CNJ prorroga por mais 90 dias apuração sobre Marcelo Bretas
24 de fevereiro de 2025, 21h59
O Conselho Nacional de Justiça prorrogou por mais 90 dias a apuração sobre a atuação do juiz Marcelo Bretas na “lava jato” do Rio. O novo período conta desde o último dia 2.

Bretas está afastado de suas funções desde o mês de fevereiro de 2023
O CNJ analisou três processos istrativos disciplinares contra Bretas de 14 a 21 deste mês. Antigo titular da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, ele — que está afastado do cargo desde fevereiro de 2023 — é julgado pelos abusos que praticou na filial fluminense da “lava jato”.
E não foram poucos. Os procedimentos estão nas mãos do conselheiro José Rotondano, após três trocas de relator. O juiz pode até ser punido com a aposentadoria compulsória.
Na “lava jato”, Bretas constantemente atuou para inviabilizar o exercício do direito de defesa pelos acusados. Os advogados dos réus não tinham o a acordos de colaboração premiada — os principais pilares das ações penais —, a atas de audiências e a documentos. O juiz afastado também usou diversos mecanismos ilegais para manter processos sob sua alçada.
Bretas ordenou 806 buscas e apreensões, 70 prisões temporárias e 264 prisões preventivas. O Ministério Público Federal denunciou 887 pessoas, e o juiz condenou 183 delas — os dados, do MPF, incluem os julgados pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região.
Três reclamações
O CNJ decidiu em fevereiro de 2023 pelo afastamento de Bretas. Na ocasião, também ficou determinada a abertura de um procedimento para apurar a conduta do juiz nos processos da “lava jato” fluminense.
O colegiado analisou três reclamações disciplinares. Todas estão em sigilo. Por isso, a sessão não foi transmitida. O relator das reclamações era o corregedor nacional de Justiça da época, ministro Luis Felipe Salomão.
Um dos pedidos foi feito pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, com base em reportagem da revista Veja segundo a qual Bretas negociou penas, orientou advogados e combinou estratégias com o Ministério Público. A publicação se baseou em delação do advogado Nythalmar Dias Ferreira Filho.
Segundo a OAB, Bretas violou deveres de imparcialidade e tratamento urbano com as partes, entre outros previstos no artigo 35 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, culminando, inclusive, em desrespeito às prerrogativas dos advogados.
O segundo processo foi ajuizado pelo prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, que apontou a condução de um acordo de colaboração premiada baseado apenas em informações readas por terceiro, cujo intuito, segundo ele, era favorecer a candidatura de Wilson Witzel ao governo estadual em 2018.
O caso é o da delação premiada de Alexandre Pinto, ex-secretário municipal de Obras do Rio, que envolveu Paes em um esquema de propinas no plano de infraestrutura da Olimpíada de 2016. Ele chegou a itir que não estava presente no momento em que Paes teria acertado um pagamento à construtora Odebrecht.
A defesa do atual prefeito do Rio pediu o ao material da delação, mas Bretas alegou sigilo do caso e negou. Mesmo assim, alguns trechos do depoimento vazaram. Na época em que a delação veio à tona, Paes liderava as pesquisas de intenção de voto para o governo do Rio. Porém, ao fim, Witzel foi eleito.
A terceira reclamação disciplinar foi ajuizada pela própria Corregedoria Nacional de Justiça, a partir de correição extraordinária determinada pelo corregedor e coordenada pelo desembargador Carlos von Adamek.
Delação premiada
Em acordo de colaboração premiada firmado com a Procuradoria-Geral da República, Nythalmar Dias Ferreira Filho teria apresentado uma gravação na qual Bretas diz que vai “aliviar” acusações contra o empresário Fernando Cavendish, delator que também chegou a ser preso pela “lava jato”.
A Veja transcreveu a gravação, na qual Bretas afirma: “Você pode falar que conversei com ele, com o Leo, que fizemos uma videoconferência lá, e o procurador me garantiu que aqui mantém o interesse, aqui não vai embarreirar”. “E aí deixa comigo também que eu vou aliviar. Não vou botar 43 anos no cara. Cara tá assustado com os 43 anos”, diz ele, em outro trecho do diálogo.
Leo seria o procurador Leonardo Cardoso de Freitas, então coordenador da “lava jato” no Rio de Janeiro. Os “43 anos” se referem à decisão que condenou o almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, ex-presidente da Eletronuclear, o que gerou temor generalizado nos réus.
