Opinião

Imposto Seletivo no Brasil e políticas ambientais nos EUA sobre veículos

Autores

  • é doutorando em Filosofia pela PUC-RS mestre em Direito Tributário pela PUC-RS especialista em Direito do Estado pela UFRGS e em Direito Processual Civil pela PUC-RS MBAs em Direito Tributário e em Direito Empresarial pela FGV graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Ulbra pesquisador – eixo jurídico no projeto Rede de Inteligência Artificial Ética e Segura – Raies pela PUC-RS com apoio pela Fapergs professor de Direito Tributário do curso de graduação em Direito da Famaqui e advogado.

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  • é doutor em Filosofia pela State University of New York em Stony Brook coordenador do Programa de Pós-graduação em Filosofia da PUCRS e coordenador da RAIES (Rede de Inteligência Artificial Ética e Segura).

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17 de fevereiro de 2025, 19h36

A transição para uma economia sustentável tem sido um tema central nas discussões políticas e legislativas em diversos países, especialmente no que diz respeito à mobilidade urbana e à redução das emissões de gases de efeito estufa. No entanto, as abordagens adotadas variam significativamente de acordo com o contexto político e econômico de cada nação.

No Brasil, a Emenda Constitucional nº 132/2023 trouxe avanços significativos ao elevar a proteção ambiental a um princípio norteador do sistema tributário, criando o Imposto Seletivo (IS) como um instrumento extrafiscal destinado a desestimular o consumo de bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. No entanto, a inclusão de veículos elétricos (VEs) na base de incidência do IS, conforme Lei Complementar nº 214/2025, tem gerado controvérsias, especialmente diante da ausência de critérios técnicos claros e de estudos robustos que justifiquem essa medida.

Nos Estados Unidos, a ordem executiva proposta pelo governo de Donald Trump busca reverter incentivos fiscais para veículos elétricos, em contraste com as iniciativas de estados como a Califórnia, que visam à eliminação gradual de veículos a combustão até 2035.

Diante desse cenário, serão analisados de forma sucinta os contextos do Brasil e dos EUA, considerando os impactos da regulamentação do IS e das políticas de incentivo à mobilidade sustentável.

Brasil

A regulamentação do IS no Brasil foi consolidada com a Lei Complementar (LC) nº 214, de 16 de janeiro de 2025, que detalha sua aplicação com base no inciso VIII do artigo 153 da Constituição. Esse imposto incide sobre a produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços considerados prejudiciais à saúde e ao meio ambiente (1).

Em relação às alíquotas do IS para veículos serão estabelecidas por lei ordinária e poderão variar de acordo com critérios como potência, eficiência energética, desempenho estrutural, reciclabilidade, pegada de carbono e emissão de dióxido de carbono. Além disso, a alíquota pode ser reduzida a zero para veículos adquiridos por beneficiários de regime diferenciado que haja sido reconhecido pela Receita Federal (1).

O Anexo XVII da LC nº 214/2025, elenca as Nomenclaturas Comuns (NCM) de diversos bens e serviços sujeitos ao IS, incluindo veículos, aeronaves e embarcações, dentre outros (1). Notavelmente, a legislação ressalva a exclusão dos caminhões de qualquer incidência do IS relacionada aos veículos automotores. Essa exclusão levanta críticas significativas, especialmente considerando que o transporte rodoviário de cargas é um dos principais responsáveis pela poluição ambiental, dado o uso predominante de diesel como combustível (5).

Spacca

Adicionalmente, a inclusão dos veículos elétricos na base de incidência do IS é contestada. Pois estaria em desacordo com o artigo 145, §3º, da Constituição (2), que pugna por políticas tributárias que promovam a sustentabilidade (5).

Todavia, a eficácia do IS como instrumento extrafiscal depende da adoção de critérios técnicos claros e de estudos robustos que justifiquem a incidência do tributo sobre determinados bens e serviços. No caso dos VEs, embora apresentem vantagens ambientais em relação aos veículos movidos a combustão interna, como a redução das emissões locais de gases poluentes, sua sustentabilidade deve ser avaliada de forma mais ampla, considerando todo o ciclo de vida do produto, desde a extração de matérias-primas para a produção de baterias até o descarte e reciclagem desses componentes (7).

Estudos como o de Hongliang Zhang et al. (10) demonstram que, embora os VEs tenha uma pegada de carbono reduzida ao longo de sua vida útil, a produção de baterias e a matriz energética utilizada para o carregamento desses veículos podem gerar impactos ambientais significativos. Nesse sentido, a tributação de VEs pelo IS não deve ser vista necessariamente como uma medida contrária à proteção ambiental, mas como uma forma de garantir que a transição para a mobilidade elétrica seja realizada de forma eficaz, alinhada aos objetivos constitucionais para redução de emissões de gases de efeito estufa, como dióxido de carbono (CO2), e a promoção do desenvolvimento sustentável. A ausência de critérios técnicos claros na LC nº 214/2025, no entanto, expõe o risco de que o IS se torne um instrumento de “greenwashing fiscal”, ou seja, uma medida que aparenta ter um propósito ecológico, mas que, na prática, não promove benefícios concretos para o meio ambiente (7).

