Opinião

Classificação dos créditos do FGC no processo falimentar sob a ótica de recente julgado do STJ

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  • é estagiária da equipe de recuperação de crédito do escritório Otto Gübel Sociedade de Advogados e aluna de Direito na Pontifícia Universidade Católica de Campinas.

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9 de maio de 2025, 18h28

Sumariamente, faz-se necessário conceituar o Fundo Garantidor de Créditos (FGC) [1], o qual figura como uma entidade de natureza privada, sem fins lucrativos, criada com autorização do Conselho Monetário Nacional, a fim de atuar como um mecanismo de seguro de depósitos, propiciando e financeiro aos depositantes (especialmente pequenos investidores), por meio dos recursos aportados compulsoriamente pelas próprias instituições financeiras integrantes do sistema.

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Neste viés, quando uma instituição financeira é liquidada ou decretada em falência, o FGC intervém indenizando os depositantes até o valor limite coberto e, em seguida, torna-se credor da massa falida no montante que desembolsou, exercendo o direito de ressarcimento junto aos ativos da instituição financeira insolvente.

À vista disso, a assunção do crédito dos depositantes pelo FGC dá-se via sub-rogação legal, mecanismo pelo qual o fundo assume os direitos do credor originário. Contudo, após a sub-rogação do respectivo crédito, surge o questionamento sobre a efetiva classificação do crédito sub-rogado ao FGC no processo falimentar.

Nesse contexto, será demonstrado o instituto da sub-rogação legal dos créditos e, posteriormente, a classificação conferida aos FGC no concurso falimentar, inclusive, sob a recente interpretação proferida pelo STJ.

Classificação do crédito na falência e a sub-rogação

Nos processos falimentares os credores “concorrem” entre si pelo patrimônio remanescente do devedor insolvente, obedecendo a ordem de classificação dos créditos, nos exatos termos do artigo 83, da Lei 11.101/05 [2], o qual tem por objetivo concretizar o princípio do par conditio creditorum, garantindo que credores da mesma natureza recebam tratamento paritário, ao o que credores com preferência legal ou garantia real possuam melhores condições de recebimento.

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Nessa perspectiva, demonstra-se de suma importância uma breve distinção entre os créditos quirografários e os créditos subordinados, na medida em que a controvérsia jurisprudencial recente versou sobre qual das referidas categorias deveriam ser enquadrados os créditos do FGC, no concurso falimentar.

Em síntese, os créditos quirografários são aqueles desprovidos de qualquer privilégio, preferência legal ou garantia real, figurando como a “classe residual” da falência, nos termos do artigo 83, VI, da Lei 11.101/05. Em essência, incluem-se na referida classificação, todas as obrigações do falido, as quais não tenham recebido tratamento prioritário específico nos incisos anteriores (ou seja, sem preferência legal ou garantia real).

Por outro lado, os créditos subordinados — quais sejam: (a) os previstos em lei ou em contrato e, (b) os créditos dos sócios e dos es sem vínculo empregatício – ocupam a última posição na ordem de pagamentos, conforme preconiza o artigo 83, VIII, da Lei 11.101/05.

Em regra, os depósitos bancários e demais obrigações cobertas pelo FGC seriam classificados como créditos quirografários no processo falimentar, em razão de não gozarem de privilégio legal específico na LRF 11.101/05. Desse modo, pareceria natural concluir que, ao assumir os créditos dos depositantes, o FGC deveria ocupar a mesma posição quirografária no concurso de credores, tal conclusão decorre, inclusive, do instituto da sub-rogação previsto no artigo 349, do Código Civil [3], o qual estabelece de forma expressa que “a sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida”.

Em outras palavras, o sub-rogado (novo credor), se coloca exatamente na posição jurídica que antes era ocupada pelo credor originário, podendo, plenamente, exercer contra o devedor as mesmas pretensões e preferências que cabiam ao credor originário. Logo, no contexto do FGC, quando o referido fundo paga o valor garantido aos depositantes de um banco insolvente, opera-se a sub-rogação em favor do FGC, isto é, o Fundo a a ser o novo credor da massa falida, investido dos mesmos direitos que tinham os depositantes originários.

No entanto, a questão ganhou contornos controvertidos em certas situações peculiares envolvendo o FGC, levando a debates sobre eventual reclassificação dos seus créditos [4]. Em especial, discutiu-se se o FGC, ao atuar em Regimes de istração Especial Temporária (Raet) [5] e outros mecanismos de intervenção em instituições financeiras, poderia ser considerado equiparável a um da sociedade falida a ponto de sofrer a regra de subordinação prevista no artigo 83, VIII, alínea “b”, da Lei 11.101/05 (em outras palavras, ser classificado como crédito subordinado).

Não obstante, examinou-se a aplicação do artigo 351, do Código Civil, o qual dispõe que, se o credor originário for apenas parcialmente reembolsado pelo terceiro sub-rogado, aquele terá preferência em relação ao sub-rogado para receber o saldo remanescente, caso o patrimônio do devedor comum seja insuficiente.

Conforme se depreende, o referido dispositivo legal esclarece que o credor originário, só em parte reembolsado, terá preferência ao sub-rogado, na cobrança da dívida restante, se os bens do devedor não alcançarem o montante integral do crédito. Ou seja, em havendo sub-rogação parcial em uma situação de insolvência, o credor originário não totalmente pago, deverá receber primeiro, cabendo ao sub-rogado apenas o restante.

