Opinião

Alterações necessárias na reforma do imposto de renda

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13 de maio de 2025, 6h34

O Projeto de Lei 1.087/2025, que introduz a reforma do imposto sobre a renda, propõe a instituição do Imposto de Renda Mínimo da Pessoa Física, com a revogação da isenção do IR sobre a distribuição de lucros e dividendos (que alcancem valor superior a R$ 600 mil anuais), assim como, há quase 30 anos, criou-se o Imposto de Renda Mínimo da Pessoa Jurídica, que acabou sendo considerado constitucional pelo STF (Supremo Tribunal Federal). É sabido que a limitação da dedução dos prejuízos acumulados a percentuais dos lucros de exercícios supervenientes (no Brasil, 30%) sempre foi considerado IR mínimo da pessoa jurídica, na Europa e nos Estados Unidos [1].

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Já oferecemos sugestões ao Projeto 1.087/2025, em reunião organizada pelo Ministério da Fazenda e agora o fazemos publicamente, deixando claro que a proposta para a reforma da renda tem pontos positivos e negativos, alguns deles beirando a inconstitucionalidade.

Consideramos haver dois pontos de relevo, positivos.

O primeiro ponto positivo da reforma: o aumento da faixa de isenção do IRPF, em prol de todos os contribuintes com rendimentos até o limite de R$ 5 mil brutos. No intervalo compreendido entre o novo limite e R$ 7 mil, o benefício é reduzido até que chegue a zero. Acima desse valor, não haverá qualquer redução do imposto.

Tal objetivo é nobre e, supomos, não encontrará resistências consideráveis.

Críticas, não obstante, se levantam, como: populismo eleitoral; deseducação civilizatória dos mais pobres, que deveriam ter a honra de pagar algo ao Estado, ainda que pouco, como forma de adesão e compartilhamento comunitário; e finalmente, invoca-se o exemplo de outras comunidades nas quais a faixa de isenção seria bem menor.

Há uma pressa ou um erro de avaliação. A pressa, explique-se, vem dos mais ricos que não desejam ser chamados a cobrir a renúncia tributária em favor dos mais pobres; o erro de avaliação reside no fato de que desconhecemos cidadão brasileiro que não pague tributo, ainda que isento do imposto incidente sobre a renda. É que o peso da arrecadação tributária nacional advém dos tributos sobre o consumo (ou renda consumida) e não sobre o patrimônio ou a renda ganha (fato já bem comprovado em pesquisas sérias, publicadas).

A crítica poderia ter algum e naqueles países em que os impostos sobre o consumo (ou sobre renda consumida) são muito menos onerosos do que aqueles sobre a renda ganha, como ocorre nos EUA. Mas em ordenamentos similares aos nossos, o peso dos tributos embutidos nos preços dos gêneros de primeira necessidade atinge até mesmo as famílias de um salário-mínimo – fenômeno que somente um cashback total, não apenas parcial como se pretende, poderia evitar.

Quanto ao populismo eleitoral, as queixas não se justificam em face de um Governo que tem como marca indelével a redução da miséria, coerente e persistentemente perseguida no tempo, em uma série de ações consistentes. Além disso, o benefício que se oferece, sendo relativo à renda bruta auferida, de até R$ 5 mil, é bem mais modesto do que aparentemente se supõe, uma vez que diversas famílias, com os mesmos rendimentos já estão isentas, se considerarmos as deduções familiares de que gozam. Coisa diferente seria considerar a renda líquida.

O segundo ponto positivo reside na necessária compensação do benefício, obrigatoriamente determinada por força das leis vigentes, inclusive a Lei de Reponsabilidade Fiscal (LRF): a solução encontrada foi o IRPF mínimo, “pretensamente para todos”, ou seja, aumento do IRPF para o que a proposta chama de altas rendas, aquelas pessoas físicas cuja soma dos rendimentos auferidos superaria R$ 600 mil/ano. Exceções a tal soma são contempladas na proposta…

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Além disso, deu-se:

  1. Retenção, a partir de 2026, de toda distribuição de lucros e de dividendos, que superem aquele valor de 600 mil/ano, por pessoas físicas domiciliadas no Brasil, ou seja, R$ 50 mil/mês;
  2. Retenção na fonte da remessa de lucros e dividendos percebidos por pessoas físicas ou jurídicas domiciliadas no exterior.

II- Pontos negativos:

(a) A quebra do modelo da integração entre a tributação das pessoas jurídicas e físicas, por meio da isenção na distribuição dos lucros e dividendos, introduzida pela Lei 9.249/1995. No mesmo contexto, em contrapartida, criou-se o imposto de renda mínimo da pessoa jurídica.