Além disso, Nythalmar afirma que Bretas atuou para que Wilson Witzel (PSC) fosse eleito governador do Rio em 2018. De acordo com o advogado, no segundo turno, Eduardo Paes, em busca de uma trégua, comprometeu-se a nomear uma irmã do juiz para uma secretaria se fosse eleito.
Depois de Witzel ganhar as eleições, ele, Paes e Bretas firmaram um acordo informal, narra Nythalmar. O ex-prefeito assegurou que abandonaria a política “em troca de não ser perseguido” (o que não aconteceu, pois foi novamente eleito prefeito do Rio em 2020).
Já Witzel nomeou Marcilene Cristina Bretas, irmã do juiz, para um cargo na Controladoria-Geral do Estado do Rio. À Veja, Bretas negou as acusações.
Atuação como coach
Marcelo Bretas é alvo de outras reclamações no CNJ. A seccional fluminense da OAB questiona a atuação do magistrado como coach, prática vedada por resoluções do CNJ e pelo Código de Ética da Magistratura.
Segundo a reclamação, o juiz está se valendo da exposição que recebeu durante a “lava jato” para fazer “autopromoção desmedida e superexposição”. Bretas usa as redes sociais para vender mentorias. Para tanto, se apresenta como “juiz federal”, “palestrante” e “professor”.
A OAB-RJ pediu que seja aberto processo istrativo disciplinar para apurar a atuação de Bretas; a suspensão dos perfis do juiz nas redes sociais; e nova decisão determinando o afastamento cautelar do magistrado.
Em seu perfil no Instagram, Bretas vende uma mentoria batizada de “Método o Quarto Poder”, em que promete “transformar” a carreira de profissionais de áreas diversas. Já na “Comunidade o Quarto Poder”, o juiz promete ensinar como “argumentar e se posicionar como uma autoridade”. Há também ofertas de serviços de newsletter.
Pelo mesmo motivo, o Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 2ª Região formou maioria na última quinta-feira (6/2) para abrir um processo istrativo disciplinar contra Marcelo Bretas. Além disso, por 10 votos a 9, o Órgão Especial determinou que o juiz afastado, em até 15 dias, retire do ar seus cursos de coaching. A Marcelo Bretas foram dadas 48 horas para excluir das redes sociais todas as postagens de divulgação do curso “Método o Quarto Poder”.
CNJ veda a prática
A Resolução 34/2007 do CNJ veda a prática de coaching. Conforme o entendimento do Conselho, a atuação não se equipara à hipótese de atividade docente e é proibida para magistrados.
“Aos magistrados da União e dos Estados é vedado o exercício, ainda que em disponibilidade, de outro cargo ou função, salvo o magistério. (…) As atividades de coaching, similares e congêneres, destinadas à assessoria individual ou coletiva de pessoas, inclusive na preparação de candidatos a concursos públicos, não são consideradas atividade docente, sendo vedada a sua prática por magistrados”, diz trecho da resolução.
No pedido ao CNJ, a OAB-RJ também cita no pedido a Resolução 305/2019, segundo a qual o uso de redes sociais por magistrados deve observar preceitos contidos na Lei Orgânica da Magistratura e no Código de Ética da Magistratura. O texto também veda “manifestações que busquem autopromoção ou superexposição”.
Além disso, a entidade diz que tanto a Lei Orgânica quanto o Código de Ética proíbem “comportamentos que impliquem a busca injustificada e desmesurada por reconhecimento social”.
“O robusto conjunto fático probatório acima delineado revela a reiteração sistemática de condutas vedadas pelo CNJ pelo juiz federal Marcelo Bretas, perpetradas no curso do seu período de afastamento cautelar do exercício funcional, consistente na oferta comercial de atividades típicas de coaching, valendo-se de sua condição de juiz federal para a obtenção de vantagens de natureza pessoal e econômica, associada à autopromoção desmedida e superexposição”, diz a reclamação.
Abuso no afastamento
Segundo a reclamação da OAB-RJ, o fato de Bretas estar afastado de suas funções não livra o juiz do dever de “estrita observância aos ditames constitucionais e legais” que norteiam a magistratura.
“Ao contrário, justamente em virtude da imposição desta excepcional medida, deve o juiz, durante a sua duração (do afastamento), ter redobrado cuidado no cumprimento dos seus deveres, até mesmo como forma de demonstrar, com o seu comportamento, sua plena disposição em retornar à prática da jurisdição com a honra e a dignidade que se esperam de integrantes do Poder Judiciário”, diz trecho da reclamação. O texto é assinado por Marcos Luiz Oliveira de Souza, procurador-geral da OAB-RJ, e Thiago Gomes Morani, subprocurador-geral da entidade.
