Aplicação do artigo 9º da CLT na controvertida prestação de serviços
9 de maio de 2025, 8h00
A aplicação do artigo 9º da CLT, para atacar a contratação de pessoa jurídica a fim de imputar a nulidade do contrato de prestação de serviços, tem sido constantemente invocado para atribuir fraude praticada em relação aos direitos trabalhistas. Todavia, considerando que a Consolidação das Leis do Trabalho trata, em todo seu arcabouço, da aplicação de normas incidentes sobre contratos de trabalho sob vínculo de emprego, parece-nos que há antecipação inadequada na argumentação.

Com efeito, a CLT, no Título I, refere-se à Introdução das normas que vão regular as relações individuais e coletivas de trabalho. Nesse sentido, a introdução conceitua os sujeitos para os quais a legislação se aplica, empregador e empregado; como deve ser considerado o tempo de serviço do empregado, trabalhando ou aguardando ordens, e qual o tempo excluído de monetarização (aqui trazido pela reforma trabalhista); refere-se ao local de prestação de serviços, no domicílio do empregado ou não; exclusões de seu campo de aplicação no artigo 7º, hoje revogado; critério de interpretação no artigo 8º; nulidades de atos praticados em relação aos empregados; proteção dos direitos adquiridos; e, por fim, prescrição de direitos.
Desse modo, não pertence ao mundo do dever ser a previsão de que os contratos de prestação de serviços seriam de plano nulos, permitindo a invocação do artigo 9º disposto nos seguintes termos:
“Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.”
Citado dispositivo está direcionado para a prática de atos durante a execução do contrato de trabalho, isto é, na sua constância, exemplificativamente, deixar o empregador de pagar horas extraordinárias ou não conceder férias anuais remuneradas. A obrigação de anotação da carteira de trabalho, embora seja descumprimento de obrigação prevista na CLT, a determinação de anotação sempre foi competência da Justiça do Trabalho de fazê-lo, dada a impossibilidade legal e fática da autoridade istrativa, representada pelo Ministério do Trabalho.
Enfrentando diversos casos em que se discute a ilicitude da contratação de pessoa jurídica na prestação de serviços, cujo conteúdo é aquele que levaria ao vínculo de emprego, a Justiça do Trabalho, na sua competência e vocacionada ao reconhecimento do vínculo de emprego, foi surpreendida com a intervenção do Supremo Tribunal Federal na ADPF 324 que reconheceu válidas, constitucionalmente, “diferentes formas de divisão do trabalho e a liberdade de organização produtiva dos cidadãos”.
Agora, aguardamos o STF no Tema 1.389, de repercussão geral, em que será decidida a “Competência e ônus da prova nos processos que discutem a existência de fraude no contrato civil/comercial de prestação de serviços; e a licitude da contratação de pessoa jurídica ou trabalhador autônomo para essa finalidade”.
Não se pode dizer e concordar com o ministro Gilmar Mendes na sua decisão de que a Justiça do Trabalho “tem contribuído para um cenário de grande insegurança jurídica, resultando na multiplicação de demandas que chegam ao STF, transformando-o, na prática, em instância revisora de decisões trabalhistas”.
O que se observa é que os fundamentos de decidir analisaram as questões de fato, observando os estritos termos em que dispõe da CLT, na configuração da relação de trabalho como de relação de emprego. Alguns diriam, fato preocupante, que o STF ficaria bordeando o tema e decidindo de modo genérico e sem análise dos conteúdos efetivos da prática de contrato de prestação de serviços, isto é, se foi efetivamente destinado a suprimir direitos ou se foi opção desejada desde o momento da contratação.
Nesse sentido, a invocação de aplicação primeira do artigo 9º da CLT, data venia, atropela a análise de mérito porque, de prima facie deve ser arguida a nulidade do contrato por prática ilícita no momento mesmo da contratação e, em decorrência dessa ilicitude contratual e reconhecimento de vínculo de emprego, desencadearia a aplicação dos direitos decorrentes, aí sim, da aplicação do artigo 9º. Ou seja, ele é consequência e não causa dos direitos eventualmente reconhecidos.
O ato de contratar trabalhador por meio de pessoa jurídica é lícito e não há restrição legal. Aliás, ao contrário, há previsão legal expressa da possibilidade de contratação de pessoa jurídica para atividade-fim do tomador (artigo 4-A da Lei 13.467/2017).
Com razão o presidente do TST, ministro Aloysio Corrês da Veiga, ao determinar o sobrestamento de recursos que discutem a “pejotização” até que seja decidido o tema em Incidente de Recursos Repetitivos (Tema 30) sob a seguinte questão:
“É válida a contratação de trabalhador que constitui pessoa jurídica para a realização de função habitualmente exercida por empregados no âmbito da empresa contratante (‘pejotização’)? E a conversão de relação de emprego em relação pejotizada?”
Como se vê, a questão envolve questões que não podem fugir da análise do judiciário porque se é válida e legal a contratação de pessoa jurídica para a atividade fim, diferentemente deve ser a análise quando se trata de empregado convertido em pessoa jurídica e, nesse caso, aplica-se o argumento do artigo 9º da CLT.
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