Opinião

Necessário distinguishing do Tema nº 117 para hipóteses de pessoas jurídicas extintas

Autores

  • é advogado de Ayres Britto Consultoria Jurídica e Advocacia bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC) pós-graduando em Direito Tributário e Contabilidade Tributária pela Faculdade Brasileira de Tributação (FBT) e graduando em Ciências Contábeis pela Universidade de Brasília (UnB).

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  • é advogado na Ayres Britto Consultoria Jurídica e Advocacia e especialista em Direito Tributário com certificação internacional em comércio exterior e atuação para grandes empresas do setor de tecnologia.

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11 de fevereiro de 2025, 20h19

O plenário do STF (Supremo Tribunal Federal) julgou, já há muito, sob o regime da Repercussão Geral, o Tema nº 117, firmando a seguinte tese para fins de observância obrigatória: “É constitucional a limitação do direito de compensação de prejuízos fiscais do IRPJ e da base de cálculo negativa da CSLL”.

Em outros termos, a Suprema Corte teve por constitucional as limitações previstas nos artigos 15 e 16 da Lei Federal nº 9.065/1995 [1]; e 42 e 58 da Lei Federal nº 8.981/1995 [2]. Esses dispositivos preveem, essencialmente, a limitação de 30% para utilização de prejuízos fiscais, no caso do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), ou de base de cálculo negativa, no caso da Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL), nas compensações promovidas para redução do tributo a pagar.

Ocorre que as razões de decidir do julgado não abrangem algumas situações particulares. É este justamente o caso do aproveitamento do prejuízo fiscal para sociedades empresárias extintas: se elas têm suas personalidades jurídicas encerradas, deve ser possível o aproveitamento integral do prejuízo fiscal no ano de extinção, pois, do contrário, deixa de haver apenas limitação temporal, mas ocorre modificação na própria forma de apurar o IRPJ e a CSLL.

No Tema nº 117, ressalvados os ministros Marco Aurélio, Fachin e Lewandowski, que ficaram vencidos, a maioria dos demais ministros que compunham o quórum do tribunal na ocasião decidiram “nos termos do voto do ministro Alexandre de Moraes, Redator para o acórdão”. Nesse voto, que conduziu a maioria, as razões de decidir não abarcam as situações de extinção da entidade.

Nessa perspectiva, o redator, repetidamente, explicita estar decidindo acerca da possibilidade de prolongar no tempo o aproveitamento do prejuízo fiscal, o que não se aplica aos casos de extinção das personalidades jurídicas. Eis excertos do voto condutor nesse sentido:

“Discute-se, no presente recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida, a constitucionalidade das Leis Federais 8.891/1995 e 9.065/1995, nos pontos em que regulam a limitação (trava) de 30% do aproveitamento de prejuízos fiscais a serem deduzidos da base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da base de cálculo negativa da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) em anos-calendário subsequentes.

Tal restrição dirige-se a pessoa jurídica em pleno exercício de seu objeto social; ou seja, que não encerrou suas atividades, por extinção, fusão, cisão parcial ou total, ou por incorporação.

(…)

Quanto a situação da pessoa jurídica extinta, conforme salientado pelo ilustre Relator, trata-se de matéria não prequestionada.”

(STF, RE nº 591.340/SP; órgão julgador: Tribunal Pleno; relator: Min. Marco Aurélio; Redator p/ Acórdão: Min. Alexandre de Moraes; julgado em: 27/06/2019)

Esse voto cita, ainda, obra acadêmica de Tércio Sampaio Ferraz Junior (Da Compensação de Prejuízos Fiscais ou da Trava de 30%. In: Revista Fórum de Direito Tributário — RFDT. Belo Horizonte, ano 10, n. 60, nov./dez. 2012) em que este explicita que “a fórmula legal não implica a perda do direito a compensação de prejuízos, mas mera transferência, indefinida, para períodos posteriores”.

O ministro Luiz Fux, que compôs a maioria, chegou a sugerir que, caso estivesse em disputa a hipótese de extinção da entidade, votaria de forma diversa. Essa inferência pode ser feita a partir do seguinte excerto do voto:

In casu, a legislação atacada preserva o conceito constitucional de renda, ao permitir a dedução dos prejuízos da base de cálculo negativa. Eventual violação surgiria – isso que é importante – se o exercício desse direito fosse condicionado de modo a tornar sua fruição tecnicamente impossível ou desproporcional ou custosa, o que seria impossível no caso de extinção da pessoa jurídica.”

Nos esclarecimentos, o ministro Fux foi ainda mais enfático, como evidencia o seguinte fragmento textual:

“O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) – Antes de tomar o voto da Ministra Rosa Weber, só queria esclarecer, depois de ouvir o Relator, que não está em jogo a compensação de prejuízos fiscais de empresa extinta, porque isso foi aduzido da tribuna…

(…)

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) – Essa tese não está em jogo, porque aí fica mais fácil entender que não vai poder compensar prejuízo de uma pessoa que já se extinguiu. Então ela tem que compensar tudo de uma vez só. Mas não é isso que está em jogo.”