Estados Unidos

Em dezembro ado, os EUA autorizaram a Califórnia a impor regras que exigem que, até 2035, todas as montadoras comercializem apenas veículos novos com emissão zero de poluentes no estado. Essa permissão, conhecida como “isenção”, poderá impactar políticas nacionais daquele país, pois 17 estados já demonstraram interesse em seguir os padrões californianos, e 11 deles planejam eliminar gradualmente os veículos a gasolina até 2035. Juntos, esses estados representam mais de 40% dos registros de veículos leves naquele país (4).

Entretanto, essa iniciativa ambiental encontra resistência do governo Trump. Por meio de uma ordem executiva recente, a istração manifestou sua intenção de revogar as isenções estaduais que restringem a venda de veículos a combustão (9). Embora essa medida tenha, por ora, um caráter mais político do que normativo, ela ameaça os planos da Califórnia de reduzir emissões (4).

O direito do estado da Califórnia em definir seus próprios padrões se baseia no Clean Air Act (6), que permite regulamentações locais mais rígidas para atender aos padrões federais de qualidade do ar. Regiões como Los Angeles e o Vale de San Joaquin enfrentam altos níveis de ozônio, prejudicando a saúde pública. Assim, com base na legislação federal americana, a Califórnia estaria autorizada em solicitar autorização para impor padrões próprios de emissão, sendo que a Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA) (3) é quem avalia o pedido após um período de consulta pública.

A referida ordem executiva menciona a eliminação de regulamentações que impõem restrições ao mercado automotivo e limitam a liberdade de escolha do consumidor. O documento determina a remoção de barreiras regulatórias para facilitar o o a veículos a combustão e assegurar condições equitativas no setor. Além disso, revisa isenções estaduais que restringem a comercialização de automóveis movidos a gasolina e elimina subsídios que favorecem VEs em detrimento de outras tecnologias. A ordem também indica a intenção de revogar incentivos fiscais para a compra de VEs e reverter regulamentações ambientais adotadas durante o governo Biden, que visam a reduzir emissões de gases de efeito estufa de veículos de ageiros e comerciais (8).

Da mesma maneira, essa ordem executiva busca interromper o financiamento destinado à instalação de estações de carregamento para VEs, previsto na Lei de Redução da Inflação e na lei de infraestrutura bipartidária de 2021. O governo Biden havia estabelecido a meta de instalar 500 mil carregadores até 2030, sendo que, até o final do ano anterior, 214 já estavam operacionais em 12 estados, com outros 24,8 mil projetos em andamento. Segundo a Federal Highway istration, mais de 203 mil pontos de carregamento públicos estão em funcionamento nos EUA, com cerca de 1.000 sendo adicionados semanalmente, o que representa mais que o dobro do número disponível em 2021. A istração Biden também destinou recursos à infraestrutura de carregamento por meio de programas federais específicos (8).

O mercado da Califórnia exerce influência significativa sobre as montadoras globais. A Toyota, por exemplo, tem adotado uma estratégia focada em veículos híbridos, argumentando que os consumidores ainda não estão preparados para carros totalmente elétricos. No entanto, as normas californianas, consideradas por alguns executivos como “impossíveis”, pressionam a empresa a acelerar seus investimentos em eletrificação (4).

Recentemente, o setor automobilístico criticou as metas de emissões e vendas de VEs estabelecidas pela Califórnia, classificando-as como “inalcançáveis”. A possível revogação das regras de emissões zero pelo governo federal, sob a istração Trump, enfrentaria desafios legais, como dito, a permissão concedida à Califórnia está ancorada no Clean Air Act. Especialistas, como Julia Stein, da Universidade da Califórnia, Los Angeles (UCLA), argumentam que qualquer tentativa de revogação teria base legal frágil, pois o estado depende dessas normas para atingir padrões federais de qualidade do ar, especialmente em regiões como o Vale de San Joaquin e Los Angeles, onde a poluição agrava problemas de saúde pública (4).

Considerações finais

A análise da tributação de VEs no Brasil e das políticas ambientais nos EUA revela um ponto em comum nos dois países: interesses econômicos sobre uma agenda efetivamente sustentável. Em ambos os cenários, observa-se que o lobby da indústria automotiva exerce forte influência na formulação de políticas públicas.

