as próprias Listas de Serviços descritas na Lei Complementar 116/2003 por diversas vezes utilizam a fórmula “e congêneres” ou expressões como “de qualquer natureza”, “de qualquer espécie” e “entre outros”, sendo que, assim, eventuais excessos interpretativos do Fisco poderão ser solucionados pelo Poder Judiciário.

Relação contratual bilateral

Em quinto lugar, o Poder Judiciário vem respondendo favoravelmente aos argumentos acima sintetizados, ratificando a importância da aprovação do PLP 267/2003. Vejamos algumas decisões destacadas, entre inúmeras outras. No âmbito do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO), o item “advocacia” da Lista Anexa à Lei Complementar 116/2003, ou seja, serviços de natureza advocatícia, decorrem estritamente da relação contratual, bilateral, existente entre o advogado e seu cliente, não abarcando a verba sucumbencial. [7]

Em sede mandamental, mais especificamente no Mandado de Segurança coletivo 5007387-32.2022.4.03.6000, impetrado pela Seccional da OAB de Mato Grosso do Sul, a 4ª Vara Federal de Campo Grande sacramentou o entendimento em sentença da lavra do juiz Federal Pedro Pereira dos Santos, segundo o qual “não há inconstitucionalidade no item 17.14 da Lista Anexa à Lei Municipal, pela singela razão de se referir o termo Advocacia, à tributação dos valores recebidos a quem o Advogado presta serviços, não a quem lhe paga valores decorrentes de sucumbência”.

Ainda se tem notícia, do ponto de vista da precedência jurisprudencial, que a juíza Gilsa Elena Rios, da 15ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, nos autos de Mandado de Segurança 1051355-04.2022.8.26.0053 entendeu que “não está evidente que os honorários de sucumbência devem ser adotados como base de cálculo do ISS”. De acordo com a referida decisão, o disposto no item 17.14 da Lista Anexa à Lei Complementar 116/2003 faz referência apenas a honorários contratuais. “Os honorários de sucumbência possuem a finalidade de indenizar o advogado da parte vencedora”, consignou-se na liminar concedida, acrescentando que, caso seja adotada a tese de que devem compor a base de cálculo do ISS, “o recolhimento deve ser providenciado por todos os sucumbentes, quer sejam advogados, procuradores do Estado, procuradores do município, procuradores da Fazenda Nacional”.

Em última análise, sobram motivos e argumentos jurídicos sólidos para que a advocacia como um todo, em especial através do Conselho Federal e respectivas Seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil, apoie, de modo incondicional e público, a célere aprovação do PLP 267/2023 no âmbito do Congresso. Somente assim estará definitivamente sacramentada, pela lei complementar e nos termos da Constituição, a não incidência do ISS sobre a verba sucumbencial.

 


[1] aqui

[2] Tome-se como exemplo a Solução de SF/DEJUG 20/2022 da Prefeitura Municipal de São Paulo, ou, também, a resposta à Consulta 07.83386.0.15/2016 formalizada perante a Municipalidade do Recife, entendendo que “em relação aos serviços advocatícios remunerados pelos honorários de sucumbência fixados pelo juiz, a Nota Fiscal de Serviços deve ser emitida em nome do cliente com quem o consulente firmou contrato de prestação de serviços, não importando se quem arcou financeiramente com o pagamento foi um terceiro, no caso, a parte sucumbente na ação”.

[3] O Município de Curitiba, através da Consulta 004/2021, entendeu expressamente que “sob o aspecto material, não há prestação de serviço do advogado da parte vencedora à parte vencida na ação judicial, o que impede a adequação típica da situação fática à hipótese de incidência prevista no art. 1º da LC 40/2001 e art. 3º da LC 116/2003, razão pela qual não é devida tributação de ISS sobre os honorários de sucumbência fixados em decorrência do art. 85, §1º do C”.

[4] O Secretário Municipal da Economia de Maceió emitiu o Ofício SEMEC/GS 08/05/33/2022 para a Seccional da OAB/AL, posicionando-se no sentido de que não incide o ISS sobre os honorários sucumbenciais, bem como que a emissão de nota fiscal nesses casos seria inexigível, desnecessária e inadequada. O Município de Ponta Grossa, no Estado do Paraná, através do Parecer SEI/PMPG 0951169, também se posicionou no sentido da não incidência do ISS sobre os honorários sucumbenciais, mas, de modo contraditório e sem fundamento de validade constitucional e legal, entendeu pela obrigatoriedade da emissão da nota fiscal nesses casos.

[5] BARRETO, Aires Fernandino. ISS na Constituição e na Lei. São Paulo: Dialética, 2003, p. 35

[6] aqui

[7] TJGO, 3ª Câmara Cível, Agravo de Instrumento 5028342-11.2022.8.09.0010, Relator Desembargador Gerson Santana Cintra, julgado em 27 de junho de 2022, ementa oficial.

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