Direito do Agronegócio

Funrural e sub-rogação: a suspensão dos processos e o começo do fim

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  • é doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP ex-membro do Conselho istrativo de Recursos Fiscais (Carf) professor da FGV Direito SP e Ibet sócio tributarista Brasil Salomão e Matthes Advocacia.

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17 de janeiro de 2025, 8h00

1. Funrural e sub-rogação: assunto que não se encerra

Começamos o ano de 2025 com muitas novidades e polêmicas em matéria tributária que se aplicam ao agronegócio, no entanto, vou estrear a coluna com um tema conhecido e que não se encerra: o Funrural e a sub-rogação.

A sub-rogação do Funrural continua em plena evidência, na medida em que muitos adquirentes continuam a sofrer com autos de infração e execuções fiscais, fruto, especialmente, dos períodos que envolveram a controvérsia acerca da (in)constitucionalidade do Funrural como contribuição exigida do produtor rural pessoa física (artigo 25, da Lei nº 8.212/91).

Na época, após julgamento unânime, pelo Pleno do Supremo Tribunal, no famoso caso Mataboi (RE 363.852), em fevereiro de 2010, sem modulação (“ex tunc”), pela inconstitucionalidade do Funrural, houve um amplo posicionamento do Poder Judiciário em todo o Brasil, com decisões favoráveis aos produtores, associações, sindicatos, cooperativas, adquirentes, entre outros, neste mesmo sentido e, por conseguinte, também exonerando a necessidade de retenção e recolhimento, em razão da sub-rogação.

Com isso, ao menos, desde 2010 os contribuintes — e também os adquirentes com a  sub-rogação — tinham por percepção que se tratava de um tributo inconstitucional e, por conseguinte, indevido. Esta visão se altera, drasticamente, quando do julgamento pelo Supremo Tribunal, em março de 2017, do RE 718.874, por maioria (6×5), reconhecendo a constitucionalidade da exigência de tais contribuições, diante da alteração ocorrida por meio da Lei nº 10.256/2001. O assunto ainda foi objeto de embargos de declaração, especialmente, com o objetivo de modulação, encerrando-se somente em maio de 2018, com trânsito em julgado em setembro do mesmo ano.

2. A insegurança jurídica se instaura completamente

Diante deste julgamento, contrapondo ao precedente anterior do caso Mataboi, eis que se consuma uma enorme insegurança jurídica, pois, desde, ao menos 2010, o setor, por força da decisão anteriormente existente e de várias instâncias do Poder Judiciário, deixou de recolher e de reter o Funrural.

Esta nova decisão surpreende a todos e traz como consequência um significativo ivo para o produtor rural pessoa física, mas, especialmente, para os adquirentes, uma vez que, diante da sub-rogação, os valores não retidos à época, quanto ao Funrural, foram exigidos deles.

A insegurança jurídica, dentro deste contexto é incontestável, todavia, ela se mantém ainda mais viva e pulsante com a colaboração do Supremo Tribunal Federal.

3. ADI 4.395: a inconstitucionalidade da sub-rogação

O colendo Supremo Tribunal Federal, além da mudança reconhecendo a constitucionalidade, após vários anos, não havia ainda julgado a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.395, ajuizada em 2010 pela Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo).

Somente em maio de 2020, após diversas inclusões e retiradas de pauta, iniciou-se o julgamento, sendo suspenso com placar empatado (5×5), com pedido de vista do ministro Dias Toffoli [1].

Spacca

Da mesma forma, com diversas inclusões e retiradas de pauta, finalmente, em dezembro de 2022, tivemos o voto do ministro Dias Toffoli, o qual, acertadamente, julga parcialmente procedente a ação direta de inconstitucionalidade, na medida em que não haveria lei que pudesse sustentar o atual artigo 30, IV, da Lei nº 8.212/91, tornando indevida a exigência do Funrural em face dos adquirentes [2].

