A nova era das citações e intimações: é prudente a virada pretendida pelo CNJ?
16 de maio de 2025, 11h18
O avanço da tecnologia digital, automação e inteligência artificial no Judiciário brasileiro, impulsionado pelo Programa Justiça 4.0, vem ganhando contornos cada vez mais definitivos com a criação do Domicílio Judicial Eletrônico (DJE) e do Diário da Justiça Eletrônico Nacional (Djen). Regulamentadas pela Resolução CNJ nº 455/2022, alterada pela Resolução nº 569/2024, essas ferramentas almejam centralizar e automatizar as comunicações processuais no país em um único sistema de acompanhamento e monitoramento de intimações.

Contudo, por trás das promessas de isonomia e eficiência, a ausência de adequação dos setores jurídicos das empresas e dos advogados à nova rotina digital pode colocar em risco princípios norteadores dos processos judiciais, como contraditório, ampla defesa e a própria segurança jurídica.
A proposta do CNJ é ambiciosa: unificar todas as citações, intimações e notificações em um único ambiente eletrônico padronizado. A meta — desejável — é uma Justiça mais célere, transparente e moderna. Porém, os meios escolhidos suscitam inquietações legítimas quanto à razoabilidade e proporcionalidade da transição, sobretudo quando se impõe aos jurisdicionados um ônus desmedido de adaptação tecnológica.
Empresas privadas e entes públicos foram obrigados a se cadastrar no DJE até 30 de maio de 2024, sob pena de cadastramento compulsório. A partir dessa data, a nova proposta do CNJ acaba por inverter a lógica então existente: antes, a prioridade era que as citações ocorressem de forma pessoal (por correio ou oficial de justiça); agora, a prioridade ou a ser a citação por meio do DJE. Ou seja: não basta ser citado, é preciso confirmar eletronicamente; caso contrário, não sendo apresentada justificativa para a ausência de confirmação da ciência, poderá ser aplicada multa de 5% sobre o valor da causa, nos termos do artigo 246, §1º-C, do C! O cenário apresentado inequivocamente relativiza o princípio da ciência inequívoca — pilar do devido processo legal — sob o pretexto da “eficiência digital”.
Teoria e prática
A lógica binária do sistema pode parecer arrojada aos olhos da informática, mas é contraditória na prática forense. O Judiciário, que deveria zelar pela isonomia, institucionaliza uma assimetria: grandes departamentos jurídicos, com a possibilidade de ampliar e fortalecer sua estrutura tecnológica, seguem ilesos; pequenos escritórios e entes desestruturados enfrentam riscos reais de inércia processual.

Além disso, para aumentar as incertezas relacionadas à proposta do CNJ, o prazo de adaptação conferido aos tribunais vem sendo sistematicamente adiado, o que demonstra a dificuldade dos tribunais do país em se adaptar à nova sistemática. Hoje, a previsão de conclusão da transição e de início da obrigatoriedade plena da nova sistemática de intimações é 15 de maio de 2025. A partir dessa data, poderá se instaurar uma fase de transição híbrida e potencialmente caótica, com coexistência de sistemas distintos e divergência nas práticas processuais. A uniformização pretendida, nesse período, é mais teórica do que real. Há risco evidente de decisões conflitantes e insegurança sobre qual canal deve ser monitorado, o que vem ensejando a atuação contínua das regionais da Ordem dos Advogados do Brasil na postergação do início do envio das intimações pelo Djen.
O CNJ parece desconsiderar que o Direito Processual não é mero conjunto de fluxos automatizáveis, mas campo em que direitos fundamentais estão em jogo. A automação de práticas da justiça deve servir ao processo, e não o contrário. A comunicação processual eficaz exige mais que tecnologia: exige empatia institucional com a desigualdade de capacidades entre os atores da Justiça.
Portanto, se o Domicílio Judicial Eletrônico inaugura uma nova era, que não seja à custa da surpresa, da penalidade desproporcional e da ilusão de uma universalização digital que ainda não é realidade em todo o país. O processo eletrônico não pode se tornar sinônimo de processo automático. Porém, para ser justa, a inovação precisa ser inclusive.
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