Extinção da personalidade jurídica

Apesar desses pronunciamentos, em adição aos da minoria, as instâncias ordinárias e o próprio STF têm tratado a extinção da personalidade jurídica sem a caracterização de um fator de distinção, aplicando-lhe, sem ressalvas, o Tema nº 117. Conquanto essa orientação jurisprudencial — direcionada aos casos de extinção da entidade — seja ainda escassa, ela deve ser alterada antes que se consolide, em severo prejuízo aos contribuintes e, sobretudo, ao direito tributário.

Spacca

Nesse sentido, rejeita-se a noção muito repetida no acórdão do Tema nº 117 de que a compensação de prejuízos fiscais e bases de cálculo negativas são benefícios fiscais. Nem tudo que reduz o valor a pagar do tributo é benefício fiscal, muito menos favor ou benesse. O STF já reconheceu isso várias vezes em relação à não-cumulatividade [3], que é verdadeiro método de apuração de outros tributos (ICMS, IPI, PIS, Cofins), uma forma de determinar sua base de cálculo, e não benefício fiscal concedido para consecução de finalidade extrafiscal.

A não-cumulatividade é a própria forma que a Constituição prescreve que esses tributos sejam apurados para evitar a acumulação indevida do ônus ao longo da cadeia, singularizando apenas o signo presuntivo de riqueza manifestado por aquele contribuinte específico. Não se trata de mero redutor do valor a pagar.

A exata mesma ideia deve se aplicar à compensação de prejuízos fiscais e bases de cálculo negativas, no caso do IRPJ e da CSLL, posição esta, aliás, sustentada por diversos dos mais ilustres autores de direito tributário no Brasil, dentre os quais está Humberto Ávila [4]. É que, como o nome adianta, não se está dando um desconto, mas compensando valores financeiros positivos com os negativos para apurar um saldo tributável pela União, sendo precisamente esta a base de cálculo e, portanto, a medida objetiva de capacidade contributiva a ser alcançada.

É do próprio conceito constitucional de renda que ele seja, necessariamente, um ganho ou acréscimo patrimonial. Essa ideia, presente na jurisprudência do STF há muitos anos [5], lastreia diversos precedentes recentes do tribunal, notadamente, o do Tema nº 962 da Repercussão Geral [6]. Ora, se é ínsito ao próprio conceito de renda essa exigência de acréscimo patrimonial, tal renda só pode ser aferida por meio da apuração de um saldo de receitas e despesas e, mais importante para a presente discussão, do saldo final dos lucros e prejuízos, para determinar se a evolução patrimonial foi positiva. Apenas em caso afirmativo, podem incidir IRPJ e CSLL.

Compensação de prejuízos fiscais

Do contrário, se estaria violando a noção de “renda líquida”, tão bem explicada por Luís Eduardo Schoueri [7]. Propõe-se, com isso, a singela tese de que não se pode proibir a compensação de prejuízos fiscais, uma vez que a sociedade empresária ter ado esses resultados negativos foi necessário para a continuidade de sua atividade econômica, que tem uma relação de causalidade direta com a obtenção de lucro em períodos posteriores. Aliás, é comum que esses prejuízos decorram de investimentos concentrados em determinado período de apuração, o que, naturalmente, viabiliza o lucro futuro. Logo, incorre-se na noção — referida pelo professor Schoueri — de “gastos necessários para obter um rendimento”, que não podem ser indedutíveis justamente por violarem o conceito constitucional e legal de renda.

Logo, embora, ao julgar o Tema nº 117 da Repercussão Geral, o STF tenha reconhecido a licitude das limitações à compensação desses prejuízos fiscais e bases de cálculo negativas, ele o fez apenas em relação às restrições temporais. Preservou-se assim, naquela ocasião, o direito à compensação desses prejuízos como método de apuração dos tributos, ressalvada a possibilidade de o legislador ordinário diferir no tempo as compensações com os lucros futuros.

Nos casos em que houve encerramento das atividades empresariais e da própria personalidade jurídica, porém, manter a limitação temporal impede a própria apuração correta do tributo, por meio da determinação do saldo positivo ao longo do tempo. É justamente esta a diferenciação a ser feita. Do contrário, a Suprema Corte não aplicará adequadamente seus próprios precedentes, gerando o efeito de permitir confisco patrimonial, pela via de IRPJ e CSLL, ao se desconsiderar as perdas e apurar apenas os ganhos para fins de tributação. Assim, atinge-se mais do que o que se efetivamente obteve como renda ou lucro, que são medidas de fluxo, e a-se a atingir o patrimônio em geral, que é um acumulado (estoque). Essa forma de tributar, definitivamente, não mede capacidade contributiva, diferentemente do mero diferimento das compensações ao longo dos anos.

