Resoluções por meios alternativos são o caminho para reduzir litigância no setor aéreo
6 de junho de 2025, 8h44
A cultura brasileira de litigância e a força do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990) ajudam a explicar o alto índice de judicialização no setor aéreo, mas esse quadro pode começar a mudar se o Judiciário e as empresas investirem em meios alternativos de resolução de conflitos.

Segundo associação do setor, país responde por por 98,5% das ações contra companhias aéreas
Esse é o diagnóstico feito pelos especialistas entrevistados pela revista eletrônica Consultor Jurídico sobre o assunto. Eles também sugerem, como formas de reduzir a litigância contra as companhias aéreas, uma revisão na isenção das custas nos juizados especiais, campanhas para a reeducação dos consumidores e instruções aos magistrados sobre o funcionamento desse setor da economia.
O Brasil responde por 98,5% das ações contra empresas aéreas no mundo, segundo dados divulgados pela Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear) em setembro de 2024. Enquanto os Estados Unidos têm um processo a cada 2.585 voos, o Brasil tem mais ações judiciais do que voos.
Ainda de acordo com a entidade, 90% dos processos brasileiros desse tipo são pedidos de indenização por dano moral.
Judicialização em excesso
Para a diretora jurídica do Contencioso Cível do escritório Albuquerque Melo Advogados, Julia Lins, existe um o desmoderado à Justiça, incentivado pela falta de riscos, uma vez que não há recolhimento de custas, nem condenação em honorários para os consumidores que apresentam ações nos juizados especiais.
“Vemos um incentivo judicial e legislativo à judicialização, principalmente na questão do dano moral, já que muitas vezes ele é presumido, ou seja, basta um atraso ou cancelamento de voo para que se entenda por uma compensação extrapatrimonial.”
Especialista em Direito Civil no escritório Badaró Almeida & Advogados Associados, Betânia Miguel Teixeira Cavalcante entende que há uma distorção do CDC quando o caso em pauta envolve empresas aéreas.
“Há uma percepção de responsabilidade objetiva e ilimitada por parte das companhias, mesmo em situações em que há causas excludentes de responsabilidade, como condições meteorológicas adversas ou decisões de segurança operacional impostas por órgãos reguladores.”
Já Antonio José e Silva, presidente da Comissão de Direito Aeronáutico da seccional do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil e também piloto, lembra que recorrentemente os magistrados sobrepõem o CDC aos tratados internacionais dos quais o país é signatário, apesar de o Supremo Tribunal Federal ter decidido, no julgamento do Tema 1.366, que eles devem prevalecer em casos de extravio, dano ou atraso de cargas em voos internacionais.
Contudo, o advogado ressalta que o problema não é o consumidor que busca indenização por bagagens danificadas, malas extraviadas ou por ter sido prejudicado por overbooking (quando o número de agens vendidas para um voo é maior do que o de assentos na aeronave).
“Se você chegar aos Estados Unidos e tiver uma situação meteorológica adversa, o foco é a segurança. Obviamente, o comandante vai arremeter e vai procurar um lugar onde as condições não estejam adversas. Aqui no Brasil, 99% dos ageiros vão judicializar porque o CDC diz que isso é risco do negócio. Lá nos EUA, isso é caso fortuito”, explica.
O caminho da conciliação
Como forma de eliminar (ou pelo menos reduzir) a judicialização do setor aéreo brasileiro, Julia Lins sugere a aplicação do princípio da especialidade, com a utilização das normas específicas que regulam o mercado.
Betânia Cavalcante, por sua vez, defende uma interpretação “coerente e equilibrada” do CDC, em conjunto com a observância das normas estabelecidas pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Ela também diz ser importante levar aos integrantes do Judiciário informações sobre as especificidades operacionais do setor.
Já Antonio José e Silva acredita que uma revisão da isenção de custas processuais no juizados especiais, como aconteceu na Justiça do Trabalho, ajudaria a frear o número de processos e, consequentemente, tirar o Brasil do que ele considera uma posição “vexatória” no ranking mundial de judicialização do setor.
Os entrevistados, a despeito de opiniões diversas, endossam um ponto em comum: é preciso incentivar os canais alternativos de resolução de conflitos, como mediação e conciliação.
“Não é necessário judicializar. Existem métodos alternativos de solução de conflitos e esses métodos não são utilizados no Brasil. Nós poderíamos criar câmaras de mediação”, sugere Antonio.
Julia destaca que isso a também por reeducar os consumidores brasileiros: “É preciso informar os ageiros sobre seus direitos e deveres, os procedimentos corretos para reivindicar compensações e as alternativas de resolução de conflitos através de canais extrajudiciais”.
Betânia, por fim, cita a plataforma consumidor.gov, serviço gratuito do Ministério da Justiça que coloca consumidores e empresas em contato para resolver problemas de consumo.
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