Qual o prazo prescricional da pretensão restituitória decorrente da resolução contratual imputável?
2 de junho de 2025, 11h17
A resolução da relação jurídica contratual imputável [1] gera três efeitos: liberatório (liberando as partes das obrigações principais/primárias do contrato), indenizatório (indenizando o credor pelos dados sofridos) [2] e restituitório (restituindo às partes as prestações já realizadas) [3], desdobrando o processo obrigacional na medida que a relação jurídica é modificada para visar à reparação dos danos sofridos pelo credor e restituir as prestações já cumpridas pelas partes [4], no que se convencionou chamar de relação de liquidação [5].
Na relação de liquidação, surge a pretensão de o credor exigir as perdas e danos sofridas e a pretensão, tanto do credor quanto do devedor, a depender do caso concreto, de exigir a restituição das prestações cumpridas anteriormente.
Prazo prescricional
Afora o debate existente quanto ao prazo prescricional da responsabilidade civil contratual, pacífico no STJ quanto ao prazo de dez anos do artigo 205 do Código Civil [6], surge a questão de saber qual o prazo prescricional das pretensões restituitórias que decorrem da resolução da relação jurídica contratual imputável, notadamente diante da ausência de dispositivo expresso no Código Civil a respeito.
Sobre esse tema, pode-se cogitar três posições distintas para o problema: (1) a primeira, tal qual o prazo decenal do efeito indenizatório, aplica-se o artigo 205 do Código Civil; (2) a segunda, aplica à pretensão restituitória o prazo prescricional do enriquecimento sem causa, de três anos, previsto no artigo 206, § 3º, IV, do Código Civil; e (3) a terceira posição, aplicar-se-ia o prazo prescricional da própria pretensão da prestação contratual, de modo a aplicar o prazo previsto para cada contrato e em sua ausência o prazo geral do artigo 205 do Código.
A primeira posição, que sustentaria o prazo decenal para o efeito restituitório, careceria de preferência dogmática por se tratar de regra subsidiária, que demanda um escrutínio prévio das demais possíveis hipóteses existentes na legislação antes de ser aplicada. Trata-se de aplicação da regra da especialidade do dispositivo legal para tratar de situações específicas. Caso não haja nenhuma regra que tutele as pretensões restituitórias, poder-se-ia cogitar na sua aplicação.
A segunda posição, por sua vez, demanda uma análise mais robusta.
Fonte obrigacional
Há em doutrina quem defenda que a pretensão de restituição que decorre da resolução contratual imputável deve se submeter ao prazo trienal do enriquecimento sem causa, precisamente porque o próprio fundamento e fonte da obrigação de restituir seria o instituto do enriquecimento sem causa.
Defendem essa posição, em especial, Eduardo Nunes de Souza e Rodrigo da Guia Silva [7], os quais sustentam que a análise funcionalizada do instituto, a partir da renovada construção das fontes obrigacional, quais sejam: contrato, ato ilícito e enriquecimento sem causa, leva à conclusão de que a restituição na resolução contratual é uma hipótese de fonte obrigacional do enriquecimento sem causa e, por isso, naturalmente, dever-se-ia aplicar o prazo trienal previsto no artigo 206, § 3º, IV, do Código Civil.

De fato, os professores acertam quando sustentam que há três fontes obrigacionais: as declarações de vontade, os atos ilícitos e o enriquecimento sem causa [8]. A renovação das fontes obrigacionais andou nesse sentido, melhor construindo, à luz do Código Civil de 2002, as fontes das obrigações.
Ocorre que não parece acertado o argumento de que o fundamento obrigacional do efeito restituitório na resolução da relação jurídica contratual imputável seja necessariamente o enriquecimento sem causa.
Como a relação de liquidação não apaga retroativamente o contrato, mas apenas modifica a relação jurídica contratual em uma nova fase, como se nunca houvesse existido, o próprio fundamento da resolução contratual, e seus efeitos, é a declaração negocial de vontade que gera efeitos que decorrem da própria relação jurídica contratual. A fonte obrigacional, nessa linha, não é o enriquecimento sem causa, mas a própria declaração de vontade e o contrato.