No Brasil, a não incidência do IS para caminhões, apesar de seu impacto ambiental expressivo, evidencia como determinados setores conseguem moldar a legislação conforme seus interesses. Nos EUA, a disputa entre o governo federal e estados como a Califórnia expõe o conflito entre uma regulação ambiental mais rigorosa e a pressão de montadoras que buscam manter modelos tradicionais de negócio.

Para que a transição para uma economia sustentável ocorra de maneira efetiva, é imprescindível que as políticas tributárias e regulatórias sejam embasadas em critérios técnicos e científicos, incentivando o desenvolvimento de tecnologias realmente sustentáveis, sob o risco de comprometer o equilíbrio ambiental.

Em suma, a sustentabilidade não pode ser refém de disputas políticas e de interesses setoriais. O enfrentamento dos desafios ambientais exige uma abordagem coerente e cientificamente embasada, capaz de garantir que a mobilidade do futuro seja, de fato, ambientalmente responsável, socialmente justa e orientada para a adoção de soluções que atendam às necessidades do planeta e das futuras gerações.

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Referências

(1) BRASIL. Lei Complementar nº 214, de 16 de janeiro de 2025. Disponível em: https://planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l/L214.htm. o em 31 de jan. de 2025.

(2) BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. o em: 02 fev. 2025.

(3) ENVIRONMENTAL PROTECTION AGENCY (EPA). United States. : State and Local Transportation: Vehicle Emissions California Waivers and Authorizations. Disponível em: https://www.epa.gov/state-and-local-transportation/vehicle-emissions-california-waivers-and-authorizations. o em: 2 fev. 2025.

(4) MARSHALL, Aarian. The Electric Vehicle Fight Turns to California. Condé Nast (WIRED), 28 jan. 2025. Disponível em: https://www.wired.com/story/the-electric-vehicle-fight-turns-to-california/?mc_cid=fafa9f7438&mc_eid=d393d46053. o em 31 de jan. de 2025.

(5) MELO, Letícia de; BUFFON, Marciano. Reforma tributária e lei complementar: da (des)conformidade com o texto constitucional. Consultor Jurídico (ConJur), 28 jan. 2025. Disponível em: /2025-jan-28/reforma-tributaria-e-lei-complementar-critica-a-partir-da-desconformidade-com-o-texto-constitucional/. o em 31 de jan. de 2025.

(6) Office of the Law Revision Counsel. United States Code. Clean Air Act, 42 U.S.C. § 7401 et seq. 1970. Disponível em: https://uscode.house.gov/privacy_policy.xhtml. o em 02.02.2025.

(7) PEREIRA, Emílio; PASETTI, Marcelo. Avaliação de impacto ambiental ex ante e ex post: a incidência do imposto seletivo sobre veículos automotores no PLP nº 68/2024 seria um autêntico imposto sobre exercise tax ou greenwashing tax? No prelo para publicação.

(8) ST. JOHN, Alexa; DALY, Matthew. What’s next for EVs as Trump aims to eliminate Biden-era incentives?. Politics, 21 jan. 2025. News Hour Productions LLC. Disponível em: https://www.pbs.org/newshour/politics/whats-next-for-evs-as-trump-aims-to-eliminate-biden-era-incentives. o em 31 de jan. de 2025.

(9) UNITED STATES. Unleashing American Energy: Executive Order. Jan. 20, 2025. The White House, Washington, DC. Disponível em: https://www.whitehouse.gov/presidential-actions/2025/01/unleashing-american-energy/?mc_cid=fafa9f7438&mc_eid=d393d46053&utm_campaign=tr_the_spark_10&utm_medium=email&utm_source=RD+Station. o em 31 de jan. de 2025.

(10) ZHANG, Hongliang; XUE, Bingya; LI, Songniano; YU, Yajuan; LI, Xi; CHANG, Zeyu; WU, Haohui; HU, Yuchen; HUANG, Kai; LIU, Lei; CHEN, Lai; SU, Yuefeng. Life cycle environmental impact assessment for battery-powered electric vehicles at the global and regional levels. Sci Rep 13, 7952 (2023). https://doi.org/10.1038/s41598-023-35150-3. o em 31 de jan. de 2025.

Autores

  • é doutorando em Filosofia pela PUC-RS, mestre em Direito Tributário pela PUC-RS, especialista em Direito do Estado pela UFRGS e em Direito Processual Civil pela PUC-RS, MBAs em Direito Tributário e em Direito Empresarial pela FGV, graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Ulbra, pesquisador – eixo jurídico no projeto Rede de Inteligência Artificial Ética e Segura – Raies, pela PUC-RS com apoio pela Fapergs, professor de Direito Tributário do curso de graduação em Direito da Famaqui e advogado.

  • é doutor em Filosofia pela State University of New York em Stony Brook, coordenador do Programa de Pós-graduação em Filosofia da PUCRS e coordenador da RAIES (Rede de Inteligência Artificial Ética e Segura).

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