Perspectivas e desafios para o sucesso de concessões rodoviárias
22 de fevereiro de 2025, 15h19
Não é novidade que o investimento em infraestrutura representa um pilar essencial para o desenvolvimento socioeconômico de um país. Em termos práticos, estudos do Banco Mundial (2022) [1] estimam que para cada dólar investido em infraestrutura há a geração de US$ 1,50 em atividade econômica subsequente, por meio, por exemplo, da geração de empregos e renda, do aumento da capacidade competitiva do país (a partir do incremento da quantidade e diversidade de matriz energética, da ampliação e diversificação dos modais de transportes), da diminuição de custos associados à produção e escoamento de mercadorias, entre outros aspectos.

Nessa toada, com vistas a incrementar o sistema viário nacional, em conjunto com investimentos da iniciativa privada, o governo federal, por intermédio do Ministério dos Transportes e da Secretaria Nacional de Transportes Rodoviários, anunciou, no final do mês de janeiro, a ousada meta de realizar 15 leilões de concessões rodoviárias para o ano de 2025, dentre novas concessões e disputas por contratos recém-repactuados, e outros 29 para o ano de 2026, totalizando o montante de 44 leilões no biênio 2025-2026.
O anúncio em questão vem na esteira de um cenário de crescimento dos investimentos no setor de infraestrutura no país, que chegou a seu maior patamar da série desde 2010, com um aumento real estimado em 15,3% na comparação com 2023 e de 33,7% em relação a 2010 [2].
Diante desse cenário promissor, e em face dos leilões anunciados pelo governo federal para os próximos dois anos, devem ser considerados uma série de desafios inerentes ao sucesso da implantação de projetos de infraestrutura rodoviária, os quais buscaremos delimitar a partir (1) da descrição das características que compreendem esses ativos de infraestrutura e (2) dos papéis atribuídos às partes que integram os polos da relação contratual voltada à implantação e manutenção destes ativos.
De maneira geral, é possível constatar que os ativos de infraestrutura rodoviária demandam altos investimentos na fase de implementação (Capex) — como, por exemplo, a duplicação de trechos, ampliação de capacidade, contratação de seguros, construção de praças de pedágio — enquanto os gastos operacionais (Opex) — serviços de manutenção, recapeamento de vias, folha salarial, entre outros – tendem a ser, em linhas gerais, inferiores. Isso resulta na necessidade de extenso período de retorno, possibilitado pelo delongado prazo contratual, e na necessidade de estruturar soluções financeiras para que a receita gerada pelo projeto consiga cobrir o pagamento da dívida contraída para sua implementação.
Em complemento, ainda como retrato dos projetos rodoviários em comento, pode-se destacar sua demanda relativamente inelástica (geralmente alterados quando da incidência de eventos extraordinários, casos de força maior e caso fortuito), seu baixo risco tecnológico, sua longa vida útil, e a estabilidade e previsibilidade de seu fluxo de caixa, fatores que permitem caracterizar tais investimentos como um ativo de renda fixa a longo prazo, uma vez que alcançados os indicadores de performance do projeto implantado, sua receita futura se mostra relativamente previsível.
Em conta destes fatores, o cenário monetário e a taxa básica de juros devem ser sopesados na tomada de decisão dos investidores, que tendem a assumir um serviço de dívida robusto e riscos consideráveis para a implantação dos projetos.
Lei das debêntures de infraestrutura
Um importante o para o aumento da atratividade do capital privado para o financiamento de obras de infraestrutura no país foi a promulgação, no início de 2024, da lei que cria as debêntures de infraestrutura (Lei 14.801/2024), as quais, em suma, beneficiam as empresas emitentes, que buscam financiamento dos projetos, por meio da dedução de 30% dos juros pagos do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), o que, na prática, representa um benefício vultosos no fluxo de caixa a longo prazo.
Caberá, portanto, do lado do investidor privado, uma correta e racional estruturação financeira de seu capital, inclusive no que tange a estruturação da proposta apresentada ao poder público em licitação, para fazer frente aos compromissos assumidos a partir da outorga do ativo, especialmente para a fase de alavancagem do empreendimento, respeitando os objetivos e metas estabelecidos contratualmente, bem como para manejar e ar os riscos assumidos, dos quais são comumente destacados em concessões rodoviárias, o quantitativo de tráfego, a variação nos custos de insumos, taxas de câmbio, financiamento, entre outros.