Recorda-se que o princípio que fundamenta o instituto do enriquecimento sem causa é o princípio da conservação estática dos patrimônios: “Segundo esse princípio, o valor dos bens e direitos atribuídos a alguém e dos bens e direitos gerados a partir desses bens e direitos já atribuídos deve permanecer, em princípio, no patrimônio desse alguém” [9].
Os exemplos são fartos, como quando alguém deposita dados valores na conta bancária de outrem, por engano, sem nenhuma razão justificadora para tal depósito. O que fundamenta o dever daquele que se enriqueceu às custas de outrem a devolver os valores é o enriquecimento sem causa.
Diferentemente é a hipótese de uma válida relação jurídica contratual resolvida. Nesse caso, o que justifica o dever de restituir é a própria relação jurídica contratual modificada [10], repondo-se aquilo que foi prestado como novos deveres e novas pretensões, todos fundados na própria relação jurídica contratual, que surgem da resolução imputável da relação contratual. A resolução do contrato, embora tenha a capacidade de levar ao desfazimento do vínculo jurídico, não significa a extinção da relação.
Em verdade, com a resolução, opera-se a supressão das prestações principais, mantendo-se, entretanto, uma “relação entre as partes, decalcada do contrato existente” [11], composta pelos deveres de diligência, segurança e informação e por um dever de indenizar, compensando integralmente o credor. Como sustenta Ruy Rosado de Aguiar Júnior, “o efeito extintivo retroativo da resolução atinge a prestação principal e os deveres órios, liberando ambas as partes, mas não extingue a relação contratual global, sobre a qual se fundamentam o dever de restituir e o de indenizar” [12].
Em síntese, não se deve confundir os efeitos da resolução com a noção de desaparecimento da relação contratual, tal qual ela nunca tivesse existido. A resolução “não põe um ponto final no contrato” [13], isto é, não suprime integralmente a relação contratual [14], ou a fonte que justificava as transferências patrimoniais, mas, antes, inicia um processo complexo tendente à liquidação, como dito acima, modificando a situação até então existente, com a supressão dos deveres de prestação derivados do contrato [15]. Nesse sentido, permanece uma relação, mas agora com obrigações, às partes, almejando o regresso dos contratantes ao status quo ante [16], no sentido de colocar o contratante numa situação material que corresponde a que existiria se o contrato não tivesse sido celebrado.
Consequentemente, se o dever restituitório que surge da resolução contratual tem como fonte obrigacional a relação jurídica contratual, ou a declaração de vontade negocial, a pretensão que dali decorre deve ter, como corolário lógico-jurídico e coerência dogmática do instituto, prazo prescricional com fonte contratual.
Conclusão
Dessa forma, o prazo prescricional iniciará sua fluição nos casos de restituição na resolução contratual imputável quando a parte deixar de devolver a prestação que recebeu, quando ocorrer a resolução, seja legal ou convencional, a depender do caso. Nessa hipótese, como surge o dever de restituir e a parte descumpre, iniciará o prazo prescricional da pretensão de exigir a devolução da prestação efetuada, à luz do artigo189 do Código Civil.
Por sua vez, o prazo observará o daquele determinado para o tipo prestacional. Caso se esteja diante da devolução de valores pagos, por exemplo, aplicar-se-á o prazo do artigo 206, § 5º, I, do Código Civil. Se, eventualmente, determinada prestação contratual não possuir prazo específico regulado em lei, aplicar-se-á o prazo geral do artigo 205 do Código Civil.
*Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Porto, Roma II — Tor Vergata, Girona, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC, UFMT, UFBA, UFRJ e Ufam).
[1] Neste artigo, trataremos de hipóteses de inexecução voluntária e definitiva da prestação. Pressupõe-se, portanto, a inexistência de cláusula contratual resolutiva e, ainda, de regulação contratual acerca da própria resolução. Além disso, por dedicar o estudo à resolução fundada no inadimplemento definitivo imputável ao devedor, serão deixadas de fora outras hipóteses de resolução do sistema, como por impossibilidade superveniente inimputável e por onerosidade excessiva.
