Quebra do sigilo telemático de pessoas indeterminadas
29 de abril de 2025, 16h21
O Supremo Tribunal Federal está decidindo se é possível quebrar o sigilo telemático e informático de pessoas indeterminadas na busca de provas sobre determinado fato.
O que se discute concretamente é se um servidor de internet, como o Google, pode ser obrigado a informar todas as pessoas que fizeram pesquisa nele sobre determinado assunto, sem indicar fatos concretos sobre pessoa certa, que terá seu sigilo quebrado.
O assunto é complexo e a decisão será tomada em repercussão geral, isto é, praticamente vinculará os demais magistrados acerca deste tema.
Defendo que não é possível este tipo de decisão por afrontar o direito à intimidade daqueles que terão seu sigilo violado.
A Lei 12.965, de 23.04.2014 disciplina o uso da internet no Brasil e traz dispositivos que protegem a intimidade dos seus usuários. Como nenhum direito é absoluto há dispositivos que permitem o o aos dados e à sua comunicação, observada a necessidade e adequação da medida, e ponderação entre os valores em conflito (artigos 22 e 23).
Assim, se de um lado a intimidade dos usuários é protegida (artigo 7º, I), de outro é permitido o o ao fluxo de comunicações pela Internet e às privadas armazenadas mediante autorização judicial (artigo 7º, II e III). Essas normas estão em sintonia com o que já era previsto no artigo 1º, parágrafo único, da Lei 9.296/1996, que permite a interceptação do fluxo de comunicações em sistema de telemática também mediante autorização judicial.
O artigo 5º, X, da Carta Constitucional, determina ser: “… invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
Um dos atributos da intimidade é manter longe do conhecimento das pessoas em geral fatos que só a ela interessa e cuja revelação possa lhe causar embaraço ou constrangimento. E, certamente, ao ser realizada a quebra indiscriminada do sigilo telemático ou informático de pessoas incertas, muitos segredos virão à toda, que, na esmagadora maioria dos casos, nada terá de relação com os fatos investigados.

Toda medida cautelar exige a fumaça do bom direito, isto é, indícios ou fundadas razões que autorizem a violação da intimidade para a busca da prova da prática de um crime. Só que esses indícios ou razões só podem ser demonstrados por meio de uma prova lícita e nunca angariados com séria e grave violação a direito fundamental, no caso a intimidade.
Não se pode determinar medidas invasivas a direito fundamental para peneirar pesquisas de inúmeras pessoas, a fim de se obter elementos para materializar um fato investigado que caracteriza crime. Por conta disso, a exigência legal de fundadas razões para a determinação de medidas cautelares e constritivas, devendo haver fato e pessoas certas sobre as quais recairá a ordem de quebra de sigilo.
Pode ser empregado analogicamente como parâmetro para esta determinação a Lei nº 9.296/1996, que trata das interceptações telefônicas e de telemática.
Para o artigo 2º da referida lei, além de o crime investigado ser apenado com reclusão e somente ser possível a interceptação desde que não haja outros meios menos gravosos à intimidade, é exigida a presença de indícios razoáveis de autoria ou de participação em infração penal.
Note-se que a lei não disse “indícios suficientes” ou “suspeita”, mas razoáveis. Ora, como a lei não deve conter palavras inúteis, é certo que “razoável” não é o mesmo que “suficiente” ou “suspeita”, devendo, portanto, ficar no meio-termo entre eles. De tal forma, não bastará a mera suspeita para que a intimidade de alguém seja violada, tampouco haverá a necessidade de indícios suficientes de autoria, o que já possibilitaria a propositura da ação penal, quando o pedido for feito na fase policial.
Quando o pedido para a interceptação for realizado no decorrer do processo, como já houve o recebimento da denúncia, fica evidente que os indícios razoáveis de autoria já se fazem presentes. Assim, havendo razoabilidade de autoria ou de participação no delito por ocasião do pedido de interceptação, ele poderá, em tese, ser deferido
Para a quebra do sigilo telemático ou informático, aplicando-se analogicamente este dispositivo, não é possível que a ordem judicial alcance pessoas indeterminadas sem nenhuma relação com os fatos em apuração, a pretexto de se buscar provas sobre determinado delito, uma vez que não haverá indícios razoáveis de que tenham de algum modo concorrido para a prática delitiva.
Do contrário, haveria uma espécie de “fishing expedition” ou pesca probatória, já que qualquer prova obtida poderia ser empregada contra alguém em razão do chamado encontro fortuito, isto é, descoberta de um crime ou uma prova até então desconhecida em razão de investigação sobre outros fatos ou pessoas (sobre a pesca probatória, vide link abaixo).
Risco de Estado policialesco
Temerário e absolutamente inconstitucional determinar-se a quebra do sigilo de indeterminado número de pessoas para a busca de uma prova sobre fato certo, que não guarde nenhuma relação com as pessoas que tiveram sua intimidade invadida.

No fato discutido na Excelsa Corte, houve determinação por um magistrado de que o Google informasse o nome e informações de todas as pessoas que pesquisaram o nome de “Marielle Franco” ou “vereadora Marielle”, vítima de homicídio, nos dias anteriores ao seu assassinato, visando apurar os autores do crime e suas circunstâncias (RE 1.301.250).
No caso de ser autorizado este tipo de procedimento, será instalado um Estado policialesco, que, a pretexto de investigar um fato, pessoa ou crime, poderá buscar provas para alcançar uma ou mais pessoas em especial, ando a existir decisão judicial legitimando a pesca probatória, considerada absolutamente inconstitucional em todos os países democráticos do planeta.
Esperemos que o bom senso prevaleça e não se autorize esta temeridade, lembrando que em direito os fins nunca podem justificar os meios.
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