Reforma tributária: a Lei Complementar 214/25
8 de fevereiro de 2025, 13h22
A tão esperada reforma tributária sobre o consumo foi implementada pelo Congresso através da Emenda Constitucional (EC) 132/23, após anos de discussão. Com a publicação da Lei Complementar 214/25, em 16 de janeiro de 2025, mais uma etapa da reforma foi concluída, embora ainda sejam necessárias complementações legislativas por meio de leis ordinárias e atos normativos dos órgãos de fiscalização.
A necessidade de simplificação do sistema tributário, maior clareza normativa, transparência na carga fiscal e redução do impacto tributário sobre a população carente são pontos centrais da reforma.
Entretanto, não podemos criar, a falsa expectativa de que nossos problemas foram resolvidos. Temos pela frente uma ampla discussão sobre a interpretação dos dispositivos legais já editados (EC 132 e LC 214), bem como sobre a forma como as leis ordinárias a serem editadas para regulamentação da nova sistemática serão editadas, além dos atos normativos a serem expedidos pelos órgãos de fiscalização, na regulamentação dos temas.
A EC 132 e a LC 214 substituíram cinco tributos (IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISSQN) por dois novos: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Contudo, a simplificação não foi plena, pois foram criados o Imposto Seletivo (IS) e a Contribuição sobre Produtos Primários e Semielaborados (PS), além da manutenção do IPI para produtos incentivados, como os fabricados na Zona Franca de Manaus.
Transição até 2032
A transição para o novo modelo ocorrerá gradualmente entre 2026 e 2032. Durante esse período, os tributos antigos serão progressivamente substituídos pelos novos, permitindo que contribuintes e entes federativos se adaptem.
O IBS será gerido de forma integrada por estados, Distrito Federal e municípios, através de um Comitê Gestor, que uniformizará interpretações, arrecadará e distribuirá as receitas. Esse comitê contará com 27 membros dos estados e do Distrito Federal e um número equivalente de representantes municipais, com alternância na presidência para assegurar equilíbrio político.

A CBS e o IBS seguirão o modelo de tributação sobre Valor Agregado (IVA), com incidência sobre o valor agregado em cada etapa da cadeia produtiva, garantindo créditos fiscais para evitar a tributação em cascata. A técnica adotada é a da “não cumulatividade”, já presente no IPI, ICMS e PIS/Cofins (regime não cumulativo). No entanto, dúvidas jurídicas persistem sobre a amplitude do direito ao crédito, principalmente nos casos de insumos e despesas indiretas.
Além disso, o novo sistema tributário busca reduzir a burocracia e os custos de conformidade para as empresas, substituindo uma complexa rede de legislações estaduais e municipais por um modelo mais centralizado. No entanto, os impactos práticos dessa transição ainda dependerão da regulamentação complementar.
A não cumulatividade será aplicada amplamente, mas com algumas restrições. Gastos que não estejam diretamente relacionados à atividade econômica não gerarão créditos. Além disso, bens e serviços isentos ou sujeitos à alíquota zero também não permitirão o aproveitamento de créditos tributários.
Comprovação de recolhimento do tributo
Uma das maiores preocupações dos contribuintes é a exigência de comprovação do recolhimento efetivo do tributo na etapa anterior para permitir o uso do crédito, algo contestado nos tribunais em situações análogas, como no caso do ICMS. Para reduzir riscos de inadimplência e sonegação, o governo promete a implementação de mecanismos como o split payment, que rea automaticamente o tributo devido ao fisco.
Durante a transição, os créditos acumulados de ICMS poderão ser compensados com débitos de IBS, e eventuais saldos credores após 2032 serão tratados conforme o artigo 134 do ADCT e normas complementares.
Outro ponto importante é que o novo sistema mantém algumas regras diferenciadas para empresas optantes do Simples Nacional, permitindo que essas gerem créditos em montante equivalente ao cobrado por meio do regime unificado. No entanto, dúvidas permanecem sobre a aplicabilidade desse crédito em operações com incidência diferenciada.
Todos os setores da economia tratados igualmente
A reforma buscou garantir a neutralidade do sistema tributário, tratando todos os setores econômicos de forma equitativa. A tributação no destino, em vez da origem, foi adotada para eliminar a guerra fiscal entre estados e municípios. Entretanto, essa mudança pode impactar negativamente regiões menos desenvolvidas que dependiam de incentivos fiscais para atrair investimentos. Como resposta, mecanismos de compensação financeira foram previstos para estados que perderem arrecadação.
A alíquota padrão para a CBS e o IBS é estimada em 28%, mas haverá reduções e isenções. A alíquota será reduzida em 100% para medicamentos, dispositivos médicos, transporte coletivo e alimentos essenciais. Redução de 60% será aplicada a setores como educação, saúde, insumos agrícolas e higiene pessoal. Já serviços de profissão intelectual terão redução de 30%.
O mecanismo de cashback também foi introduzido para devolver parte dos tributos pagos por consumidores de baixa renda, mitigando o impacto tributário sobre produtos essenciais.
A mudança para um sistema centralizado também pode afetar a capacidade de arrecadação de estados e municípios, exigindo novos mecanismos para equilibrar as receitas locais. A forma como essas transferências serão estruturadas ainda está em debate, e pode gerar desafios para istrações regionais.
Regime diferenciado
A EC 132 e a LC 214 também estabeleceram regimes diferenciados para setores estratégicos, como combustíveis, serviços financeiros, planos de saúde, hotelaria, transporte coletivo, saneamento, cooperativas e setores culturais. Cada um desses segmentos terá normas específicas para garantir maior adequação ao novo modelo tributário.
A implementação da reforma exigirá das empresas adaptação de seus sistemas tecnológicos, processos contábeis e fluxos de pagamento. Pequenas e médias empresas precisarão compreender as novas regras e readequar suas estratégias tributárias. Programas de capacitação e apoio serão fundamentais para facilitar a transição.
A regulamentação dos novos tributos ainda será objeto de intensos debates, especialmente no tocante à aplicação das alíquotas, compensação de créditos e fiscalização. O contencioso tributário pode aumentar no curto prazo, dada a complexidade da transição e as interpretações divergentes entre contribuintes e órgãos fiscais.
Há pela frente, assim, uma missão hercúlea na regulamentação desses novos tributos, com a implementação de novas técnicas e conceitos, recheados com tratamentos díspares entre os mais diversos setores, todos de fundamental importância para o desenvolvimento de nossa economia e, respectivamente, de nossa sociedade.
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