Opinião

Reexame necessário de IRDR e IAC? TST nacionalizará efeitos dos precedentes vinculantes

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  • é diretor da Coordenadoria de Precedentes e Jurisprudência do TRT da 18ª Região membro do Comitê Gestor do Banco Nacional de Precedentes do CNJ e do Grupo Gestor Nacional das Tabelas Processuais Unificadas da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho.

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  • é doutorando em Direito pela Universidade de Lisboa mestre em Direito pela UFRGS analista do MPU e assessor da Presidência do TRT-4.

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24 de fevereiro de 2025, 19h37

Você sabia que as decisões proferidas pelos tribunais de segunda instância em precedentes qualificados podem ganhar força vinculante em todo o país? Pois é exatamente isso o que ocorre quando um precedente qualificado de um tribunal é revisado, pela via recursal, pela cortes superiores (artigo 987, § 2º, do C). Neste artigo, abordaremos como o TST se apercebeu do potencial dessa sistemática e a amplificou no âmbito da Justiça do Trabalho.

TST

Do julgamento do incidente de precedente qualificado (Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas — IRDR — e Incidente de Assunção de Competência — IAC) pelo Tribunal Regional, cabe recurso para o Tribunal Superior (artigo 987, caput, do C). Quando a controvérsia objeto desse acórdão não se restringe ao ambiente de jurisdição local do Tribunal Regional, a revisão da tese, ocorrida por ocasião de julgamento desse recurso, amplia sua eficácia uniformizadora, ultraando os limites geográficos do tribunal que originalmente fixou a tese e alcançando todo o país. No âmbito da Justiça do Trabalho, essa lógica se aplica ao recurso de revista interposto em face do julgamento de mérito proferido pelo Tribunal Regional do Trabalho em IRDR e IAC. [1]

Ok, mas o que acontece com o precedente qualificado do tribunal de segunda instância se os legitimados não interpem recurso ou se o recurso não for conhecido por algum defeito de formação? A resposta imediata é simples: para além da possibilidade de o entendimento regional a ser vinculativamente aplicado contrariar o entendimento do tribunal superior, perde-se a oportunidade de ampliar sua eficácia para todo o território nacional.

Para ilustrar a importância e complexidade da questão, certa feita, uma colega assessora no tribunal regional, ante a iminente concretização de uma tese firmada em sentido contrário à jurisprudência do TST, questionou: “E se não houver recurso, como o tribunal regional conviverá com uma tese obrigatória contrária ao posicionamento do TST? Seremos uma ‘fábrica de recursos de revista?'”. [2] Ou seja, a tese regional de aplicação obrigatória no âmbito do tribunal regional, por contrária à posição do TST, geraria uma imensidão de acórdãos regionais fadados à reforma pela via do recurso de revista.

Instrumentos processuais de instâncias superiores

É claro que nada impede que a matéria seja afetada pelos tribunais superiores por meio dos instrumentos processuais próprios para firmarem precedentes obrigatórios, como a repercussão geral do Supremo Tribunal Federal, o recurso especial repetitivo do Superior Tribunal de Justiça e o recurso de revista repetitivo do Tribunal Superior do Trabalho.

Contudo, tratam-se de vias independentes de formação de precedentes nacionais, sendo que o precedente formado pela via da revisão de tese firmado por Tribunal Regional pode ser mais célere, por ter um procedimento mais simples, além possuir um ponto de partida já amadurecido da controvérsia, pois de estar amparado em profunda cognição já realizada pela instância ordinária.

Spacca

A eficiência da nacionalização das teses firmadas pelos tribunais regionais é tão presente que, já em 2021, por ocasião do 3º Encontro Nacional sobre Precedentes Qualificados, promovido pelo STF e STJ, a professora Teresa Arruda Alvim lamentou a perda da oportunidade pelo legislador por não ter sido criada uma espécie de remessa necessária da tese firmada pelo tribunal regional, visando justamente a uniformizar o entendimento da lei e da Constituição em todo o território nacional. [3]

Os operadores do sistema de precedentes em segunda instância concordam! Após o árduo trabalho de identificar uma questão repetitiva ível de ser transformada em um precedente qualificado, gerir os processos em trâmite no tribunal, identificar e manter uma causa-piloto, promover o debate e superar as resistências à uniformização do entendimento para, então, firmar um precedente qualificado de eficácia vinculante horizontal e vertical, a nacionalização dos efeitos dessa tese viria a potencializar e estimular esse trabalho. Se cada tribunal regional percorrer esse iter três vezes ao ano, sendo 24 Regionais, o TST teria, diante de si, a oportunidade de firmar 72 precedentes qualificados anuais! Com efeito, a remessa necessária, sugerida por Teresa Arruda Alvim, viria ao encontro desse potencial. Mas seria necessário normatizar essa possibilidade.

Pois o TST o fez!