Atrelado aos aspectos econômico-financeiros da implementação dos projetos e o papel desempenhado pelo investidor privado, devem ser considerados, por outro lado, os desafios decorrentes das atribuições da autoridade pública para o sucesso da concessão rodoviária.
Tratando-se o setor rodoviário de um monopólio natural (ativo cuja exploração não comporta mais de um operador, em regime de concorrência, por motivos técnicos e financeiros), a necessária intervenção regulatória compreende outra gama de fatores essenciais ao sucesso do empreendimento.
Estabilidade contratual como ‘valor jurídico essencial’
Por “sucesso do empreendimento”, entende-se a justaposição da relação público-privada, por meio da satisfatória prestação do serviço público pari u a uma adequada remuneração aos investidores pelos serviços prestados e pelos riscos incorridos.

Para que tal equilíbrio se mostre perene na relação contratual estabelecida entre poder público e agente privado, é essencial que o ente público apresente projetos sustentáveis, em termos econômico-financeiros e socioambientais, bem como que, por meio da regulação contratual, promova uma gestão equilibrada das diversas questões de natureza técnica, política, social e ambiental, que surgem ao longo da vida útil do projeto, minorando ou, ao menos, prevenindo os riscos inerentes à atividade regulada, promovendo, assim, uma maior estabilidade contratual.
Corolário do direito ao equilíbrio econômico-financeiro dos contratos (artigo 37, XXI da Constituição e artigo 103, § 5º da Lei 14.133/2021), a estabilidade contratual deve ser interpretada como “valor jurídico essencial” [3] (Perez, 2006) à prestação dos serviços concedidos, como elemento catalisador da persecução dos objetivos de cada uma das partes que integram a relação jurídica.
Identificação de riscos e a incompletude dos contratos
Nesse aspecto, em prol da estabilidade contratual, é necessário, ainda na fase interna da licitação, e, portanto, quando da elaboração de estudos técnicos e econômicos que a precedem, que a istração pública promova uma adequada identificação e descrição dos possíveis riscos associados ao contrato, acompanhada de sua divisão entre as partes, e dos mecanismos aptos a solucionar situações controvertidas.
Uma correta identificação dos riscos associados à prestação contratual deve prever uma matriz de riscos extensa e detalhada, em cotejo à pluralidade de eventos, de natureza econômico-financeira, técnica, jurídica, política e ambiental afetos à execução do objeto, superando assim, a outrora empregada divisão dualista expressa por riscos “ordinários” — atribuídos à concessionária, uma vez que inerentes à atividade empresarial — e “extraordinários” — atribuídos ao poder concedente, comportando os chamados riscos legais, econômicos e istrativos.
O emprego de uma teoria de riscos mais robusta (expressa por uma enunciação mais detalhada dos riscos associados à prestação contratual e suas respectivas atribuições) em detrimento da mera divisão dos riscos em “ordinários” e “extraordinários” em uma (ou algumas poucas) cláusula(s), garante maior segurança jurídica à concessão, na medida em que, quanto maiores as especificações e mais detalhados forem as áleas relacionados à atividade concedida, maior será a capacidade de precificação dos custos associados à execução do objeto, e menores serão os riscos decorrentes da contratação, promovendo, assim, uma maior estabilidade à concessão.
Outro ponto de evolução que milita em favor da estabilidade contratual é a compreensão acerca da premissa associada à incompletude dos contratos de concessão. Explica-se. Caracterizados como contratos de longa duração e objeto complexo, ite-se a impossibilidade de prever no âmbito contratual todas as circunstâncias do mundo material que podem vir a afetar a prestação contratual.
A caracterização dos contratos de concessão como contratos incompletos, portanto, respalda a possibilidade de repactuação de algumas condições originalmente ajustadas em contrato, viabilizando-o técnica e economicamente frente a novas situações, conquanto que a repactuação esteja previamente descrita em edital, e que seja aderente ao interesse público associado à contratação.
