Show jurídico

Processo nos EUA não apresenta qualquer denúncia contra Alexandre de Moraes

Autor

20 de fevereiro de 2025, 21h21

A ação movida pela Trump Media e pela Rumble nos Estados Unidos “acusa” o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes de algumas coisas — mas apenas no sentido popular da palavra “acusar”. A petição inicial não apresenta qualquer denúncia executável contra o ministro, nem pede ao juiz que profira qualquer sentença condenatória contra ele — e nem poderia.

Alexandre de Moraes, ministro do STF

O ministro Alexandre de Moraes não sofreu qualquer acusação nos EUA

A petição inicial “acusa” o ministro de violar a Primeira Emenda da Constituição dos EUA no que se refere à liberdade de expressão (tal como o Congresso e os tribunais dos EUA, incluindo a Suprema Corte, fizeram com o TikTok); de fazer uma “censura extraterritorial”; e de extrapolar sua autoridade legal e a lei internacional ao pedir à Rumble para encerrar a conta de um blogueiro de direita (brasileiro) identificado na ação como “Dissidente Político A”.

O principal pedido dos autores da ação é apenas a emissão de uma ordem judicial declarando que a “ordem de silenciar” (gag order) um usuário, expedida por Alexandre de Moraes, não seja executável (ou seja nula) nos Estados Unidos. Uma gag order também é chamada de “ordem da mordaça”. A petição diz:

“Permitir que o ministro Moraes amordace um usuário vocal em um canal digital americano colocaria em risco o compromisso fundamental de nosso país com o debate aberto e robusto. Nem ditames extraterritoriais, nem o excesso judicial do exterior, podem anular as liberdades protegidas pela Constituição e pela lei dos EUA”.

Os peticionários pedem que o juiz declare que tais ordens de silenciar não são executáveis nos Estados Unidos, porque são inconsistentes com a Primeira Emenda, a Lei de Decência nas Comunicações, uma lei da Flórida sobre o tema e políticas públicas dos EUA e da Flórida (a ação foi movida em um tribunal federal no estado, onde está a sede da Rumble).

Finalmente, os peticionários, que apontam interferências externas nos afazeres americanos, sugerem ao juiz uma interferência nos afazeres brasileiros, com o pedido para:

“Proibir o ministro Moraes de obrigar terceiros — tais como a Apple, o Google e outras pessoas ou entidades agindo sob sua orientação — a remover ou deslistar ou ameaçar remover ou deslistar o aplicativo ‘Rumble’ ou quaisquer outros aplicativos de suas respectivas lojas de aplicativos nos Estados Unidos, na medida em que tal ação seja tomada em conformidade com o propósito de fazer cumprir as Ordens de Silêncio”.

Possíveis motivações do processo

Ouvida pela CNN, uma professora de Legislação da Internet da Universidade de Stanford disse que a ação movida pela Trump Media, da qual o presidente Donald Trump é sócio majoritário, e pela Rumble tem, em seu entender, o propósito de dar um show — o primeiro caso do tipo que ela vê nos EUA:

“Os peticionários pedem duas coisas. Uma, que a corte confirme que a ordem (de Alexandre) não é, de maneira alguma, executável nos Estados Unidos. A outra é que uma corte americana ordene que um ministro da Suprema Corte brasileira não faça alguma coisa — isto é, pedir que as lojas de aplicativos removam a Rumble e a Truth Social. É algo que eu nunca vi antes”.

Para a professora de Stanford, embora o processo possa conter alguns pontos importantes e interessantes sobre os direitos da Primeira Emenda e a legislação global, seu propósito parece ser mais o de dar um espetáculo: “De maneira alguma uma ordem judicial de uma corte estrangeira seria executada nos Estados Unidos”.

“É um tanto performático fazer muito barulho sobre a liberdade de expressão ao abrir um caso em que o que você está pedindo não vai lhe fazer bem algum”, ela declarou.

Segundo a professora, uma corte não é o lugar apropriado para resolver uma questão como essa. “Não acho que ir a uma corte é a maneira de solucionar esse problema. Um governo normal iria buscar uma solução diplomática ou comercial, em vez de se dirigir ao Judiciário.”

O jornal The New York Times vê outro tipo de motivação: “A ação parece representar um esforço surpreendente do presidente Trump de pressionar um juiz estrangeiro, no momento em que ele avalia o destino de Jair Bolsonaro, seu aliado e líder de direita que, como ele, foi indiciado por tentar reverter uma derrota eleitoral”.

Para o jornal, não está claro como a ação pode afetar os procedimentos contra Bolsonaro no Brasil. “Os autores da ação civil não têm legitimidade para contestar as ações de um ministro no Brasil.”

É possível também questionar a legitimidade da Trump Media & Technology Group (TMTG). O interesse dessa empresa na ação decorre apenas do fato de que ela opera a plataforma de mídia social do presidente Trump, a Truth Social. Porém, essa plataforma não foi alvo, em qualquer momento, das ordens do ministro brasileiro. Assim, os peticionários apresentam outro ponto de vista:

“Se as ações do ministro Moraes fossem confinadas ao Brasil, elas seriam lamentáveis, mas provavelmente não seriam da alçada dos Tribunais dos EUA. Porém, muitas das ações do ministro, incluindo as ordens de mordaça ilegais contestadas aqui, alcançam diretamente os Estados Unidos para compelir ações de empresas dos EUA sem presença no Brasil, e que terão o efeito de suprimir a expressão não apenas no Brasil, mas nos Estados Unidos e em todo o mundo”.

Musk pode ter algum interesse no caso

A ação menciona as disputas entre Alexandre e o dono da plataforma de mídia social X, Elon Musk, o maior doador da campanha eleitoral de Trump, que, em troca, recebeu o cargo (sem confirmação do Senado) de chefe do Departamento de Eficiência Governamental (Doge) — um posto que lhe deu tanta autoridade que os opositores do governo o chamam de “copresidente” ou de “primeiro-ministro dos EUA”.

Segundo os peticionários, a promessa de Musk de adotar uma moderação mais aberta no X “trombou diretamente com as demandas do ministro Moraes de remover constas que ele rotulou de antidemocratas”. Eles dizem que Alexandre “impôs ordens sigilosas exigindo a remoção de contas, com prazos apertados de conformidade e milhares de dólares em multas diárias”.

“Musk acusou essas demandas de serem abuso de poder e violação da liberdade de expressão, prometendo que o X só removeria postagens que violassem claramente a lei dos EUA. Em resposta, o juiz Moraes ameaçou a representante jurídica brasileira do X com prisão e ordenou o bloqueio da plataforma em todo o país. Musk enfrentou uma investigação criminal por suposta obstrução da Justiça após se recusar a obedecer”, diz a petição.

Os peticionários não mencionam no documento os insultos que Musk dirigiu a Alexandre de Moraes, nem explicam os fundamentos nos quais o ministro se baseou para ordenar a remoção de “postagens antidemocráticas”.

A equipe de advogados dos peticionários é liderada por Martin De Luca, ex-procurador federal que agora trabalha para a banca Boies Schiller Flexner. De Luca é advogado do Trump Media Group e conselheiro de Jair Bolsonaro. De acordo com o New York Times, ele está ajudando o ex-presidente a divulgar suas queixas contra Alexandre internacionalmente.

Autores

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!