Opinião

Honorários nos JECs: necessidade de interpretação equitativa do artigo 55 da Lei 9.099

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  • é mestre em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) graduado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) membro de grupos de pesquisa da USP-FDRP professor advogado e sócio do escritório Advocacia Flumignan.

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28 de fevereiro de 2025, 20h38

O artigo 55 da Lei nº 9.099, que trata das custas e honorários no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, divide-se em duas ideias principais. Em sua primeira parte, menciona que, no primeiro grau, o vencido somente será condenado em custas e honorários em caso de litigância de má-fé. Na segunda parte, que trata da hipótese de recurso, estabelece que, em segundo grau, somente o recorrente vencido pagará as custas e honorários de advogado:

“Artigo 55, Lei n. 9.099. A sentença de primeiro grau não condenará o vencido em custas e honorários de advogado, ressalvados os casos de litigância de má-fé. Em segundo grau, o recorrente, vencido, pagará as custas e honorários de advogado, que serão fixados entre dez por cento e vinte por cento do valor de condenação ou, não havendo condenação, do valor corrigido da causa.”

Nota-se que a intenção do legislador foi simplificar e agilizar o processo nos Juizados Especiais, incentivando a resolução de conflitos de menor complexidade sem onerar as partes com custos processuais elevados. A ideia precípua é permitir o amplo o à justiça. No entanto, a interpretação literal desse artigo tem sido objeto de críticas no meio jurídico.

A primeira parte do dispositivo legal nega a condenação do vencido em honorários advocatícios mesmo nos casos em que a intervenção de advogado é necessária, ou seja, em causas superiores a 20 salários mínimos (artigo 9º da Lei nº 9.099) [1].

Nesse sentido, se nas causas de valores superiores a 20 salários mínimos a intervenção de advogado é obrigatória, este deveria ser remunerado de forma adequada, tendo em vista que o advogado é indispensável à istração da justiça, nos termos do artigo 133 da Constituição Federal [2].

Deve-se ressaltar, também, que o Código de Processo Civil é claro ao determinar que os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, inclusive com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação trabalhista [3].

Isenção indiscriminada

Spacca

Outra crítica plausível a esta primeira parte do artigo 55 da Lei nº 9.099 é que, apesar de sua finalidade ser garantir o o à justiça, por vezes acolhe “em sua proteção indiscriminadamente o fornecedor de produtos e serviços, qualificado pela Lei 8078/90 (Código de Proteção e Defesa do Consumidor), uma vez que, seja ele hipossuficiente ou hipersuficiente financeiramente, fica de igual modo dispensado do pagamento das custas e honorários advocatícios mesmo que tenha sido vencido e tenha dado causa à demanda” [4].

 

Com base nessa justificativa, o Projeto de Lei nº 7.140/2017, da Câmara dos Deputados, busca alterar esse dispositivo legal quanto à isenção de despesas processuais em sentença de primeiro grau no âmbito dos Juizados Especiais. O objetivo é evitar uma isenção indiscriminada em favor do fornecedor. Com a nova redação proposta, caso o fornecedor de produtos e serviços, nos termos da Lei nº 8.078 (Código de Defesa do Consumidor), tenha dado causa à demanda, ele deverá ser condenado em custas e honorários advocatícios.

Já quanto à segunda parte do artigo 55 da Lei n. 9.099, que versa sobre as custas e honorários advocatícios em segundo grau no âmbito dos Juizados Especiais, tem-se que, pela sua literalidade, somente haverá a condenação em tais despesas se o recorrente for vencido. Entretanto, se o recorrente for vencedor, não haverá condenação em custas e honorários advocatícios:

“Artigo 55, Lei n. 9.099. (…) Em segundo grau, o recorrente, vencido, pagará as custas e honorários de advogado, que serão fixados entre dez por cento e vinte por cento do valor de condenação ou, não havendo condenação, do valor corrigido da causa.”

Interpretação restritiva

Nota-se que a intenção do legislador, nesse caso é evitar recursos desnecessários, prezando, assim, pela celeridade, princípio norteador dos processos no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, conforme o artigo 2º da Lei nº 9.099 [5].

Ocorre que tal disposição, ao objetivar a celeridade, incorre em violação ao princípio da isonomia, criando uma diferenciação ilegítima entre as partes e, por conseguinte, violando o devido processo legal.

Ademais, se o recorrente teve que ingressar com um recurso — o que só é possível por meio de advogado — e obteve êxito, torna-se ainda mais necessário que o advogado seja remunerado de forma adequada.

A jurisprudência tem adotado uma interpretação restritiva da segunda parte do artigo 55 da Lei nº 9.099, determinando que somente haverá condenação em honorários no segundo grau no âmbito dos Juizados Especiais se o recorrente for integralmente vencido. Se o recorrente for vencedor, o recorrido vencido não será condenado ao pagamento de honorários:

“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. INOCORRÊNCIA DE CONTRADIÇÃO E ERRO. AUSÊNCIA DE FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS AO RECORRENTE VENCEDOR. INTENÇÃO DE REDISCUSSÃO DAS QUESTÕES POSTAS. SÚMULA 356 STF. PREQUESTIONAMENTO. 1.Trata-se de recurso interposto pela parte embargante, alegando contradição e erro no acórdão quanto a fixação dos honorários advocatícios. 2. A parte autora pretende que a parte ré seja condenada em honorários advocatícios, visto que seu pedido foi acolhido integralmente (com majoração/elevação do mesmo). 3. O recorrente vencedor (no caso o autor) não é condenado ao pagamento das custas e dos honorários advocatícios, em sede dos Juizados Especiais, visto que somente o recorrente integralmente vencido faz jus a tal condenação, nos termos do Enunciado nº 15 do II Encontro dos Juizados Especiais Federais e Turmas Recursais da 3ª Região (“Somente são cabíveis honorários advocatícios no âmbito das Turmas Recursais nos casos em que o recorrente for integralmente vencido na pretensão recursal, nos termos do artigo 55 da Lei n. 9.099/95, por ser lei especial”). E ainda, como a parte ré não interpôs recurso, não há como condená-la a honorários e custos no âmbito dos Juizados Especiais. 4. Embargos rejeitados.” (TRF-3, Processo 5000081-24.2023.4.03.6308, Rel. Juíza Federal Fernanda Souza Hutzler, Órgão Julgador: 14ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo).