A quebra de tal modelo de integração não está bem justificada, uma vez que a alíquota corporativa é alta. Embora possam existir – e existam – deduções, isenções para investimentos e benefícios que anunciam uma alíquota efetiva menor, em muitos casos, a limitação da dedução das despesas a 30% dos lucros supervenientes, induz a incidência do IRPJ sobre despesas, criando-se distância entre os resultados contábeis e fiscais.

Não podemos nos esquecer de que a adoção de tal modelo integrativo, com a isenção na distribuição dos lucros e dividendos, em país como o nosso que, por insuficiência de poupança, se alimenta de importação de capital, tinha metas de desenvolvimento que, na proposta em tela, serão abandonadas.

(b) A quebra da isonomia entre trabalho e capital e da progressividade.

Sustentar que as pessoas que recebem lucros e dividendos não pagam nada de imposto é incorreto e mesmo, desonesto… esse o modelo do legislador à época: ele estava em busca de investidores, mesmo externos, nas privatizações (governo Fernando Henrique Cardoso) e em redução da informalidade.  

A questão, do ponto de vista socioeconômico, envolve então a informalidade que precisa ser combatida, pois temos 39 milhões de empregos formais, contra mais de 30 milhões de informais. E o projeto pode incrementar a informalidade.

Ainda, analisando o projeto do ponto de vista da universalidade e da progressividade, encontramos a sua maior fragilidade:

– primeiro, é fato inegável a regressividade do IRPF. Diz-se no Brasil e alhures que o legislador trata de forma mais onerosa a renda proveniente do trabalho do que a renda proveniente do capital. Verdade, em termos gerais.

– não obstante, o projeto faz o mesmo: ele equipara lucros a dividendos, não diferenciando as pessoas jurídicas que são sociedades de pessoas, daquelas pessoas jurídicas que são sociedades de capital.

Ora, a realidade mostra situação diversa. A imensa maioria das pessoas jurídicas brasileiras opta por regimes simplificados de tributação da renda, com destaque para o simples e o lucro presumido. Desse montante, parcela substancial representa o que se poderia qualificar como sociedades de pessoas (profissionais liberais e outros prestadores de serviços). Nessas sociedades, a pessoa jurídica (de pessoas) é mesmo uma ficção em que a sua riqueza se confunde com a dos sócios, vem de seu trabalho, inexistindo riqueza autônoma para nova incidência. Os sócios são pessoal e solidariedade obrigados em face dos credores pelos atos praticados, não gozando da separação rígida e protetora que as sociedades de capital oferecem em relação a seu patrimônio pessoal.

Dá-se mesmo que a grande maioria das sociedades de pessoas não podem deixar de distribuir lucros mensalmente, pois eles, sendo advindos do trabalho, são espécie de remuneração/salário.

A título de exemplo, bastaria a comparação entre 2 pessoas, ambas com rendimentos mensais superiores a R$ 60 mil. A primeira, executiva de grande companhia, CEO, portanto recebendo salário. A segunda, sócia de uma sociedade de pessoas optante pelo lucro presumido. O primeiro, como muitos outros assalariados, inclusive servidores públicos, têm direito a deduções familiares, e para dependentes, seguro, saúde etc., e embora sujeitos à alíquota nominal máxima de 27,5%, pagam efetivamente sob uma alíquota substancialmente menor, tudo a depender do caso concreto. Ainda podem fazer uma declaração simplificada.

No segundo caso, o sócio que, igualmente, trabalha de modo árduo, terá ado uma alíquota efetiva próxima de 15%, não sobre o seu rendimento líquido, mas sobre a receita bruta, sem direito a qualquer dedução familiar.

Para os autores, tal comparação é suficiente para apontar uma inconstitucionalidade, exatamente sob o ângulo da isonomia e da progressividade.

Soluções que apresentamos

– Para pessoas beneficiárias exclusivamente de lucros, provenientes de sociedades de pessoas, o redutor deve considerar a proteção da família e as deduções inerentes ao IRPF, inexistindo razão para se lhes negarem os benefícios ligados ao princípio da renda líquida;

– Para pessoas beneficiárias exclusivamente de lucros, provenientes de sociedades de pessoas, conforme artigo 16-B, § 1°, a soma das alíquotas nominais para fins do limite do imposto dever ser de 27,5%, que corresponde à alíquota máxima do IRPF, e não de 34%, a última aplicável apenas às pessoas jurídicas.

– Finalmente, os pontos ocultos do projeto, que desencadeiam insegurança e desconfiança.

Há pontos não revelados no projeto, que nele estão implícitos. O primeiro desses pontos aparece na preparação para a extinção da apuração do IRPJ segundo o lucro presumido, e é revelado pelos seguintes fatos: a adoção do limite de 34%, que se manifesta no §1º do artigo 16-B; e, ainda, a opção concedida às pessoas jurídicas optantes pelo simples e pelo lucro presumido para oferecer cálculo simplificado do lucro contábil. Por que razão deveriam tais empresas fazê-lo se o cálculo contábil foi afastado por lei expressa, adotando-se uma presunção?