[2] Para fins didáticos, não aprofundaremos o debate se o efeito indenizatório decorre do inadimplemento ou da resolução, o que ensejaria uma nova coluna. Sobre o tema, cf. LEITE, Bruna Duarte. Resolução parcial do contrato por inadimplemento. Rio de Janeiro: Almedina, 2025, p. 89-90.
[3] Por todos: AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2011, v. VI, t. II, p. 481.
[4] AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2011, v. VI, t. II, p. 474.
[5] TERRA, Aline de Miranda Valverde. Execução pelo equivalente como alternativa à resolução: repercussões sobre a responsabilidade civil. In: Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil, Belo Horizonte, v. 18, p. 49-73, out./dez. 2018, p. 58.
[6] Desde, pelo menos, o EREsp 1.281.594/SP, julgado pela Corte Especial do STJ. Mais recentemente, cf. AgInt no AREsp n. 2.746.657/SP, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 10/2/2025, DJEN de 21/2/2025; AREsp n. 2.810.031/SP, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 17/3/2025, DJEN de 20/3/2025.
[7] SOUZA, Eduardo Nunes de; SILVA, Rodrigo da Guia. Prazo prescricional da pretensão restitutória no direito brasileiro: o exemplo da restituição decorrente da resolução dos contratos de consumo. Revista de Direito do Consumidor, v. 134, p. 315-348, mar.-abr. 2021.
[8] MICHELON JR, Cláudio. Direito restituitório. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 15; NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 441-447.
[9] MICHELON JR., Cláudio. Direito restituitório. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 29. Ainda: “para o Ordenamento jurídico, prima facie, o patrimônio deve restar na esfera do sujeito, podendo deslocar-se, vindo a integrar patrimônio alheio, desde que haja causa de atribuição suficiente para tanto. Do contrário, exsurge o dever de restituir.” (MARTINS-COSTA, Judith. Efeitos obrigacionais da invalidade: o caso dos contratos viciados por ato de corrupção. In: BARBOSA, Henrique; SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. A evolução do direito empresarial e obrigacional: os 18 anos do Código Civil – obrigações e contratos. São Paulo: Quartier Latin, 2021, v. 2, p. 232-233).
[10] LEITE, Bruna Duarte. Resolução parcial do contrato por inadimplemento. Rio de Janeiro: Almedina, 2025, p. 99; NANNI, Giovanni Ettore. Inadimplemento absoluto e resolução contratual: requisitos e efeitos. São Paulo: Thomson Reuters, 2021, p. 640-641; ADAMEK, Marcelo Vieira von; CONTI, André Nunes. Notas sobre a relação de liquidação dos contratos resolvidos (análise crítica da tese da eficácia retroativa da resolução no direito brasileiro). Revista de Direito Civil Contemporâneo, v. 36, p. 343-
377, jul.-set., 2023, p. 368-369.
[11] MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Tratado de direito civil. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2017, v. IX, p. 271.
[12] AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2011, v. VI, t. II, p. 689. E continua o renomado autor: “O direito formativo-extintivo de resolver, ao mesmo tempo em que atua negativamente sobre a relação, desfazendo-a, tem consigo uma força criadora de deveres e obrigações, os quais irão compor a relação de liquidação.” (AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2011, v. VI, t. II, p. 689).
[13] MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Tratado de direito civil. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2017, v. IX, , p. 930.
[14] Recorda-se, nessa conjectura: “A verdade é que, como a quase-totalidade dos privatistas brasileiros, o legislador de 1979 não sabia diferenciar o contrato (fenômeno jurídico pertinente ao plano da existência) da relação contratual (fenômeno jurídico relativo ao plano da eficácia). A relação jurídica contratual é gerada pelo contrato que existe e vale; portanto a relação contratual é eficácia atualizada do contrato do qual se origina” (TOMASETTI JR., Alcides. Art. 1º. In: OLIVEIRA, Juarez de (coord.). Comentários à Lei de Locação de Imóveis Urbanos. São Paulo: Saraiva, 1992, p. 67).
[15] LARENZ, Karl. Derecho de obligaciones. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1958, t. I, p. 391.
[16] ANTUNES VARELA, José de Matos. Das obrigações em geral. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2010, v. II, p. 276.
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