Opinião

Concorrência em IA generativa: como o DeepSeek mudou as regras da corrida tecnológica

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11 de fevereiro de 2025, 13h15

A competição entre Estados Unidos e China pelo protagonismo em inteligência artificial generativa (“IA generativa”) [1] é um dos eixos centrais da geopolítica contemporânea. Sair à frente nessa corrida tecnológica significa ter produtos melhores e mais baratos, além de maior poder e influência global.

DeepSeek

Em 2023, ainda sob a presidência de Joe Biden, com o objetivo de retardar o avanço da sua principal concorrente e proteger seu protagonismo na disputa, os Estados Unidos impam diversas sanções à China relacionadas à IA, como a restrição de exportação de chips de alta performance e semicondutores, alegando preocupações de segurança nacional. Em paralelo às sanções, o Congresso Americano sancionou a Chips and Science Act, (“Lei Chips e Ciência”) que proporcionou o investimento de quase US$ 53 bilhões nas cadeias de suprimentos de semicondutores.

Em 2025, um dia após sua posse, o novo presidente Donald Trump anunciou, ao lado dos CEOs da Open AI, SoftBank e Oracle, que o setor privado fará um investimento de até US$ 500 bilhões em infraestrutura e desenvolvimento em inteligência artificial no país por meio de uma t-venture intitulada Projeto Stargate composta pelas empresas SoftBank, OpenAI, Oracle e MGX. Em contrapartida, a expectativa é que o governo Trump consiga flexibilizar ou interferir em possíveis barreiras regulatórias para facilitar a expansão e desenvolvimento do mercado. Ao defender o projeto, a OpenIA afirma que não apenas apoiará a reindustrialização dos Estados Unidos, mas também fornecerá uma capacidade estratégica para proteger a segurança nacional da América e seus aliados.

O anúncio dos investimentos bilionários das principais empresas americanas de IA, os rumores de possível flexibilização regulatória e a menção expressa à possível vitória americana na corrida tecnológica no setor desvela uma lógica comum na política industrial: a ideia de “campeões nacionais”. Nesse sentido, a tese sustenta que, em indústrias estratégicas, os campeões nacionais não devem estar sujeitos a uma regulamentação antitruste tão rigorosa, de modo a favorecer a criação de monopólios. Ao longo da história do antitruste, é possível observar que as inovações que revolucionaram os mercados e mudaram paradigmas vêm, especialmente, das empresas disruptivas que não necessariamente são monopolistas. O incentivo à concorrência e a rejeição à ideia de campeões nacionais nos Estados Unidos revolucionou os mercados de telecomunicações (caso AT&T) e computação (caso IBM), ocasionando uma onda de inovações e competitividade.

Com relação ao mercado de IA generativa, a escolha americana de proteção dos monopólios da inovação em detrimento da proteção da inovação dos monopólios se mostrou equivocada muito precocemente. Apesar das sanções à China e da crença generalizada de que havia a necessidade de se investir bilhões de dólares no mercado de IA, a principal concorrente dos Estados Unidos mostrou que é possível não apenas entrar no mercado com investimentos supostamente irrisórios e chips supostamente menos sofisticados, como também concorrer efetivamente com agentes econômicos dominantes. A tentativa americana de minar a concorrência global e defender seus campeões nacionais se transformou em uma oportunidade para que sua maior rival explorasse soluções alternativas, inovadoras, baratas e altamente competitivas.

Spacca

A DeepSeek, startup chinesa responsável por causar a maior perda de valor de mercado de uma ação nos Estados Unidos em um único dia – a ação em questão é da empresa norte-americana Nvidia, líder em inteligência artificial – lançou um assistente gratuito, open-source –  ou seja, qualquer usuário pode ar a “receita de bolo” utilizada pelos chineses e replicá-la ou alterá-la caso assim deseje –, demonstrando ao mundo que é possível, no mercado de IA generativa, que o investimento em inovação e novas alternativas disruptivas preceda investimentos bilionários em infraestrutura e chips de última geração.

Impacto da disrupção

Sob o ponto de vista concorrencial, quais são as implicações da entrada da DeepSeek no mercado? Inicialmente é interessante observar que o que ocorreu no mercado de IA generativa é um clássico caso de inovação que gera disrupção: os agentes econômicos que preconizaram a exploração do mercado otimizaram os processos existentes, enquanto os novos players aram a explorar novas formas de desenvolvimento, priorizando a eficiência e o menor custo. A entrada da startup chinesa no mercado de IA generativa bagunça premissas que até então se traduziam em altas barreiras à entrada: não é preciso investir bilhões em tecnologia e infraestrutura, possuir os chips mais avançados e cobrar caro pelo serviço para produzir um concorrente à altura das empresas dominantes.

Em recente artigo sobre concorrência entre modelos de IA, os professores Thibault Schrepel e Alex Pentland ponderaram que embora seja provável que os custos continuem a ser um fator significativo na formação e implementação de modelos de IA, a pressão competitiva de modelos menos avançados e mais rentáveis poderá influenciar essa dinâmica, em especial se oferecerem aos usuários uma experiência comparável a um custo operacional significativamente inferior.

A ponderação provou-se válida após a entrada em cena da DeepSeek, mas a grande surpresa veio com os custos de produção significativamente inferiores, viabilizando uma IA generativa competitiva. A necessidade de inovação trazida pelo player chinês fez com que os agentes de mercado questionassem a necessidade de vultosos valores injetados no desenvolvimento dos modelos tradicionais de IA generativa até então. A restrição comercial imposta pelos Estados Unidos se provou, em verdade, um grande incentivo à busca de caminhos alternativos tendo como premissa a inovação.

Em recente entrevista, Uallace Moreira, secretário de Desenvolvimento Industrial e Inovação do Ministério da Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), ressaltou que a entrada da DeepSeek no mercado de IA generativa é a prova de que países emergentes também podem competir neste mercado. Modelos de alta performance podem ser desenvolvidos com recursos limitados, de modo a romper com a premissa de que investimentos bilionários em chips e infraestrutura são estritamente necessários para competir efetivamente com grandes empresas.

Assim, a dinâmica competitiva no mercado de IA generativa tende a ser alterada drasticamente. A entrada da nova concorrente no mercado gera uma significativa pressão nas empresas que até então dominavam o mercado. Ao oferecer um serviço barato, eficiente, open-source, e, além de tudo, disruptivo, a DeepSeek acaba compelindo as grandes empresas americanas a reduzir preços, aumentar sua carteira de serviços e focar em inovação. É possível se pensar em um novo capítulo no desenvolvimento da IA generativa, agora ainda mais ível, competitivo, inovador, mais sustentável e possivelmente mais barato.

 


[1] A inteligência artificial generativa é um subcampo da inteligência artificial que se concentra na capacidade de gerar informações por meio dos seus dados de treinamento, inputs e prompts. Diferentemente de sistemas tradicionais de IA que são projetados para reconhecer padrões ou fazer previsões, a IA generativa é capaz de gerar outputs originais.

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