Opinião

Quebra de sigilo bancário na execução civil e exigência de extratos na justiça gratuita

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26 de fevereiro de 2025, 19h38

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A proteção ao sigilo bancário é um direito fundamental previsto na Constituição, mas não absoluto. Em diversas situações, o próprio Poder Judiciário relativiza essa proteção, exigindo a apresentação de extratos bancários completos dos requerentes de justiça gratuita, a fim de comprovar a hipossuficiência. Paradoxalmente, esse mesmo Poder frequentemente nega a quebra de sigilo bancário de devedores em processos de execução, mesmo diante de indícios concretos de ocultação patrimonial.

Essa assimetria processual levanta um questionamento essencial: se a transparência é imposta como requisito para obter um benefício do Estado, por que não é exigida com a mesma intensidade de quem deve cumprir uma obrigação reconhecida judicialmente?

Este artigo busca analisar esse desequilíbrio sob a perspectiva do princípio da isonomia processual e da proporcionalidade, bem como apontar soluções para uma interpretação mais coerente e eficaz do sigilo bancário na execução civil.

Sigilo bancário e a sua relativização pelo Judiciário

A Constituição protege a intimidade e os dados bancários dos cidadãos em seus artigos 5º, X e XII. Entretanto, essa proteção não é absoluta e pode ser relativizada quando há interesse público ou necessidade de efetivar um direito.

No caso da justiça gratuita, o artigo 99, § 2º, do C estabelece que o magistrado pode exigir provas da hipossuficiência quando houver dúvida razoável sobre a capacidade financeira do requerente. Em decorrência disso, juízes frequentemente determinam que os solicitantes apresentem extratos bancários completos, abrangendo toda a movimentação financeira recente.

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No entanto, quando um credor, após esgotar todos os meios de localização de bens do devedor, requer a quebra de sigilo bancário, o mesmo Judiciário, por vezes, indeferindo o pedido, argumenta que isso violaria o direito à privacidade do executado. Essa incoerência cria um desequilíbrio processual injustificado.

Incoerência na aplicação do sigilo bancário

A própria jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconhece que o sigilo bancário não pode ser utilizado como ferramenta de blindagem patrimonial:

“A proteção ao sigilo bancário não é absoluta, podendo ser mitigada quando há indícios de fraude ou ocultação patrimonial, em consonância com os princípios da efetividade da jurisdição e da razoabilidade.” (STJ, AgInt no REsp 1.854.487-DF, Rel. Min. Raul Araújo, j. 23/11/2020).

Para que haja equilíbrio processual, a exigência de transparência financeira deve ser aplicada de maneira uniforme.

Se há necessidade de comprovar a hipossuficiência por meio de extratos, também deve haver necessidade de comprovar a ausência de bens para pagar uma dívida. O sigilo bancário não pode ser um obstáculo para a efetividade da execução, sob pena de permitir que devedores frustrassem o cumprimento de suas obrigações.

Proporcionalidade e efetividade da execução

A execução deve obedecer ao princípio da máxima efetividade. O artigo 139, IV, do C permite ao juiz determinar todas as medidas indutivas, coercitivas e sub-rogatórias necessárias ao cumprimento da ordem judicial.

A jurisprudência também reforça esse entendimento:

“A quebra do sigilo bancário deve ser deferida quando demonstrado que o executado pode estar ocultando patrimônio para frustrar a execução.” (STJ, REsp 1.198.233/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 24/04/2012).

Logo, a exigência de extratos bancários em pedidos de gratuidade e a negativa de quebra de sigilo de devedores representa um tratamento processual desproporcional.

Conclusão

A transparência financeira deve ser aplicada de maneira equilibrada, sob pena de gerar um paradoxo processual:

  • Por que aquele que declara não ter dinheiro é obrigado a apresentar extratos, mas aquele que deve dinheiro está protegido pelo sigilo bancário?
  • Se a Justiça exige transparência absoluta de um requerente de justiça gratuita, não deveria exigir o mesmo de quem esconde bens para evitar a execução?

Defender a relativização do sigilo bancário em execuções não significa banalizá-lo, mas sim garantir um tratamento processual isonômico e proporcional, evitando que devedores se valham da privacidade financeira para frustrar o cumprimento de suas obrigações.

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