Como este julgamento se deu no plenário virtual, costumeiramente, caberia a consequente proclamação do resultado do julgamento, reconhecendo a procedência parcial da ação direta de inconstitucionalidade, uma vez que cinco ministros votaram pela total improcedência, outros 5 pela total procedência, ao o que, no desempate, ao se julgar parcialmente procedente, houve, em parte, êxito do contribuinte, notadamente, no tocante ao tema da sub-rogação.

Apesar do resultado, em parte, procedente da ADI, não se proclamou o resultado do julgamento, o que perdura até a presente data, ou seja, há mais de dois anos, do encerramento do julgamento.

Os adquirentes, submetidos à exigência de tais contribuições, diante da virada na jurisprudência quanto ao mérito — constitucionalidade do tributo —, apesar do julgamento em relação à sub-rogação, após 22 anos contados do ajuizamento da ADI, exonerando-os desta “responsabilidade”, continuam a sofrer graves consequências por meio de autos de infração lavrados e execuções fiscais em andamento, sem contar aqueles que estão sujeitos ao parcelamento do PRR – Lei nº 13.606/2018 .

Portanto, a insegurança jurídica perdura e, deveras, sem razão de ser, uma vez que o julgamento perante o Supremo Tribunal Federal já se encerrou, havendo uma tentativa de impedir a proclamação do resultado na ilegítima busca de se inverter o que se decidiu, numa clara “vitória no tapetão”.

4. A recente liminar suspendendo todos os processos

Diante de toda esta conjuntura fática e jurídica, eis que, em 06 de janeiro de 2025, o ministro Gilmar Ferreira Mendes acolhe pedido da Abrafrigo/Abiec no sentido de determinar a suspensão nacional de todos os processos judiciais que ainda não transitaram em julgado e que tratam da constitucionalidade da sub-rogação prevista no artigo 30, IV, da Lei nº 8.212/912, até a proclamação do resultado da presente ação direta de inconstitucionalidade.

Esta decisão monocrática, que será objeto de apreciação e referendo pelo Pleno, em julgamento virtual pautado entre os dias 14 a 21 de fevereiro, é o atestado incontestável e explícito do longo cenário de insegurança jurídica que o setor do agronegócio, principalmente, os adquirentes, vem sofrendo indevidamente, como podemos observar de trecho de referida liminar proferida:

“Conforme relatado, a questão atualmente controvertida neste processo concerne à proclamação do resultado do julgamento de mérito da presente ação direta de inconstitucionalidade. Isso porque, apesar de o início do julgamento ter ocorrido ainda em maio de 2020, houve pedido de vista, com a continuação do julgamento em dezembro de 2022, o qual se encontra suspenso para proclamação do resultado em sessão presencial. Apesar das mais de dez inclusões em pauta presencial por parte da Presidência da Corte, o processo não teve ainda o seu resultado proclamado, nem há previsão de quando isso ocorrerá.

(…)

É fato que esse cenário, conforme bem demonstrado pela requerente, tem gerado insegurança jurídica, em virtude de decisões divergentes tanto nas instâncias inferiores como no próprio Supremo Tribunal Federal. Ademais, diante da indefinição em torno do que fora efetivamente decidido por esta Corte, existe a possibilidade de conclusão tanto em favor da posição defendida pelas requerentes quanto da argumentação apresentada pela Advocacia-Geral da União. É fácil prever que essa discussão provavelmente não se encerrará com a proclamação do resultado atualmente pendente, mas seguirá em possíveis embargos de declaração opostos pela parte que sair derrotada.”

Embora a liminar proferida atenue, em parte, os nefastos efeitos de toda esta insegurança jurídica, não é suficiente.

5. A necessidade de encerramento e proclamação do julgamento

 Urge ao Supremo Tribunal Federal, neste caso, com toda a sabedoria e capacidade que envolve a atuação de seus ministros, reconhecer que houve um julgamento de parcial procedência da ADI, por maioria (6×5), na linha do brilhante voto proferido pelo ministro Dias Toffoli, encerrando esta insegurança jurídica, claramente prejudicial ao Estado Democrático de Direito.

