Opinião

Aumento da judicialização do assédio moral exige que empresas monitorem melhor riscos psicossociais

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16 de maio de 2025, 21h34

Dados do Ministério da Previdência Social recentemente publicados indicam que, em 2024, o país registrou o maior número de afastamentos por transtornos mentais em uma década, com 472 mil licenças concedidas, aproximadamente 67% a mais que no ano anterior. Os números lançam luz sobre um tema de extrema relevância: o assédio moral em ambiente de trabalho.

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Sua magnitude pode ser aferida no âmbito judicial: entre 2020 e 2023, os tribunais trabalhistas julgaram 419.342 ações sobre assédio moral e sexual, com um aumento de 44,8% nos casos de assédio sexual e de 5% nos casos de assédio moral. Esse expressivo crescimento não deve ser interpretado, necessariamente, como um aumento dessas práticas no ambiente de trabalho. Ele reflete, na verdade, uma maior conscientização das vítimas em relação aos seus direitos, o que tem levado um número crescente de trabalhadores a buscar a reparação judicial.

Foi nesse cenário que o Ministério do Trabalho e Emprego atualizou a Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), que exige que as empresas incluam os riscos psicossociais, dentre os quais se incluem os prejuízos trazidos pela prática de assédio moral, no Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) e implementem um plano de ação de medidas preventivas e corretivas, monitorando e revisando periodicamente os riscos e a eficácia das medidas de prevenção implementadas.

Identificação de riscos psicossociais

A partir de 26 de maio, as empresas deverão identificar e gerenciar os riscos psicossociais no ambiente de trabalho, como sobrecarga, falta de autonomia, jornadas excessivas, assédio moral e insegurança no emprego, com o objetivo de criar ambientes mais seguros e prevenir problemas de saúde mental. A nova versão da NR entrará em vigor de forma paulatina e, até 2026, não haverá aplicação de multas às empresas em razão do descumprimento da norma.

A publicação da norma evidencia que o “assédio moral” não é só uma questão de opinião, devendo ser tratado como um risco psicossocial a ser observado pelas empresas, as quais poderão buscar a identificação desses fatores por meio da efetiva participação dos trabalhadores no processo de identificação de riscos, de questionários de diagnósticos individuais e coletivos, análise quanto ao estabelecimento de metas e organização do trabalho e estilo de gestão, entre outros, sendo importante também a contribuição de profissionais das áreas da saúde nesse processo, como psicólogos e médicos do trabalho.

No contexto trabalhista, o assédio moral pode ser vertical descendente (atingindo o subordinado); vertical ascendente (sendo a vítima o superior hierárquico); e horizontal (o agente e a vítima possuem o mesmo nível hierárquico). Assim, embora menos comum, verifica-se que a prática pode também vitimar os superiores, como no caso de um ex-gerente do Banco do Brasil que foi assediado moralmente por seus subordinados. Ele alegou que denunciou irregularidades cometidas pelos funcionários, que usaram sua influência sindical contra ele, resultando no desenvolvimento de ansiedade e afastamento previdenciário, razão pela qual o Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo manteve a condenação por assédio, com indenização de R$ 150 mil a título de danos morais e valores retroativos referentes a gratificações de função.

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O assédio moral é, assim, considerado de alta gravidade pelos tribunais, sendo massivamente rechaçado, a ponto de justificar a condenação ao pagamento de danos morais coletivos, como ocorreu com uma outra instituição financeira, condenada a pagar R$ 500 mil em danos morais coletivos, devido à manutenção de trabalhadores em uma área isolada, conhecida como “aquário”, onde eram atribuídas apenas tarefas burocráticas, sem interação com os demais colegas e com o ao sistema, configurando uma situação humilhante e prejudicial à dignidade e integridade profissional.

Ações do Poder Judiciário

Em razão do crescente ajuizamento de ações sobre o tema, o Poder Judiciário vem implementado diversas iniciativas no combate ao assédio, o que pode ser observado com publicações como  o Guia Prático por um Ambiente de Trabalho + Positivo, do Liderança Responsável: Guia para Prevenir e Enfrentar o Assédio, a Violência e a Discriminação (2024) e do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero (2022), bem como a implementação do Monitor do Trabalho Decente, uma ferramenta que reúne dados e informações sobre processos envolvendo questões como trabalho infantil, assédio, contratos de aprendizagem e trabalho análogo à escravidão.

Nessa mesma linha, no fim do ano ado, o Ministério Público do Trabalho lançou o 2° Manual de Boas Práticas para Promoção de Igualdade de Gênero, cujo principal objetivo é fornecer diretrizes para a iniciativa privada e a istração pública para melhorar a gestão institucional e a promoção da igualdade de gênero no ambiente de trabalho, refletindo o compromisso de criação de um ambiente laboral livre de assédio.

A legislação brasileira prevê programas de promoção do bem-estar dos empregados, como o Programa Emprega + Mulheres (2022) e o Programa Empresa Cidadã (2008). Há também o novo Certificado Empresa Promotora da Saúde Mental (Lei nº 14.831/2024), com validade de dois anos, a ser concedido pelo governo federal, mas que ainda não foi regulamentado. Ele vai funcionar como um selo estratégico que as empresas em materiais promocionais, atestando seu compromisso com a saúde dos colaboradores e destacando sua responsabilidade social, o que pode atrair mais investimentos, exigindo, ao mesmo tempo, a revisão constante das políticas internas, para garantir a continuidade das iniciativas monitoradas.

Mais do que nunca, as empresas devem implementar medidas afirmativas que promovam a eliminação da divisão sexual do trabalho e desenvolver estratégias para a criação de políticas internas eficazes no enfrentamento do assédio moral, especialmente em relação às mulheres. A implementação dessas diretrizes está estreitamente alinhada ao pilar Social do ESG, refletindo o compromisso das empresas com a equidade, transparência e respeito aos direitos humanos, garantindo que estejam preparadas para os desafios e oportunidades de um ambiente de negócios mais inclusivo e sustentável.

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