Opinião

ADPF 635 e o voto do ministro Edson Fachin

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23 de fevereiro de 2025, 11h24

A segurança pública é um tema central na gestão pública brasileira, tendo como face mais visível a atuação ostensiva das polícias militares, sob o comando político dos governadores. Além de gestores, os governadores são políticos eleitos e, portanto, dependem de votos. Logo, são pressionados pela opinião pública quando a sensação de insegurança cresce. Atualmente, a segurança lidera as preocupações do eleitorado, como demonstra a pesquisa Quaest de fevereiro de 2025. No entanto, o enfrentamento da criminalidade exige inteligência institucional, rigor técnico e análise de dados, além de superar obstáculos estruturais, como a má formação policial e a ineficácia do modelo de inquérito penal brasileiro.

Fernando Frazão/ Agência Brasil

Em resposta a essas demandas, muitas vezes prevalece o discurso populista, que reduz o problema à abordagem violenta e indiscriminada — o chamado modelo de “tiro, porrada e bomba”. Tal modelo, embora populista e midiático, não resolve a crise de segurança pública, evidenciando a inadequação dessa lógica belicista, que desconsidera os direitos da população.

A Arguiçao de Descumprimeno de Preceito Fundamental 635, conhecida como ADPF das Favelas, é uma reação ao paradigma simplista da repressão violenta. O ministro Edson Fachin, relator da arguição no Supremo Tribunal Federal, partiu de uma análise histórica e sociológica, destacando que o crime organizado no Rio de Janeiro é resultado de processos estruturais e não uma anomalia recente:

“O Rio de Janeiro não tem um, mas vários crimes organizados (com hierarquia, divisão de trabalho, planejamento empresarial e simbiose com o Estado).”

Estado de coisas inconstitucional

Fachin identificou a insegurança pública fluminense como um estado de coisas ainda inconstitucional, o que exige a implementação das diretrizes traçadas pelo STF, que incluem, dentre outras: observância dos regulamentos da ONU sobre o uso de armas; criação de um programa de assistência à saúde mental para os profissionais de segurança; exigência de mandado judicial para incursões em favelas, salvo flagrante devidamente justificado; realização de operações policiais com respeito aos limites constitucionais.

Um ponto crucial do voto foi a análise da expansão das milícias, que se institucionalizaram, infiltrando-se nas estruturas do Estado e explorando economicamente os territórios. O exemplo do sequestro de torres de celular por milicianos ilustra o poder desses grupos, que vão além do tráfico tradicional ao se beneficiarem de lacunas institucionais.

Spacca

Para os estudiosos da segurança pública, a conclusão é clara: práticas policiais abusivas, que violam direitos fundamentais e aterrorizam comunidades, fortalecem, em vez de enfraquecer, o crime organizado. Fachin desmentiu a alegação de que as cautelares da ADPF 635 teriam provocado a “migração” de criminosos para o Rio, apontando a inconsistência desse discurso frente à degradação histórica da segurança local.

Efeitos das medidas da ADPF

O ministro Fachin, amparado em dados empíricos, demonstrou os efeitos positivos das medidas cautelares impostas pela ADPF, como a redução de mais de 50% da letalidade policial, sem aumento da criminalidade; queda expressiva no número de policiais mortos; evidência de que letalidade policial não reduz a violência, mas a agrava em áreas conflagradas.

O voto destacou que a ADPF 635 não visa a obstruir ações policiais, mas assegurar que sejam realizadas dentro dos parâmetros constitucionais. Ele ressaltou o papel do Ministério Público, com apoio de perícia independente, como órgão responsável por investigar abusos:

“Sem isso, o Estado continuará a lavar as mãos frente à disputa entre grupos criminosos.”

A ADPF 635 representa um marco jurídico em defesa da segurança pública democrática e eficaz, onde o respeito aos direitos fundamentais é central. O voto não deslegitima a repressão ao crime, mas exige que ela seja proporcional, transparente e responsiva. Em suma: exige a profissionalização da segurança publica. Ao rejeitar o discurso reducionista de que a ADPF protege criminosos, Fachin reafirmou que a segurança efetiva nasce do respeito à Constituição e da transparência das ações do Estado.

Seu voto é um chamado à construção de uma política pública eficiente, informada por evidências e comprometida com a Constituição, o verdadeiro caminho para uma sociedade mais segura e justa.

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