Instituto do proxy hunter como instrumento de negociação na recuperação judicial
17 de fevereiro de 2025, 15h26
A Lei de Recuperação de Empresas e Falências (LREF) conferiu a cada credor o direito individual ao voto a ser proferido em sede de Assembleia Geral de Credores (AGC), a qual é um órgão colegiado deliberativo que trata dos assuntos mais importantes da recuperação judicial (RJ), especialmente a votação do Plano de Recuperação Judicial (PRJ).

Cada credor é livre para participar pessoalmente do conclave, ou por mandatário ou, ainda, procurador. Nesse sentido, emerge a figura do proxy hunter, o qual atua como um tradutor, simplificando e esclarecendo cada fase, cada regra, e cada detalhe do plano. Em outras palavras, é um canal de comunicação com os credores a fim de oferecer a estes a possibilidade de aderir aos termos do PRJ e serem representados por esta figura.
Assim, pode-se dizer que o proxy hunter é um agente que atua na captação de votos de credores, podendo representar seus interesses de forma direta ou indireta na AGC, com a obrigação ética e contratual de seguir os interesses do representado, votando conforme orientações dadas por ele.
A jurisprudência já convalidou a possibilidade de instrumentalização do aludido instituto, servindo este como importante instrumento para negociação no contexto da RJ. Isso porque muitos credores se veem diante de entraves financeiras ou de compreensão que os impedem de participar ativamente do processo recuperacional. Assim, o proxy surge para garantir que todos possam ter voz e receber o que é seu por direito, representando fielmente os interesses daqueles que representa.
Em síntese, os principais objetivos incluem: coordenar credores dispersos para formar blocos de votação; negociar melhores condições no PRJ; facilitar a obtenção de quórum para a aprovação de propostas; e proteger interesses de determinados grupos de credores.
Sobre o tema, cumpre trazer ensinamento de Maurício Barros Regado [1]:
“(…) A atuação do “Proxy Hunter” é válida e legítima, além de ser muito importante para um desfecho positivo do processo de Recuperação Judicial, por contribuir no entendimento dos credores com relação ao plano de recuperação judicial, bem como na facilitação e realização da vontade desses credores em se compor para aderir ao referido plano, o que tem levado à aprovação do plano de recuperação judicial das maiores empresas que ingressaram com esse tipo de processo.”
Além disso, a abordagem desse profissional pode envolver até a compra de créditos para obter maior poder de voto, pois, dependendo do volume de créditos que representa, pode influenciar o processo decisório do conclave e, consequentemente, alterar o desfecho da assembleia.
Todavia, ressalta-se que a intenção não é impor a aceitação do plano, mas informar, sendo que votos deverão ser rigorosamente proferidos nos interesses dos representados.
Da legalidade da contratação
Este profissional, com poder postulatório e de representação de determinados credores na AGC, é contratado ou indicado pela recuperanda para oferecer a esses a possibilidade de aderir ao plano em atitude negocial, tendo eles a faculdade de outorgarem procurações para votarem no conclave.

No que se refere à contratação, o juiz João De Oliveira Rodrigues Filho aduziu, nos autos da RJ do Grupo Rossi [2], que não se verifica ilegalidade nessa atuação, na medida em que não há qualquer vedação na Lei 11.101/2005, desde que sejam respeitadas a autonomia da vontade e a liberdade na outorga da procuração.
Por analogia, a contratação de procurador custeado pela recuperanda para representar os credores na AGC, respeitando a sua autonomia da vontade, consiste em prática semelhante ao instituto do termo de adesão, previsto no artigo 39, §4º da LRF [3], o qual ite a representação dos credores em assembleia-geral por procurador.
Isso porque, ambos os institutos têm por objetivo conferir a ampla participação dos credores na deliberação, especialmente, em casos em que estes estão pulverizados em diversos estados do país e que não poderiam se fazer presentes em razão da distância.
Assim, a procura de credores com o oferecimento de representação em sede assemblear não reflete nenhuma espécie de ilicitude. Trata-se, na verdade, de prática amplamente utilizada, cuja legalidade já foi ratificada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo [4].
Nessa toada, a doutrina explica que:
“A contratação de um procurador é, em seu conceito, legítima e lícita. Em verdade, o voto por procuração não se distancia muito da disciplina e consequência do termo de adesão previsto no art. 39, §4º, I, da LRF. Ocorre que existem exigências e restrições a serem observadas pelas e que podem culminar com a desconsideração do voto do procurador. A resposta pera por verificar critérios como ampla publicidade, transparência na relação credor mandante e o procurador-mandatário e principalmente possibilitar ao credor a formação de vontade forma consciente e informada.” [5]
A título de exemplo, na recuperação judicial da Coesa Participações e Engenharia S.A. [6], o tema foi enfrentado quando da homologação do PRJ, ocasião na qual o juiz esclareceu que “a escolha de quem os representará cabe tão somente ao credor, não podendo o Judiciário interferir na escolha, sem que haja qualquer indício de que houve mácula à manifestação de vontade”.
