Opinião

Revenge porn e a preservação das provas: como a vítima pode denunciar o ocorrido?

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3 de junho de 2025, 13h16

A partir de uma intensa digitalização do contato social, por meio do crescimento exponencial das redes sociais, aplicativos de mensageria e entre outros serviços digitais, novas formas de interação entre indivíduos foram criadas e, por consequência, novas formas de violência vêm sendo experimentadas, em especial, com relação a grupos historicamente marginalizados, como ocorre com as mulheres.

O crime de pornografia de vingança (“revenge porn”) consiste na divulgação não consentida de imagens íntimas feita por alguém com quem a vítima mantinha relação íntima de afeto (Souza, 2020).

A vítima sofre com os impactos da cultura do estupro, que é alimentada por uma lógica patriarcal. Essa cultura faz com que, diante da violência sexual, a mulher sinta vergonha, medo e humilhação, ao mesmo tempo em que é levada a acreditar que a culpa é sua. Além disso, o receio de ser julgada por outras pessoas, especialmente por familiares e amigos, torna ainda mais difícil que ela procure as autoridades para formalizar uma denúncia.

Nesse sentido:

“(…) Além  da  exposição e constrangimento sofridos quando da divulgação de sua  imagem,  os  danos  à  honra  sofridos  são  imperiosamente maiores que aqueles sofridos pelos homens, pois  o  olhar  cultural  da  sociedade  tende  a  culpar  a vítima  que  compartilha  suas  imagens,  protegendo  o agressor e impedindo a sua punição” (Cavalcanti, 2016).

Para além disso, há um segundo obstáculo a ser enfrentado: a dificuldade de produzir provas robustas e identificar o remetente da mensagem.

Spacca

Imagine o seguinte cenário: “A” envia uma foto íntima para “B” quando estavam em um relacionamento amoroso. Frustrado com o término, “B” compartilha a imagem que ainda possuía em seu banco de dados com “C”, um amigo da faculdade que, por sua vez, divulga em diversos grupos até que “D” avise que tomou ciência do ocorrido e mostre as mensagens compartilhadas para “A”.

“C”, por ter divulgado, sem o consentimento, imagens de nudez de “A”, responderá pelo artigo 218-C do Código Penal, cuja pena é de um a cinco anos:

“Art. 218-C.  Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio – inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave.”

 Quanto a “B”, por ter relação íntima de afetar, mesmo que o intuito não fosse propriamente a vingança, este responderá pelo menos crime, mas haverá o aumento de pena em virtude de tal fato:

“Art. 218-C, § 1º  A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se o crime é praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação.”

Porém, há uma segunda questão importante: Como “A” pode preservar as provas e buscar a responsabilização dos indivíduos?

Print screen

O meio mais utilizado para preservar uma prova digital, nesse caso as mensagens que circularam nos grupos de mensageria com as fotos íntimas de “A”, é por meio do print screen, todavia, algumas ressalvas devem ser feitas acerca de tal forma de documentação:

Em um primeiro ponto, Alves (2025)  ensina que uma prova digital deve obedecer à cadeia de custódia prevista nos artigos 158-A ao 158-F do Código de Processo Penal e, para garantir a materialidade do delito seja corretamente documentada, devem ser seguidos os seguintes requisitos: Autenticidade da origem e autoria da prova, completude e integralidade do documento digital, referência da data e hora do fato, auditabilidade da prova e, por fim, respeito às regras dos artigos supracitados.

Logo, o mero print não basta para que a prova seja considerada como válida, por muitos anos, era necessário realizar uma ata notarial que consistia em ir no cartório e o funcionário iria certificar, auferindo fé pública, acerca das imagens e conversas descritas.

Porém, além de custoso, esse procedimento silenciava muitas vítimas que não queriam se expor e expor as imagens de sua intimidade a outras pessoas, em especial em um contexto de sociedade patriarcal que objetifica os corpos e banaliza a subjugação da sexualidade feminina.

Atualmente, novas opções mais econômicas e menos invasivas estão disponíveis: a ferramenta verifact é um exemplo. Alves (2025) aponta que esta possui um alto grau de confiabilidade na documentação da evidência.

Além disso, é muito importante que a vítima faça uma captura completa da tela, contendo a data, horário, número de telefone e qualquer outra informação que considere relevante.

Por fim, é necessário que a vítima se dirija à uma delegacia de defesa da mulher para lavratura do boletim de ocorrência, preferencialmente acompanhada de uma advogada.

Muitas vítimas se sentem culpadas por terem enviado as imagens e é importante lembrar: a culpa nunca é da vítima. Denunciar é um ato de coragem e o primeiro o para interromper o ciclo de violência. Por esse motivo, preservar provas é um o essencial para garantir seus direitos e reconstruir sua dignidade.

 


Referências bibliográficas

ALVES, Jaime Leônidas Miranda. Fábrica de Criminalistas: Manual de Defesa Criminal para Defensores Públicos e Advogados. vol. 02 – parte especial. 3ª ed. Leme: Mizuno, 2025.

CAVALCANTE, Vivianne Albuquerque Pereira et al. Violência de gênero contemporâneo: Uma Nova Modalidade através da Pornografia da Vingança. Interfaces Científicas-Direito, v. 4, n. 3, p. 59-68, 2016.

SOUZA, Manuela Gatto.A pornografia de vingança como espécie de violência de gênero na nova sociedade digital. Revista Húmus, v. 10, n. 28, 22 Abr 2020

Autores

  • é advogada criminalista com atuação na proteção de vítimas de violência sexual, graduada e especialista em Processo Penal pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, bem como Mestranda em Direito Político e Econômico, também pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (bolsista Capes), autora de livros e artigos científicos, seminarista, palestrante e integrante do Grupo de Pesquisa “Mulher, Sociedade e Direito”.

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