Opinião

Dosimetria sem critério é excesso regulatório: risco das multas arbitrárias no direito do consumidor

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  • é sócio responsável pela área de relacionamento com o mercado em Viseu Advogados e membro do Comitê de Relações de Consumo do Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência Consumo e Comércio Internacional (IBRAC).

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12 de maio de 2025, 9h24

É cada vez mais recorrente a imposição de sanções istrativas desproporcionais por parte de órgãos de defesa do consumidor, como os Procons estaduais e a Secretaria Nacional do Consumidor. Apesar de a legislação estabelecer parâmetros objetivos para a aplicação de multas, como a gravidade da infração, a vantagem auferida e a condição econômica do fornecedor, o que se observa na prática é a adoção de critérios genéricos, decisões padronizadas e fundamentações frágeis que desconsideram as particularidades do caso concreto.

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Juíza ordena que Secretaria Nacional do Consumidor regularize o a plataforma proconsumidor

Empresas que atuam com responsabilidade, investem em estruturas de atendimento, compliance e governança têm sido penalizadas com valores elevados de forma quase automática, sem a demonstração técnica que justifique o afastamento do mínimo legal previsto no artigo 57 do Código de Defesa do Consumidor. Quando a atuação istrativa ignora a análise individualizada, ela se afasta dos limites da legalidade e compromete o equilíbrio regulatório entre Estado e mercado.

Não se trata de questionar a competência sancionatória dos órgãos de defesa do consumidor, mas de exigir que ela seja exercida com fundamentação concreta, método transparente de dosimetria e respeito aos princípios constitucionais que regem a istração pública. O que está em jogo é a previsibilidade regulatória e a proteção do setor produtivo contra penalidades que desconsideram a boa-fé do fornecedor e os investimentos realizados em conformidade legal.

Multa conforme gravidade da infração

O artigo 57 do CDC determina que a multa deve ser graduada conforme a gravidade da infração, a vantagem auferida e a condição econômica do fornecedor. O Decreto nº 2.181 de 1997 reforça essa exigência ao estabelecer que a pena-base deve observar esses critérios e que eventual agravamento ou atenuação deve ser devidamente justificado. No entanto, é comum encontrar autos de infração que apenas citam genericamente esses dispositivos, sem análise efetiva da situação fática. O número de consumidores afetados é apontado de forma abstrata, a vantagem econômica não é demonstrada e a capacidade financeira da empresa é presumida com base em seu porte, sem qualquer exame concreto do impacto da conduta.

Essa prática tem sido rechaçada pelo Judiciário. Em decisão recente, o TJ-PB anulou multa elevada por ausência de gradação da pena e fundamentação específica. O acórdão foi enfático ao reconhecer que a decisão istrativa aplicou sanção sem detalhar os critérios legais exigidos, restringindo-se a indicar dispositivos legais de forma genérica, o que viola o dever de motivação e compromete a validade do ato.

A jurisprudência já consolidou que, sem demonstração clara dos critérios legais aplicados ao caso concreto, a penalidade é ilegal. Mais do que isso, o excesso punitivo sem justificativa técnica pode ser considerado desvio de finalidade, abrindo margem para anulação da sanção e eventual responsabilização do poder público por prejuízos indevidamente causados à atividade econômica da empresa penalizada.

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Violação de princípios

Essa forma de atuação viola não apenas a legalidade, mas também os princípios da motivação, proporcionalidade e razoabilidade, além de comprometer o próprio objetivo da política pública de defesa do consumidor. Penalizar empresas que agem de forma diligente com o mesmo rigor aplicado a fornecedores reincidentes ou negligentes distorce o sistema. Em vez de promover equilíbrio, inverte a lógica da regulação.

O resultado prático é o estímulo à judicialização como única via de contenção aos abusos e o enfraquecimento da via istrativa como mecanismo de solução eficiente. Setores como varejo, telecomunicações, serviços financeiros, mobilidade urbana, educação e saúde suplementar são especialmente vulneráveis a essa dinâmica, em razão da alta exposição regulatória e do volume expressivo de atendimentos. Isso favorece a multiplicação de autos de infração baseados em critérios estatísticos, e não em análises jurídicas individualizadas.

Diante desse cenário, é fundamental que os departamentos jurídicos estejam atentos ao padrão decisório desses órgãos e colaborem com seus escritórios parceiros na construção de defesas robustas. Não basta contestar o mérito sob a ótica do CDC. É preciso enfrentar os vícios formais e materiais dos atos istrativos, com argumentos baseados no direito istrativo sancionador. Entre os pontos que devem ser destacados, incluem-se:

  • A ausência de motivação concreta na fixação da pena-base;
  • O descumprimento da técnica de gradação exigida pelo Decreto nº 2.181;
  • O uso indevido de agravantes sem demonstração fática específica;
  • A extrapolação dos limites legais do poder de polícia;
  • A violação aos princípios constitucionais da proporcionalidade e da legalidade;
  • O desvio de finalidade que compromete a validade da sanção.

Defesas para escapar de modelo punitivo

Defesas estruturadas com base técnica são essenciais para afastar penalidades indevidas, preservar a estabilidade jurídica da empresa e restabelecer o equilíbrio diante de práticas istrativas que se tornaram, infelizmente, frequentes.

Sanções istrativas sem fundamentação concreta não são meras falhas processuais. São sintomas de um modelo punitivo que, quando não contido, ameaça a segurança jurídica, a confiança institucional e a liberdade de iniciativa. O respeito à dosimetria legal é mais do que uma formalidade. É uma exigência do Estado de direito.

Cabe às empresas reagirem com firmeza. Em um ambiente regulatório propenso a excessos, é o posicionamento jurídico estratégico que define a linha entre o prejuízo evitável e a penalização arbitrária. Não se trata apenas de contestar multas, mas de proteger a legitimidade de operações estruturadas, o valor reputacional da marca e o investimento feito em conformidade. Onde falta critério ao Estado, deve haver método, clareza e reação por parte das empresas.

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  • é sócio responsável pela área de relacionamento com o mercado em Viseu Advogados e membro do Comitê de Relações de Consumo do Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional (IBRAC).

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