Enquanto a repercussão geral do recurso extraordinário e o recurso especial repetitivo tenham sido criados, respectivamente, em 2006 (Lei nº 11.418) e 2008 (Lei nº 11.672), inserindo o STF e o STJ na sistemática de precedentes qualificados há quase 20 anos, foi somente em 2014 (Lei nº 13.015) que a lei inseriu o TST nesse sistema. Embora com um início acanhado e já tardiamente, é de se reconhecer que o TST começa a fomentar e consolidar o sistema de precedentes qualificados no âmbito da Justiça do Trabalho por meio de várias iniciativas. [4]

Recursos nos TRTs

Uma dessas iniciativas é a edição da Instrução Normativa Transitória nº 41-A, em 25 de novembro de 2024, na qual o TST dispõe sobre os recursos de revista em IRDR e IAC firmados nos Tribunais Regionais do Trabalho. Conforme já afirmado, o julgamento do recurso de revista interposto em face dos acórdãos que julgam IRDRs e IACs, substitui a tese fixada pelo Regional e expande seus efeitos nacionalmente.

Mas, e se não for interposto recurso de revista? [5]

O artigo 1º, § 4º, IN nº 41-A, estabelece uma solução para esses casos, muito semelhante ao reexame necessário:

Caso não haja interposição de recurso de revista em face do acórdão mencionado no § 1º, será considerado, para efeito dos procedimentos disciplinados nesta Instrução Normativa, o primeiro recurso de revista processado e remetido ao Tribunal Superior do Trabalho, após identificado pela Presidência do Tribunal, proveniente da aplicação da tese firmada, ainda que decorrente do processamento de agravo de instrumento.

Para complementar essa normativa, o TST encareceu ao espírito colaborativo dos Regionais a sinalização da interposição de recurso de revista contra acórdãos que julgam IRDRs e IACs (artigo 1º, § 5º, da IN nº 41-A), solicitando que fosse oficiada à Presidência do Tribunal Superior a informação acerca desse processo a aportar na instância extraordinária, mesmo que o recurso tenha sido initido na origem, mas interposto agravo de instrumento. Essas medidas vêm realçar a importância que o TST está dando ao recurso em precedente qualificado regional, tudo visando a garantir que esse recurso, tão importante, não “se perca” no universo dos mais de 600 mil processos aguardando julgamento no âmbito daquele Tribunal Superior.

Com efeito, o TST está se mostrando tão interessado em potencializar os efeitos do precedente Regional que, ainda que ninguém — nem as partes, nem os amici curiae, nem o MP, nem a Defensoria Pública, nem os sindicatos — interponha recurso de revista, o primeiro recurso de revista interposto contra a aplicação da tese firmada no precedente regional — e ainda que decorrente do processamento de agravo de instrumento!! — poderá ser conhecido pelo TST com efeitos nacionalizantes.

Ainda que o conhecimento de um recurso de revista seja raro, dada a complexidade dos requisitos técnicos a serem preenchidos para tanto, o TST almeja tanto conhecê-lo, nesses casos, que ite o processamento nacionalizante até mesmo por meio do provimento de AIRR.

Recurso de revista

De outro lado, mesmo que o recurso de revista (ou o AIRR) não possa ser conhecido por absoluta impossibilidade técnica, restará, ainda, ao TST, ao tomar conhecimento da existência de tese firmada em âmbito regional por meio do ofício encaminhado à sua Presidência, proceder à afetação de outro recurso representativo da controvérsia, o que, tratando-se de recurso repetitivo, não deverá encontrar dificuldade na identificação de processo issível com idêntica matéria.

A Instrução Normativa Transitória nº 41-A do TST representa um “fechamento de cerco” das matérias firmadas em precedentes qualificados dos TRTs, para o fim de revisá-las sempre e, amplificando seus efeitos para além das fronteiras regionais, formar precedentes qualificados aplicáveis em âmbito nacional. Mesmo que ninguém recorra do acórdão que fixa a tese do IRDR ou do IAC, o primeiro recurso interposto em face de qualquer acórdão que discuta essa tese poderá ensejar a revisão e a nacionalização do precedente regional. Trata-se de verdadeiro reexame necessário!

É importante destacar que a nova regulamentação revela a seriedade do julgamento desse recurso de revista. Até então, os recursos de revista interpostos em face de IRDRs ou IACs poderiam ser julgados pelas Turmas (ou até monocraticamente! [6]), como um recurso de revista qualquer. Não obstante a aplicação vinculativa no âmbito regional e o potencial de nacionalização, o recurso poderia ser não itido até mesmo por falta de transcendência. Doravante, nos termos do artigo 2º da IN 41-A, o julgamento desse recurso competirá ao Tribunal Pleno do TST e transcendência, conforme artigo 1º, § 2º, será presumida.