O mesmo entendimento foi aplicado na recuperação judicial da Concreserv, que posteriormente foi ratificado pelo TJ-SP [7], por entender que não há irregularidade na representação de credores por procurador indicado pela recuperanda, vez que “trata-se de alguém que tem interesse em um resultado favorável na Assembleia pela ótica dos empregados e da própria empresa, uma vez que transita entre os dois polos”.
Na mesma linha, o TJ-SP [8] convalidou a possibilidade da instrumentalização desse instituto na recuperação judicial da Santaconstancia Tecelagem Ltda, vez que os credores possuem autonomia e liberdade para outorgar procuração ao profissional. Esses julgados apontam que é válida e legítima a contratação dessa figura no contexto da RJ, desde que observados os princípios da boa-fé, lealdade e autonomia dos credores.
Portanto, nota-se que não há conflito de interesse se o representado manifestou sua aquiescência na outorga de representação. Ao contrário, os interesses convergem para que a empresa se mantenha e que os credores recebam seus créditos. Afinal, o sucesso do procedimento recuperacional depende da validação e aprovação do plano pelos credores de todas as classes, interessados diretos, a fim de prestigiar o princípio da função social e preservação da empresa, esculpidos no artigo 47 da LREF.
Considerações finais
Muitos foram os processos de recuperação judicial conduzidos com maestria técnica, mas que não tiveram seus planos devidamente publicizados perante os credores, os quais não compareceram ou aprovaram em peso no conclave. Em razão disso, o proxy hunter pode ser a virada de jogo que uma empresa em RJ precisa, vez que desempenham um papel de “facilitador” no procedimento recuperacional, ao organizar credores dispersos e viabilizar negociações.
Essa figura, traduzida literalmente como “caçador de procurações”, já é consolidada em mercados mais desenvolvidos e tem ganhado espaço no Brasil, sobretudo em processos de recuperação judicial de grande porte, com credores pulverizados. Sua relevância estende-se também a processos de menor magnitude, apresentando-se como uma alternativa estratégica para corporações com departamentos negociais e jurídicos limitados.
Esta tendência sinaliza um progresso substancial na dinâmica devedor-credor e, consequentemente, na aprovação do PRJ, pois muitas vezes as empresas em crise, mesmo que viáveis, esbarram em um obstáculo: a incerteza do apoio dos credores. É neste cenário que o “proxy hunter” surge como um elo vital, interligando os interesses dos devedores e Credores e, assim, pavimentando o caminho para um futuro mais promissor.
Tal desfecho é primordial para evitar a falência, bem como aumentar a eficiência da RJ, garantindo que credores sejam ouvidos e que negociações avancem. No entanto, a regulamentação específica desse instituto ainda é incipiente no Brasil, mas a evolução da jurisprudência e a observância das normas de boa-fé e lealdade nas negociações podem mitigar riscos. O desafio está em equilibrar os benefícios desse agente com a necessidade de preservar a integridade do processo recuperacional.
[1] https://lbca.com.br/a-importancia-do-proxy-hunter-no-processo-de-recuperacao-judicial/
[2] Autos n° 1101129-56.2022.8.26.0100
[3] “§ 4º O credor poderá ser representado na assembleia-geral por mandatário ou representante legal, desde que entregue ao judicial, até 24 (vinte e quatro) horas antes da data prevista no aviso de convocação, documento hábil que comprove seus poderes ou a indicação das folhas dos autos do processo em que se encontre o documento”
[4] TJSP; Agravo de Instrumento 2263884-53.2021.8.26.0000; Relator (a): J. B. Franco de Godoi; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de DireitoEmpresarial; Foro Central Cível – 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais; Data do Julgamento: 26/05/2022; Data de Registro: 26/05/2022
[5] FRANÇA, Guilherme. Captação de Credores e voto em AGC por procurador contratado pela devedora ou credores (proxy). In: Lei de Recuperação e Falência: pontos relevantes e controversos de Reforma pela Lei 14.112/2020: coordenado por Paulo Furtado de Oliveira Filho. Indaiatuba, SP: Editora Foco. P. 48
[6] Processo nº 1111746-12.2021.8.26.0100
[7] TJSP, AI nº 2058582-27.2021.8.26.0000, Rel. Des. Sérgio Shimura, 2ª Câmara de Direito Privado, j. em 19.11.2021
[8] TJSP; Agravo de Instrumento 2263884-53.2021.8.26.0000; Relator (a): J. B. Franco de Godoi; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de DireitoEmpresarial; Foro Central Cível – 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais; Data do Julgamento: 26/05/2022; Data de Registro: 26/05/2022
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