Opinião

A imagem do Poder Judiciário e a comunicação institucional

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  • é juiz substituto do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia bacharel em Direito pós-graduado em Direito Processual Civil e em Ciência Criminais e ex-analista do Ministério Público Federal (2017-2023).

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7 de maio de 2025, 13h27

A autocontenção é característica por essência do Poder Judiciário no Estado democrático de Direito. No entanto, diante da propagação de notícias falsas ou distorções da realidade, é necessário repensar as estratégias de comunicação institucional dos tribunais brasileiros, jamais abandonando a prudência e o decoro.

Divulgação/TJ-BA

Dados do Conselho Nacional de Justiça (“Justiça em Números 2024”) mostram a eficiência do nosso Judiciário. Em 2023, juízes e juízas julgaram, em média, 2.088 processos, número muito superior ao registrado em países desenvolvidos. Por exemplo, a Suprema Corte dos Estados Unidos recebe por ano cerca de 7.500 novos pedidos, mas julga apenas 1% desses casos.

As despesas do Poder Judiciário brasileiro em 2023 corresponderam a apenas 1,2% das riquezas acumuladas naquele ano (PIB nacional), ou 2,38% dos gastos totais da União, estados, Distrito Federal e municípios. Vale ressaltar que os entes públicos são os maiores litigantes do país, mas não recolhem custas processuais.

Ao comparamos o investimento do Brasil no Judiciário com a produtividade dos tribunais, não é possível outra conclusão, senão, um grau de eficiência elevado.

Em 2023, os magistrados brasileiros demonstraram extraordinária capacidade de trabalho proferindo, um total de 33,2 milhões de sentenças e decisões terminativas. Foram arquivados 34,9 milhões de processos.

O trabalho dos juízes e juízas gerou arrecadação de R$ 68,74 bilhões para os cofres públicos, o correspondente a quase 60% do custo para funcionamento da Justiça.

Na Bahia, a produtividade foi expressiva: em 1º e 2º graus foram julgados mais de 1 milhão e 669 mil processos, e os arquivamentos ultraaram 1,8 milhão.

É preocupante que, apesar de dados positivos de eficiência, a percepção pública sobre o Judiciário frequentemente registre baixos índices de confiança, indicando descomo entre a produção real de magistrados e servidores e a imagem institucional, especialmente, quando outros Poderes divulgam informações incorretas, incompletas ou distorcidas.

Spacca

O Tesouro Nacional divulgou dados imprecisos no relatório de Despesa por Função do Governo Geral – Resultados de 2023, incluindo expressamente gastos do “Ministério Público, entre outros” vinculados ao Poder Judiciário. Quem são os outros? Quais os gastos? Quais os gastos do Ministério Público? O relatório não esclarece as questões.

Além disso, a vinculação está incorreta, pois o Ministério Público conforme a Constituição, possui orçamento próprio e autonomia istrativa e financeira, não integrando a estrutura do Poder Judiciário.

A percepção pública negativa, portanto, não corresponde à realidade.

Em particular, no caso do estado da Bahia, não obstante todos os esforços feitos pelo TJ-BA para melhoria das condições de trabalho, em primeiro grau os juízes de Direito contam com o apoio de apenas um assessor, e os juízes substitutos não dispõem de assessoria, circunstância que qualifica ainda mais o trabalho dos magistrados de primeiro grau baianos.

Cultura da judicialização

Mas o leitor deve estar se questionando, julgou-se tanto e meu processo está sem solução há anos, qual a razão?

A primeira, é o elevado grau de judicialização, apenas em 2023, foram registrados na Bahia mais de 1 milhão e 638 mil processos novos. Em 2024, de janeiro a junho, foram recebidos mais de 1 milhão e 45 mil processos novos, sendo que no mesmo período foram julgados mais de 1 milhão e 311 mil.

A segunda é a carência de recursos humanos, em dezembro de 2024, os cargos vagos de desembargador e juízes, no TJ-BA, somados eram 443.

Concursos públicos e novas issões resolveriam o problema? De forma isolada não, pois, no Brasil, a cada cem processos solucionados, outros 89 ingressam no sistema, o que mantém o acervo em níveis elevados. Em 2023, foram registrados 35,2 milhões de processos novos, recorde da série histórica, fazendo o volume processual alcançar 84 milhões.

Embora existam desafios a serem superados pelo Judiciário, as responsabilidades devem ser atribuídas conforme a Constituição. A ineficiência istrativa dos entes públicos, a ausência de políticas públicas efetivas e por consequência a não concretização de direitos fundamentais, a cultura de judicialização (especialmente do setor público), a legislação permissiva quanto a hipóteses de recursos e impugnações de decisões judiciais, somadas à carência de juízes e servidores, comprometem o funcionamento do sistema de justiça.

A cultura da judicialização, especialmente por parte do poder público, continua sendo um fator determinante para este cenário. Os entes públicos são os maiores litigantes em diversas áreas, contribuindo significativamente para o aumento do acervo processual, sem que haja o correspondente aumento na estrutura do Judiciário.

É curioso notar que membros dos Poderes Executivo e Legislativo raramente se manifestam sobre o tema.

O Executivo é leniente com concessionários e permissionários de serviços públicos que prestam serviços de baixa qualidade.

O Legislativo é moroso no aperfeiçoamento do ordenamento jurídico, mantendo sob responsabilidade do Poder Judiciário temas que poderiam de forma menos burocrática serem solucionados na via extrajudicial.

No setor privado, segmentos de grande relevância para sociedade internalizam lucros e socializam prejuízos oferecendo serviços em desconformidade com a Constituição e as leis, contribuindo para crescimento exponencial do acervo processual.

É, no entanto, fundamental que a sociedade compreenda que a eficiência do sistema de justiça não depende apenas dos esforços internos do Judiciário, mas, sobretudo, de uma mudança cultural quanto à utilização do sistema de Justiça. Políticas de desjudicialização, fortalecimento dos métodos alternativos de solução de controvérsias e melhoria das práticas istrativas nos setores público e privado são medidas necessárias para reduzir o volume processual.

As associações de magistrados têm papel essencial no combate à desinformação e devem atuar em parceria com os Tribunais, repensando a forma de comunicação, adotando linguagem ível e transparente, baseada em dados verificáveis como os produzidos pelo CNJ, mas com uma fórmula que atraia a atenção de todos.

Através de uma comunicação clara, em formato atrativo e baseada em informações confiáveis, como as fornecidas pelo CNJ, podemos construir uma imagem mais fidedigna da realidade da justiça no Brasil. Os números aqui citados estão disponíveis nos painéis estatísticos do CNJ e do TJ-BA.

Portanto, é necessário repensar a estratégia informacional, apresentando a população o trabalho desenvolvido e os resultados obtidos pelos tribunais do país, de maneira proativa e atrativa, garantindo o direito à informação clara e precisa sobre o funcionamento deste pilar essencial da democracia brasileira.

Apenas com transparência e diálogo aberto com a sociedade será possível superar os desafios estruturais e construir um sistema de justiça cada vez mais eficiente.

Autores

  • é juiz substituto do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, bacharel em Direito, pós-graduado em Direito Processual Civil e em Ciência Criminais e ex-analista do Ministério Público Federal (2017-2023).

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