A propósito, essa diferenciação não é original no próprio STF. No AgRg no RE nº 1.303.153/RJ, o ministro Edson Fachin, ao proferir seu voto sivergente, argumenta de forma similar, com base na jurisprudência do Conselho istrativo de Recursos Fiscais (Carf) e nas obras de prestigiados autores, como Humberto Ávila, Lucas Bevilacqua e Ricardo Mariz de Oliveira. Mais recentemente, no julgamento do RE nº 1.425.640/RS, interrompido por destaque, o ministro André Mendonça também propôs essa distinção.

Em conclusão, espera-se que o STF observe a diferenciação em favor da qual os próprios membros da maioria que validaram a restrição argumentaram, de forma a evitar que se utilize o IRPJ e a CSLL para tributar patrimônio, e não mais apenas renda ou lucro.

O próprio ordenamento jurídico provê um importante instrumento para evitar esse resultado: o sistema de precedentes. Ele serve para uniformizar a aplicação de regras aos casos em que são aplicáveis, diferenciando essas situações por cognição judicial dos casos em que não o são.

O distinguishing do Tema nº 117, nesse sentido, é essencial para evitar um confisco generalizado do patrimônio das sociedades empresárias que são extintas.

 


[1] “Art. 15. O prejuízo fiscal apurado a partir do encerramento do ano-calendário de 1995, poderá ser compensado, cumulativamente com os prejuízos fiscais apurados até 31 de dezembro de 1994, com o lucro líquido ajustado pelas adições e exclusões previstas na legislação do imposto de renda, observado o limite máximo, para a compensação, de trinta por cento do referido lucro líquido ajustado.

Parágrafo único. O disposto neste artigo somente se aplica às pessoas jurídicas que mantiverem os livros e documentos, exigidos pela legislação fiscal, comprobatórios do montante do prejuízo fiscal utilizado para a compensação.

Art. 16. A base de cálculo da contribuição social sobre o lucro, quando negativa, apurada a partir do encerramento do ano-calendário de 1995, poderá ser compensada, cumulativamente com a base de cálculo negativa apurada até 31 de dezembro de 1994, com o resultado do período de apuração ajustado pelas adições e exclusões previstas na legislação da referida contribuição social, determinado em anos-calendário subseqüentes, observado o limite máximo de redução de trinta por cento, previsto no art. 58 da Lei nº 8.981, de 1995.

Parágrafo único. O disposto neste artigo somente se aplica às pessoas jurídicas que mantiverem os livros e documentos, exigidos pela legislação fiscal, comprobatórios da base de cálculo negativa utilizada para a compensação.”

[2] “Art. 42. A partir de 1º de janeiro de 1995, para efeito de determinar o lucro real, o lucro líquido ajustado pelas adições e exclusões previstas ou autorizadas pela legislação do Imposto de Renda, poderá ser reduzido em, no máximo, trinta por cento.

Parágrafo único. A parcela dos prejuízos fiscais apurados até 31 de dezembro de 1994, não compensada em razão do disposto no caput deste artigo poderá ser utilizada nos anos-calendário subseqüentes.

(…)

Art. 58. Para efeito de determinação da base de cálculo da contribuição social sobre o lucro, o lucro líquido ajustado poderá ser reduzido por compensação da base de cálculo negativa, apurada em períodos-base anteriores em, no máximo, trinta por cento.”

[3] Apenas para mencionar um exemplo recente: STF, ADI nº 5.635/DF; órgão julgador: Tribunal Pleno; relator: Min. Luís Roberto Barroso; julgado em: 18/10/2023.

[4] ÁVILA, Humberto. Conceito de Renda e Compensação de Prejuízos Fiscais. São Paulo: Malheiros Editores, 2011. p. 63-66.

[5] Exemplificativamente: STF, RE nº 89.791/RS; órgão julgador: 1ª Turma; relator: Min. Cunha Peixoto; julgado em: 03/10/1978.

[6] A Tese firmada foi a seguinte: “É inconstitucional a incidência do IRPJ e da CSLL sobre os valores atinentes à taxa Selic recebidos em razão de repetição de indébito tributário.”.

[7] SCHOUERI, Luís Eduardo. Considerações Acerca da Disponibilidade da Renda: Renda Disponível é Renda Líquida. In: ZILVETI, Fernando Aurélio; FAJERSZTAJN, Bruno; SILVEIRA, Rodrigo Maito da. Direito Tributário: Princípio da Realização no Imposto Sobre a Renda. São Paulo: IBDT, 2019.

Autores

  • é advogado de Sacha Calmon Misabel Derzi Advogados, graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e pós-graduado em Direito Tributário e Contabilidade Tributária pela Faculdade Brasileira de Tributação (FBT).

  • é advogado de Ayres Britto Consultoria Jurídica e Advocacia, graduado em Direito pelo Centro de Ensino Superior do Amapá (CEAP), especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), com certificação internacional em Comércio Exterior pela Anderson National College no Canadá, ex-conselheiro e vice-presidente do Tribunal istrativo de Recursos Fiscais do Distrito Federal (TARF/DF).

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