Opinião

Morosidade que viola direitos: a reforma da Previdência e a Justiça Federal

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27 de abril de 2025, 9h24

A reforma da Previdência de 2019, que transferiu a competência para o julgamento de processos previdenciários da Justiça Estadual para a Justiça Federal, se mostrou uma medida ineficaz, acarretando uma série de prejuízos para os cidadãos brasileiros que dependem dos benefícios do INSS. O objetivo de “especializar” o julgamento das causas previdenciárias resultou, na prática, em um sistema sobrecarregado e ainda mais lento.

Situação Atual

Segundo o CNJ ( de Grandes Litigantes), o INSS lidera o ranking de litigantes no Brasil, com mais de 5 milhões de processos ativos no polo ivo. Essa concentração sobrecarrega a Justiça Federal.

Dados Comparativos

Com base no relatório “Justiça em Números 2023 e 2024”:

  • A Justiça Federal está presente em apenas 278 municípios (5% do total nacional), enquanto a Justiça Estadual abrange mais de 2.500 comarcas (44,9% do total nacional). Isso significa que a população tem mais facilidade de o físico à Justiça Estadual, especialmente em regiões remotas ou menos desenvolvidas.
  • A Justiça Estadual conta com 10.081 unidades judiciárias de primeiro grau, enquanto a Justiça Federal possui apenas 1.003 unidades​. Essa maior estrutura pode permitir distribuição mais eficiente da demanda.
  • O tempo médio de tramitação de processos é maior na Justiça Federal (6 anos e 10 meses), em comparação com a Justiça Estadual (3 anos e 10 meses).
  • A taxa de congestionamento da Justiça Federal é de 74,5%, enquanto a da Justiça Estadual é de 74,2%.

Dados por unidade da federação

Com base na planilha de litigantes por órgão judicial, abaixo temos os casos pendentes de julgamento até 31 de janeiro de 2025:

ESTADO JUST. ESTADUAL JUST.  FEDERAL
ACRE 5.531 TRF1 – 1.054.239
AMAPÁ 292 TRF1 – 1.054.239
AMAZONAS 45.014 TRF1 – 1.054.239
BAHIA 27.534 TRF1 – 1.054.239
DISTRITO FEDERAL 2.542 TRF1 – 1.054.239
GOIAS 57.477 TRF1 – 1.054.239
MARANHÃO 23.358 TRF1 – 1.054.239
MATO GROSSO 26.749 TRF1 – 1.054.239
PARÁ 7.766 TRF1 – 1.054.239
PIAUÍ 14.067 TRF1 – 1.054.239
RONDONIA 20.090 TRF1 – 1.054.239
RORAIMA 771 TRF1 – 1.054.239
TOCANTINS 17.561 TRF1 – 1.054.239
TOTAL 248.752 1.054.239
ESPÍRITO SANTO 16.108 TRF2 – 252.322
RIO DE JANEIRO 31.917 TRF2 – 252.322
48.025 252.322
MATO GROSSO SUL 37.015 TRF3- 857.161
SÃO PAULO 201.470 TRF3- 857.161
238.485 857.161
PARANÁ 52.117 TRF4-570.987
RIO GRANDE DO SUL 73.592 TRF4-570.987
SANTA CATARINA 45.451 TRF4-570.987
171.160 570.987
ALAGOAS 1.919 TRF5 – 432.195
CEARÁ 12.319 TRF5 – 432.195
PERNAMBUCO 17.799 TRF5 – 432.195
RIO GRANDE DO NORTE 2.621 TRF5 – 432.195
PARAÍBA 6.869 TRF5 – 432.195
SERGIPE 3.892 TRF5 – 432.195
45.419 432.195
MINAS GERAIS 97.908 TRF6- 326.930
97.908 326.930
TOTAL DE PROCESSOS
PENDENTES DE JULGAMENTO ATÉ (31/01/25)
849.749 3.493.834

Número de juízes(as) estaduais e federais, e servidores(as) estaduais e federais

O relatório Justiça em Números 2024 apresenta o total de magistrados(as) e servidores(as) por ramo de justiça. Os principais dados são:

MAGISTRADOS(AS):

  • Totais no Poder Judiciário (2023): 18.265 juízes(as) e desembargadores(as)
  • Justiça Estadual: 69,5% desses(as) magistrados(as) (aprox. 12.701)
  • Justiça Federal: 10,6% (aprox. 1.938)
  •  Justiça do Trabalho: 19% (aprox. 3.475)
  • Demais ramos (Militar Estadual e Tribunais Superiores): cerca de 0,6% do total

SERVIDORES(AS):

  • Totais no Poder Judiciário (2023): 275.581 (excluindo terceirizados(as) e estagiários(as))
  • Justiça Estadual: 64,8% desses(as) servidores(as) (aprox. 178.670)
  • Justiça Federal: 10,3% (aprox. 28.400)
  • Justiça do Trabalho: 14,4% (aprox. 39.700)
  • Demais ramos (Eleitoral, Militar, Tribunais Superiores): cerca de 10,5%

Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Esses números indicam que a Justiça Estadual é, de longe, o maior segmento em termos de recursos humanos (tanto magistrados(as) quanto servidores(as)), enquanto a Justiça Federal tem menor contingente.

Benefícios da descentralização

  • Celeridade Processual: Justiça Estadual apresenta menor tempo de tramitação aproximadamente 3 anos e 10 meses enquanto na Justiça Federal é de 6 anos e 10 meses.
  • Maior Capilaridade: Alcance da Justiça Estadual permite maior o do cidadão ao Judiciário.
  • Desafogamento da Justiça Federal: Os documentos mostram que a Justiça Federal tem cerca de 15% dos processos em tramitação no país, sendo um volume concentrado e frequentemente marcado por grandes litígios, como execuções fiscais e demandas previdenciárias. Com a competência concorrente, parte dessas ações poderia ser redistribuída às comarcas estaduais, o que contribuiria para reduzir a sobrecarga das varas federais.
  • Economia e Eficiência: Redução de deslocamentos e custos operacionais.

Óbitos aguardando trâmite processual em face do INSS

Em resumo, a quantidade de pessoas que faleceram aguardando processo em face do INSS entre 2019 e 2024 pode ser contabilizada em dezenas de milhares, possivelmente ultraando 100 mil óbitos no total do quinquênio. Os anos de 2020 e 2021 concentram os piores números, devido ao duplo efeito de uma morosidade já grande e da mortalidade elevada da pandemia. Houve melhora em 2022, seguida de um novo agravamento em 2023-2024.

Infelizmente, faltam dados oficiais transparentes sobre mortes durante o trâmite processual — um dado que em si já indica pouca prioridade histórica em monitorar o problema.

Entretanto, os indícios fornecidos por fontes confiáveis deixam claro o cenário: muitos segurados do INSS não viveram o suficiente para ver seus direitos reconhecidos.

A reforma da Previdência precisa ser revisada. A transferência da competência para a Justiça Federal resultou em uma piora significativa na prestação jurisdicional e no o à justiça, além de gerar uma morosidade insustentável. O retorno da competência para a Justiça Estadual é a medida urgente que deve ser adotada para garantir que os cidadãos recebam os benefícios que lhes são devidos, sem mais demora e dificuldades.

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