A OAB fluminense também questiona a organização de palestras e a adesão, mediante pagamento, a uma comunidade fechada em que os participantes recebem a promessa de aprender “diretamente com um juiz federal”.
“(Isso) Demonstra, acima de qualquer dúvida razoável, a utilização ostensiva da função jurisdicional como elemento central da atratividade e valor agregado à proposta comercial. O caráter personalista dessa iniciativa é evidente, onde a figura do magistrado é explorada como diferencial competitivo”, diz a OAB-RJ.
Ainda conforme a reclamação, o juiz acumula a atuação como coach e o posto de juiz, ainda que afastado. “O magistrado reclamado continua a acumular as duas funções. E vem sendo muito bem remunerado.”
Ataque a Alexandre
O deputado federal Marcelo Calero (PSD-RJ) apresentou no começo de fevereiro outra reclamação disciplinar no CNJ contra Marcelo Bretas. O parlamentar pede que seja apurada uma violação dos deveres funcionais do magistrado, com base em uma publicação no X em novembro do último ano, na qual Bretas apresentou sua interpretação do conceito de crime tentado — divergente do entendimento do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, que, dias antes, havia determinado a investigação de suspeitos de tentativa de golpe de Estado.
Calero solicitou a instauração de um procedimento istrativo disciplinar com o objetivo de que o juiz seja aposentado compulsoriamente.
Em novembro de 2024, Alexandre determinou a prisão preventiva de quatro militares do Exército e um agente da Polícia Federal suspeitos de planejar um golpe durante as eleições de 2022. Eles são investigados por tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado democrático de Direito.
Dois dias depois, Bretas discorreu no X sobre o que constituiria um crime tentado. Ele disse que uma pessoa, quando não leva adiante a execução de um crime, só responde por atos já praticados. Também afirmou que “nenhum pensamento ou desejo humano pode ser considerado criminoso”, a não ser que seja colocado em prática.
Mais tarde, o magistrado alegou que sua postagem buscava apenas “esclarecer termos jurídicos que têm sido referidos em discussões públicas, sempre em linguagem acadêmica”.
Segundo Calero, a publicação do juiz se referiria à decisão de Alexandre e à investigação sobre tentativa de golpe de Estado após o resultado das últimas eleições presidenciais.
“A postagem é uma discordância deliberada ao posicionamento firmado no âmbito do processo judicial em curso, pela mais alta corte do país, em um tema altamente sensível para os destinos do país”, diz o parlamentar.
Calero lembra que a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) proíbe os juízes de opinarem sobre processos pendentes de julgamento, tanto seus quanto de outros magistrados, ou de manifestarem “juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças”.
O deputado também cita uma decisão de 2023 na qual o CNJ entendeu que o simples indício de conteúdo político na publicação de um magistrado já configura infração disciplinar (Processo 0000022-23.2022.2.00.0613).
Atentado à democracia
A Associação Nacional da Advocacia Criminal (Anacrim) também foi ao CNJ contra Marcelo Bretas, acusando-o de atacar o STF, de minar a confiança da população no sistema de Justiça, de insuflar seus seguidores contra o Estado de democrático de Direito e de exercer atividade político-partidária, o que é vedado a magistrados pela Constituição.
“O perfil do reclamado (Marcelo Bretas) na rede social ‘X’ virou um verdadeiro chamariz para manifestações depreciativas ao Supremo Tribunal Federal e ao próprio sistema de Justiça no Brasil, em sintonia com bandeiras caríssimas ao bolsonarismo, ao Partido Liberal (PL) e a todos os seus parlamentares e quadros políticos”, sustenta a entidade.
Conforme a Anacrim, qualquer publicação de Bretas, por mais genérica que possa parecer, é facilmente captada por seus seguidores, que am a desferir ataques em massa ao sistema judicial. “Trata-se de expediente conhecido como dog whistle e que vem sendo amplamente usado na arena política para mobilizar pessoas em torno de causas ilícitas”, diz a associação.
Processo istrativo Disciplinar 0001820-78.2023.2.00.0000
Processo istrativo Disciplinar 0001817-26.2023.2.00.0000
Processo istrativo Disciplinar 0001819-93.2023.2.00.0000
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