Compartilhamento de riscos
Respaldado por tal premissa, tem sido incluída na pauta do novo marco legal para lei de concessões e PPPs, projeto concebido como uma das prioridades na agenda econômica do governo federal para os últimos dois anos de mandato, a possibilidade de compartilhamento de riscos entre o setor público e privado em face de eventos extraordinários, não previstos inicialmente em contratos. Trata-se de medida que visa trazer maior segurança jurídica aos investimentos, propiciando um ambiente mais seguro à realização de investimentos e à perenidade dos contratos.
Por fim, cabe destacar a importância da consensualidade como um dos métodos assertivos de solução das disputas para o sucesso do empreendimento concedido.
Ressaltando novamente o caráter duradouro e complexo dos contratos de concessão rodoviários, a experiência mostra, invariavelmente, a presença de litígios ao longo da vigência contratual, os quais podem vir a representar significativos custos associados. Ato contínuo, diante da mencionada incompletude das previsões contratuais, mostra-se necessária uma constante adaptação da relação contratual, assumindo-se a possibilidade de haver sucessivas negociações e mudanças contratuais.
Para tanto, a disposição de cláusulas contratuais que assegurem um ambiente de cooperação, confiança mútua e boa-fé representam significativa distinção para a estabilidade da concessão.
Consensualismo
A Instrução Normativa TCU nº 91, de 22 de dezembro de 2022, que instituiu, no âmbito do Tribunal de Contas da União, procedimentos de solução consensual de controvérsias relevantes e prevenção de conflitos afetos a órgãos e entidades da istração Pública Federal representa um importante marco para a solução de controvérsias em contratos de concessões rodoviárias, especialmente para conferir estabilidade a contratos estressados, seja com defasagens econômico-financeiras, seja como performance insatisfatória.
Destaca-se também, como exemplo de mecanismos contratuais aptos a promover um ambiente de cooperação e estabilidade contratual, o quanto empregado nos contratos dos novos lotes de concessões rodoviárias do Artesp, especialmente aqueles leiloados a partir do 2º semestre de 2024 (por exemplo, o Lote Nova Raposo e o Lote Rota Sorocabana).
Nesse caso, faz-se referência ao estabelecimento de mecanismos de solução de divergências que, dispostos em anexo próprio, preveem a necessária realização de tratativas negociais, por meio de notificação de insatisfação, anteriormente ao estabelecimento de outros meios de solução de controvérsias, como a instauração de mediação, de comitê de solução e resolução de divergências, arbitragem e, por fim, a via judicial, para demandas específicas que não estejam incluídas em cláusula de jurisdição arbitral.
Sob essas considerações, caso efetivamente levados a cabo, o sucesso dos novos segmentos rodoviários a serem concedidos pelo governo federal am, invariavelmente, por uma correta estruturação econômico-financeira, por parte do parceiro privado, a fim de fazer frente aos compromissos assumidos para exploração do objeto concedido, levando em conta, para tanto, os cenários macroeconômicos fiscais e cambiais, a disponibilidade e o custo associado ao crédito e os riscos inerentes ao empreendimento.
O fomento da infraestrutura rodoviária no Brasil, a ainda, em relação ao poder pública, por uma modelagem sustentável do projeto, que preveja por uma correta e abrangente elaboração da matriz de riscos associados ao projeto, em conjunto com efetiva implementação de instrumentos jurídicos e contratuais que tragam maior previsibilidade, estabilidade e segurança jurídica aos contratos de concessões rodoviárias.
[1] Vagliasindi,Maria; Gorgulu,Nisan.What Have We Learned about the Effectiveness of Infrastructure Investment as a Fiscal Stimulus ? A Literature Review (English). COVID-19 (Coronavirus)|Policy Research working paper|no. WPS 9796 Washington, D.C.: World Bank Group. http://documents.worldbank.org/curated/en/178841633526651703.
[2] ABDIB. Livro Azul da Infraestrutura 2024. p. 33.
[3] PEREZ, Marcos Augusto. O Risco no Contrato de Concessão de Serviço Público. Belo Horizonte: Fórum, 2006, p. 138.
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