Transposto ao caso do FGC: se um depositante possuía um crédito de valor superior ao teto garantido e, portanto, recebeu do fundo apenas parte do seu crédito (até o limite assegurado), esse depositante permaneceria como credor quirografário pelo saldo não coberto e, o FGC, sub-rogado na parte paga, ficaria subordinado ao pagamento integral do saldo do depositante. Em suma, o depositante teria preferência para recuperar o restante de seu crédito e, em contrapartida, o FGC só participaria do rateio após a satisfação integral dos credores originais pelo saldo.

Portanto, a referida discussão jurídica, centra-se em quais medidas as regras sobre sub-rogação parcial, bem como a classificação dos créditos subordinados (artigo 83, VIII, alínea “b”, da Lei 11.101/05) poderiam incluir no processo falimentar envolvendo o FGC. Tal controvérsia foi objeto de recente julgado do Superior Tribunal de Justiça, conforme se detalhará no tópico seguinte.

Entendimento do STJ

Recentemente, em março de 2025, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça enfrentou diretamente o tema da classificação dos créditos do FGC em processo falimentar, fixando um importante precedente sobre a matéria.

No julgamento do REsp 1.867.409/SP [6], o STJ firmou o entendimento de que os créditos do Fundo Garantidor de Créditos, quando resultantes de sub-rogação em lugar dos depositantes de banco falido, devem ser classificados como quirografários, na mesma posição jurídica dos credores originários, sem rebaixamento a créditos subordinados ou “subquirografários”.

Em outras palavras, entendeu-se que, a sub-rogação não confere ao FGC um status diverso daquele que teriam os depósitos bancários habilitados na falência, visto que, o Fundo sucede os depositantes em igualdade de condições com os demais credores quirografários do banco insolvente, em estrita observância aos princípios de igualdade e interpretação estrita.

Logo, o entendimento consolidado pelo STJ, resolve, em favor do FGC, uma divergência que vinha sendo debatida nas instâncias ordinárias, pelo fato de o FGC ter exercido papel ativo na gestão da instituição financeira durante o Raet (antes da quebra) ou simplesmente por ter pago terceiros em seu benefício, seus créditos deveriam ser relegados na ordem de pagamento – seja equiparando-o a um de facto do banco (subordinando seus créditos nos termos do artigo 83, VIII, “b”, da Lei 11.101/05), seja aplicando-lhe a preferência do credor original parcialmente pago prevista no artigo 351, do Código Civil (tornando-o um credor quirografário).

Tais teses, contudo, não prevaleceram, visto que, a 4ª Turma do STJ, de forma unânime, manteve a classificação quirografária dos créditos do FGC, por entenderem que, a atuação do fundo durante o Regime de istração Especial Temporária (Raet) difere substancialmente da istração societária comum exercida pelos controladores e diretores do banco, não configurando qualquer vínculo empregatício ou relação de confiança que justifique a subordinação de seus créditos.

Em síntese, o STJ consolidou o entendimento pautando-o nos seguintes fundamentos: (1) não incide a regra de subordinação de créditos do artigo 83, VIII, alínea “b”, da LRE, no caso do FGC, pois este não atua como ordinário do banco, mas sim como interventor de caráter especial e público, o que caracteriza a sua gestão como “múnus público”, distinta da istração prevista na Lei de Falências (Lei 11.101/05); (2) não se aplica o artigo 351, do CC, na falência para criar preferência dos credores originários contra o FGC, dado o regime legal próprio do concurso e princípios do direito falimentar como o da par conditio creditorum; e (3) por conseguinte, o FGC, ao sub-rogar-se nos créditos dos depositantes originários, sucede na exata classificação que os mesmos teriam no processo falimentar – qual seja, a de credor quirografário, concorrendo em igualdade de condições com os demais credores quirografários.

Outrossim, cumpre mencionar que o referido entendimento do STJ se encontra em conformidade com alguns precedentes anteriores que, embora não tivessem examinado de forma tão direta a questão da sub-rogação do FGC, já indicavam um tratamento de seus aportes como créditos quirografários, quando não amparados por garantia eficaz.

Verifica-se, portanto, que o entendimento consolidado pelo STJ, no caso do FGC, constitui um marco jurisprudencial de grande relevância no Direito Falimentar brasileiro, visto que, evidencia que a garantia de depósitos, além de proteger os investidores, não vulnera os princípios concursais (como por exemplo, o princípio da par conditio creditorum), podendo coexistir harmonicamente. Ao manter o FGC no mesmo patamar dos credores originários, a Corte Superior não apenas solucionou uma questão técnica de classificação, mas também salvaguardou os objetivos maiores de isonomia entre credores, bem como de estabilidade financeira.

 


[1] FUNDO GARANTIDOR DE CRÉDITOS (FGC). Quem somos. Disponível em: https://www.fgc.org.br/.

[2] BRASIL. Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 9 fev. 2005.

[3] BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 11 jan. 2002.

[4] TRF-3 – ApCiv: 00203685320144036100 SP, Relator.: Desembargador Federal MARCELO MESQUITA SARAIVA, Data de Julgamento: 21/05/2021, 4ª Turma, Data de Publicação: Intimação via sistema DATA: 24/05/2021.

[5] BRASIL. Lei nº 6.024, de 13 de março de 1974. Dispõe sobre a intervenção e a liquidação extrajudicial de instituições financeiras. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 15 mar. 1974.

[6] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.867.409/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 4ª Turma, julgado em 11/03/2025. Informativo de Jurisprudência nº 843, Brasília, DF, 18 mar. 2025.

Autores

  • é advogada, graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) e pós-graduada em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP).

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