O segundo ponto reside na provável redução de incentivos legais e benefícios já legalmente concedidos por meio do jogo entre alíquotas efetivas e nominais do IRPF mínimo, o que gera profunda insegurança.

Solução para tais críticas

Não podemos nos esquecer de que o simples e o lucro presumido atingem a maior parte das pessoas jurídicas brasileiras, vieram no bojo da integração e na meta da redução da informalidade. E cumpriram seu papel na ocasião, mas foram derrotados pela inflação e pelo preconceito, sobretudo da RFB, que, apesar da arrecadação benéfica que propiciam, sempre investiu contra o lucro presumido.

É provável que venha um possível substitutivo do deputado Arthur Lira, relator do projeto, que deseja reduzir o IRPJ, sendo tal redução compensada com o IRPF mínimo. Tal modelo também rompe com a integração, mas aproximaria diferentes empresas em progressividade mais uniforme. Por exemplo, se o IRPJ + a CSLL não superassem a alíquota de 22%, a distância entre as demais empresas, em especial, aquelas que se encontram sob a apuração segundo o lucro presumido, seria mais razoável.

É que o PL 1.087/2025, em lugar de corrigir a progressividade de saltos, imperfeita, a mantém. É preciso reduzir o hiato existente entre as diferentes modalidades de apuração, criando-se alíquotas intermediárias e progressivas, na proporção do faturamento.

“Lembremos que a palavra de ordem no país é empreendedorismo. Tais hiatos ou saltos assustam e seguram as empresas, que se utilizam de várias saídas, lícitas ou ilícitas, para continuarem ou no simples ou no presumido, tal a distância entre umas e outras formas de tributar.

Uma mudança de visão, no bojo desse mesmo projeto, poderia atingir e contemplar a grande maioria dos contribuintes, evitando-se maior animosidade contra os tributos.”

Como se pode constatar, existem modos diferentes de se aumentar a progressividade em nosso país: ou reduzindo-se as alíquotas nominais do IRPJ + CSLL e aproximando-se, desse modo, as formas de apuração do lucro; ou mantendo-se as alíquotas nominais do IRPJ + CSLL com atuação direta nas empresas do regime do simples e do lucro presumido por meio da criação de percentuais de presunção mais elevados (base de cálculo), o que terá impacto direto sobre a alíquota efetiva. O último modelo parece-nos o mais adequado e mais coerente com o PL 1.087/2025.

Finalmente, para restabelecer a segurança jurídica e a confiança em relação aos direitos adquiridos e aos benefícios para investimento. Ou ainda, para evitar inconstitucionalidades, se o benefício tem respaldo constitucional (como é o caso da Zona Franca de Manaus) sugerimos:

Alterar a redação do artigo 16-B, § 3º, de modo que a alíquota efetiva da diferença entre o valor devido do IR e o lucro contábil, seja mensurada pelo lucro fiscal e não pelo lucro contábil.  

Ou, de forma mais simplificada, em dispositivo autônomo, a lei deve garantir os benefícios e incentivos concedidos pelo legislador que geraram direitos adquiridos…

Finalmente, um problema revela-se na tributação de fonte, como alertou o professor Marciano de Godoi, no mesmo encontro. É que a retenção mensal, de fonte, de todo lucro ou dividendo superior a 50 mil reais, estando R$ 50 mil já isentos, na mesma lei, aproxima a retenção de fonte dos empréstimos compulsórios sem edição de lei complementar (e sem juros e correção monetária). É verdade, o STF considerou constitucionais as retenções de fonte ordinárias, como antecipação do imposto a pagar ao final do exercício, mas em tal hipótese há determinada aleatoriedade, como as despesas médicas imprevisíveis, por exemplo.

Persiste esse problema pois as retenções de fonte sempre foram um instrumento arrecadatório bem vantajoso para a Fazenda. E o PL 1.087/2025 conta com tal mecanismo para alimentar seus cofres. Os objetivos nobres do projeto justificam as correções sugeridas e outras a serem feitas para que sua eficiência aumente, restabelecendo-se a segurança jurídica e a confiança.

 


[1] Cf.DERZI, Misabel de Abreu e FONSECA, Fernando Daniel de Moura. Reforma Tributária, Imposto de Renda Mínimo e Tributação de Lucros e Dividendos. Forum. Belo Horizonte, 2020.

Autores

  • é doutora em Direito Tributário pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), professora emérita de Direito Tributário e Financeiro da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), presidente Honorária da Associação Brasileira de Direito Tributário (Abradt) e membro da Fondation des Finances Plubiques (Fondafip). Advogada.

  • é residência pós-soutoral em Direito Tributário na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mestre e doutor em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (USP), Master of Laws (LL.M.) pela New York University (NYU), especialista em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), advogado e contador.

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