A engenhosidade da estratégia lançada pelo TST para aproveitamento das teses firmadas em precedentes qualificados Regionais, valorizando-os e potencializando seus efeitos para o âmbito nacional, é auspiciosa para o fomento e consolidação do sistema de precedentes qualificados na Justiça do Trabalho.

Estreitamento de relações com TST

Agora, cabe aos Tribunais Regionais do Trabalho, para além da gestão e formação dos precedentes qualificados, monitorar a recorribilidade e estreitar as relações com o TST, para informar sobre as teses firmadas e sobre os recursos interpostos em face dos acórdãos de IRDR e IAC ou, na sua ausência, os primeiros recursos que enfrentarem as referidas teses. O lamento de Teresa Arruda Alvim tornou-se profecia.

Ah, para finalizar, sobre a pergunta da colega assessora no tribunal. Diante das iniciativas do TST, a resposta encontra bom lugar. Na recente sessão do dia 16 de dezembro de 2024, poucas semanas após a edição da Instrução Normativa Transitória nº 41-A, o Tribunal Pleno do TST, tomada ciência da existência da interposição de recurso de revista em IAC Regional, itiu a instauração do incidente de recurso repetitivo, afetando a questão que havia sido tratada no âmbito regional em sentido contrário ao seu entendimento consolidado, a fim de que seja fixada tese jurídica com eficácia de precedente obrigatório para toda a Justiça do Trabalho, superando, assim, a tese regional. [7]

 


[1] Art. 8º, § 2º, da Instrução Normativa n. 39/2016 do TST, e art. 1º, caput, da Instrução Normativa Transitória n. 41-A de 2024, do TST, a qual tem força regimental, nos termos do art. 363 do Regimento Interno do Tribunal Superior do Trabalho.

[2] Um dos pressupostos de issibilidade do recurso de revista é a violação de lei federal (art. 896, “a” da CLT), na interpretação que lhe conferiu o Tribunal Superior do Trabalho (cf. cancelamento da Súmula n. 221, item II, do TST, em 2012). A referência da colega à “fábrica de recursos de revista” se justifica na medida em que a fixação de tese contrária a iterativa, notória e atual jurisprudência do TST possibilita a subida de recursos de revista contra as decisões do próprio tribunal. Na ocasião, tratava-se do IAC n. 0010134-31.2021.5.18.0000, firmado em 2022 pelo Pleno do TRT da 18ª Região.

[3] Disponível em: https://www.youtube.com/live/AODJFojuqus?si=FgCa-s4a3XJ9JPXk, especificamente às 2h2min de transmissão, o em 01/02/2025.

[4] Para um panorama amplo dessas inovações, Cf., sobre todos,  PRITSCH, César. 2024: o ano em que o TST se tornou uma corte de precedentes, Revista ConJur, publicado em 30 de dezembro de 2024, disponível em: /2024-dez-30/2024-o-ano-em-que-o-tst-se-tornou-uma-corte-de-precedentes/, o em 30/12/2024.

[5] A gravidade dos efeitos de um precedente qualificado, com vinculação erga omnes, torna rara a hipótese em que o recurso não é interposto. A própria legislação fomenta o aprofundamento do debate da controvérsia em instância recursal, permitindo que o amicus curiae, que, em regra, não tem legitimidade recursal, interponha recurso contra o acórdão que julga IRDR (art. 138, §3º, C). No entanto, casos há em que, a despeito de todos os holofotes colocados sobre um incidente com tão graves efeitos, e não obstante a ampla legitimidade recursal, a tese firmada no Regional transite em julgado sem a interposição de recurso. Foi o caso da colega preocupada com a “fábrica de recursos de revista”.

[6] Como ocorreu, por sinal, no julgamento do IRDR 0021402-14.2017.5.04.0000 (tema 3), oriundo da 4ª Região. A Ministra Delaíde Miranda Arantes proveu monocraticamente o recurso e reverteu, sozinha – amparada na jurisprudência sumulada do TST, é bem verdade –, o entendimento de todo o Pleno do TRT4.

[7] Tratava-se do IncJulgRREmbRep-10134-31.2021.5.18.0000, no qual se discutiu a Competência da Justiça do Trabalho para apreciar e julgar os pedidos de levantamento do saldo do FGTS formulados em face da Caixa Econômica Federal – CEF. Como dito acima, a controvérsia acabou afetada pelo TST sob o rito dos recursos de revista repetitivos, Tema 32.

Autores

  • é diretor da Coordenadoria de Precedentes e Jurisprudência do TRT da 18ª Região, membro do Comitê Gestor do Banco Nacional de Precedentes do CNJ e do Grupo Gestor Nacional das Tabelas Processuais Unificadas da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho.

  • é assessor da Secretaria-Geral da Presidência do TRT-4, mestre em Direito pela UFRGS e doutorando em Direito pela Universidade de Lisboa.

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