A tentativa de distorcer o julgamento, especialmente, o voto proferido pelo ministro Marco Aurélio, que julgou totalmente procedente a ADI, o que, por obvio, inclui o funrural e também a sub-rogação, acolhendo o último suspiro da Fazenda Nacional, apequena o colendo Supremo Tribunal Federal, o qual não pode – e não deve – curvar-se a todo custo aos argumentos econômicos, nem sempre fidedignos em valores do Fisco.

Tenhamos, em breve, o encerramento desta insegurança jurídica que permeia o tema do Funrural e a sub-rogação, respeitando-se o que foi decidido por cada um dos ministros e, sobretudo, a maioria, que, parcialmente, reconheceu a procedência da ADI no sentido de que não haveria previsão legal para a sub-rogação.

Que a recente liminar, suspendendo nacionalmente os processos, seja o começo do fim desta insegurança jurídica!

 


[1] Decisão: Após os votos dos ministros Gilmar Mendes (relator), Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Luiz Fux e Roberto Barroso, que julgavam improcedente a ação direta de inconstitucionalidade; dos votos dos ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello, que conheciam parcialmente da ação, julgando-a procedente, para declarar a inconstitucionalidade, com redução de texto, dos seguintes dispositivos: (i) Art. 1º da Lei 8.540/1992, em relação à expressão da pessoa física, na parte em que altera o art. 25 da Lei 8.212/1991; (ii) Art. 1º da Lei 9.528/1997, relativamente à expressão empregador rural pessoa física na parte em que altera o artigo 25 da Lei 8.212/1991; e à expressão da pessoa física de que trata a alínea ‘a’ do inciso V do art. 12, nas partes em que alteram o artigo 30, IV e X, da Lei 8.212/1991; (iii) Art. 1º da Lei 10.256/2001, no que se refere à expressão do empregador rural pessoa física, em substituição à contribuição de que tratam os incisos I e II do art. 22, na parte em que altera o art. 25 da Lei 8.212/1991; e (iv) Art. 9º da Lei 11.718/2008, no tocante à expressão produtor rural pessoa física, na parte em que altera o art. 30, XII, da Lei 8.212/1991; e do voto do ministro Marco Aurélio, que assentava a inconstitucionalidade do artigo 25 da Lei nº 8.212/1991, na redação conferida pela Lei nº 10.256/2001; o julgamento foi suspenso para aguardar o voto do ministro Dias Toffoli (Presidente), que não participou deste julgamento por motivo de licença médica. Falaram: pela requerente, o Dr. Fabriccio Petreli Tarosso; pelos interessados, a dra. Geila Lidia Barreto Barbosa, procuradora da Fazenda Nacional; e, pelo amicus curiae Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes – ABIEC, o dr. Igor Mauler Santiago. Plenário, Sessão Virtual de 22.5.2020 a 28.5.2020.

[2] Decisão: Após o voto do ministro Dias Toffoli, que, divergindo em parte do ministro Gilmar Mendes (relator), julgava parcialmente procedente a ação direta para conferir interpretação conforme à Constituição Federal, ao art. 30, IV, da Lei nº 8.212/91, a fim de afastar a interpretação que autorize, na ausência de nova lei dispondo sobre o assunto, sua aplicação para se estabelecer a sub-rogação da contribuição do empregador rural pessoa física sobre a receita bruta proveniente da comercialização da sua produção (art. 25, I e II, da Lei nº 8.212/91) cobrada nos termos da Lei nº 10.256/01 ou de leis posteriores, o julgamento foi suspenso para proclamação do resultado em sessão presencial. Não participaram os ministros Nunes Marques e André Mendonça, sucessores, respectivamente, dos ministros Celso de Mello e Marco Aurélio. Plenário, Sessão Virtual de 9/12/2022 a 16/12/2022.

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  • é doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP, ex-membro do Conselho istrativo de Recursos Fiscais (Carf), professor da FGV Direito SP e Ibet e sócio tributarista do escritório Brasil Salomão e Matthes Advocacia.

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