Esse entendimento literal do dispositivo legal é tão enraizado na jurisprudência que foi editado o Enunciado nº 15 do II Encontro dos Juizados Especiais Federais e Turmas Recursais da 3ª Região no mesmo sentido:

“Enunciado n. 15: Somente são cabíveis honorários advocatícios no âmbito das Turmas Recursais nos casos em que o recorrente for integralmente vencido na pretensão recursal, nos termos do artigo 55 da Lei n. 9.099/95, por ser lei especial.”

A doutrina, entre eles Alexandre Freitas Câmara [6], tem se posicionado no sentido de que se deve superar a interpretação restritiva adotada sistematicamente pela jurisprudência, sob pena de não se dar o alcance correto à norma.

Para o autor, ao interpor recurso, a parte arca com o preparo e, portanto, assume o custo econômico do processo. Assim, caso obtenha êxito, não haveria razão para impor-lhe esse custo. Dessa forma, a parte vencida em primeiro grau que venha a recorrer com o consequente provimento do seu recurso, teve de efetuar o preparo e, por isso, não haveria razão para lhe impor o custo econômico do processo. Por esta razão, o artigo 55 da Lei nº 9.099 deveria ser interpretado extensivamente, garantindo que a parte vencida em segunda instância — seja recorrente ou recorrido — arque com as despesas processuais e honorários advocatícios, promovendo a igualdade entre as partes e assegurando o devido processo legal:

“Sintetizando, pois, tendo havido interposição de recurso, a parte que sair vencida em segundo grau de jurisdição será condenada a pagar as despesas que a outra parte eventualmente tenha adiantado, e os honorários de seu advogado, na forma do disposto no art. 55 da Lei nº 9.099/95, o qual deve ser interpretado – como acaba de ser demonstrado – extensivamente” [7].

O ministro Luiz Fux [8], nesse sentido, menciona que o parágrafo único do artigo 54 da Lei nº 9.099 [9] determina que o recorrente deposite as despesas exoneradas em primeiro grau como requisito de issibilidade do recurso, e questiona quem irá reembolsá-lo no caso de eventual provimento do recurso. Assim, o termo “recorrente vencido” deveria ser interpretado como a parte que, no recurso, restou vencida — o que pode ser tanto o recorrente quanto o recorrido.

Considerações finais

Portanto, a interpretação literal do artigo 55 da Lei nº 9.099 tem gerado debates relevantes no meio jurídico, especialmente no que se refere à ausência de condenação em honorários advocatícios no primeiro grau e à restrição da condenação apenas ao recorrente vencido em segundo grau. Embora a intenção do legislador tenha sido incentivar o amplo o à justiça e evitar custos excessivos nos Juizados Especiais, tal interpretação pode resultar em distorções que comprometem a isonomia entre as partes e o devido processo legal.

As críticas doutrinárias e os debates legislativos evidenciam a necessidade de uma interpretação mais equitativa do dispositivo, garantindo, ao menos no segundo grau, que a parte vencida na demanda, independentemente de ser recorrente ou recorrida, arque com os honorários advocatícios e demais despesas processuais. Uma parcela significativa da doutrina e propostas como o Projeto de Lei n. 7.140/2017 indicam uma tendência de revisão do dispositivo legal, buscando um equilíbrio entre a celeridade dos juizados, a isonomia e a adequada remuneração dos advogados, essenciais à istração da justiça.

 


[1] Artigo 9º, Lei n. 9.099. Nas causas de valor até vinte salários mínimos, as partes comparecerão pessoalmente, podendo ser assistidas por advogado; nas de valor superior, a assistência é obrigatória.

[2] Artigo 133, Constituição Federal. O advogado é indispensável à istração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.

[3] Artigo 85, C, § 14. Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial.

[4] Projeto de Lei 7.140/2017. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1533948&filename=PL%207140/2017>. o em: 21/02/2025.

[5] Artigo 2º, Lei n. 9.099. O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação.

[6] CÂMARA, Alexandre Freitas. Juizados Especiais Cíveis, Estaduais e Federais – Uma abordagem Crítica. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Lumens Juris, 2007, pp. 200-201.

[7] CÂMARA, Alexandre Freitas. Juizados Especiais Cíveis, Estaduais e Federais – Uma abordagem Crítica. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Lumens Juris, 2007, pp. 200-201.

[8] FUX, Luiz. Manual dos Juizados especiais cíveis: doutrina, prática, jurisprudência. Rio de Janeiro: Destaque, 1998. p. 16.

[9] Artigo 54, Lei n. 9.099. O o ao Juizado Especial independerá, em primeiro grau de jurisdição, do pagamento de custas, taxas ou despesas.

Parágrafo único. O preparo do recurso, na forma do § 1º do art. 42 desta Lei, compreenderá todas as despesas processuais, inclusive aquelas dispensadas em primeiro grau de jurisdição, ressalvada a hipótese de assistência judiciária gratuita.

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