Opinião

Compensa a reforma do Código Civil nos moldes do Projeto de Lei nº 4?

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17 de maio de 2025, 6h04

O projeto de reforma do Código Civil formalizado por meio do Projeto de Lei nº 4, de 2025, em trâmite atualmente no Senado, é de extrema importância para a sociedade. Afinal, civil é “o ramo do direito que mais se aproxima do cotidiano das pessoas” [1], além de pretender mexer com quase 1.200 dispositivos [2].

Spacca
Projeto propõe alterar mais de 1.100 artigos do Código Civil

Pelo enorme impacto, seria relevante maior tempo de análise e maturação das ideias e das proposições. Apesar disso, como também ressaltado pelo senador Rodrigo Pacheco na citada justificação ao projeto, “a Comissão elaborou um texto primoroso em tempo recorde”.

Não refletir sobre o sistema jurídico do Código Civil pode levar a mais problemas que soluções, embora estas certamente estejam nas intenções dos juristas integrantes da comissão.

Uma reforma de Código Civil não se trata apenas de mudar artigos que geram polêmicas acadêmicas ou disputas judiciais. Há o dia a dia das pessoas, das empresas, dos governos, e isso precisa ser avaliado, ouvido.

Falta de debate com a sociedade

A falta de discussão com a sociedade em geral tem gerado críticas negativas de outros operadores do direito [3], e, mais importante, da própria sociedade. Ao consultar o projeto de lei no site do Congresso Nacional, é possível verificar que a opinião contra supera em mais que o dobro a opinião favorável [4].

Atualizar leis não é uma má-conduta. Obviamente não é nossa intenção ser contra atualização de lei. Contudo, faz-se necessário mais que técnica jurídica e legislativa, deve-se conferir a adequação de conteúdo e de momento.

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Estamos há poucos meses do início efetivo da reforma tributária. As dúvidas tributárias, fiscais, contábeis e financeiras são tremendas. A incerteza e a insegurança já percorrem as veias dos contribuintes.

Além da quantidade conjunta de mudanças em si (reforma tributária e reforma do Código Civil), os conceitos de direito privado, boa parte presentes no Código Civil, são definidores da forma de interpretação da norma tributária, conforme artigos 109 e 110 do Código Tributário Nacional[5] [6].

As mudanças compensam?

Faz sentido, nesse momento, alterar mais de 1.000 (mil) dispositivos do Código Civil?

Podemos ter, num só momento, dúvidas e discussões sobre a interpretação do conceito civil-empresarial e da norma tributária. A título de exemplo, isso pode ocorrer em matéria de sucessões, que está recebendo um grande volume de alterações no Projeto de Lei nº 4/2025, e, com a reforma tributária, também é uma matéria com relevantes alterações, em especial na tributação de heranças.

Outro provável problema está relacionado aos fundos de investimentos, alterando sua natureza jurídica atual de condomínios especiais, sem, no entanto, estabelecer legalmente sua característica, o que vai causar discussões e alterações fiscais-tributárias, causando mais insegurança jurídica, como já apontado por Judith Martins-Costa, Erasmo França e Cristiano Zanetti, professores da USP[7].

Dito isso, cabe aos congressistas convocar a sociedade para debater a necessidade de reforma do Código Civil, sugerindo, inclusive, que seja realizada em partes, por temas específicos, iniciando pelo que for considerado mais urgente e relevante.

Não há necessidade, tampouco urgência, de alterar mais de mil dispositivos em um só projeto de lei.

Também é recomendável que as alterações sejam pensadas sistematicamente, lembrando que a vida não é dividida em matérias. As decisões sobre o projeto de reforma do Código Civil vão afetar muito mais que as discussões civis, repercutindo em questões tributárias, financeiras, empresariais, dentre inúmeras outras.

 


[1] Justificação do Projeto de Lei nº 4, de 2025, nas palavras do Senador Rodrigo Pacheco (PSD/MG). Íntegra disponível em https://www.congressonacional.leg.br/materias/materias-bicamerais/-/ver/pl-4-2025. o em 01/05/2025.

[2] Considerando os 897 revogados ou modificados, e os 300 acrescentados, conforme informações do Senador Rodrigo Pacheco (PSD/MG) na justificação do Projeto de Lei.

[3] https://valor.globo.com/politica/noticia/2025/04/22/reforma-do-codigo-civil-e-criticada-por-especialistas.ghtml. o em 01/05/2025.

[4] Contra o Projeto de Lei (NÃO): 193. A favor do Projeto de Lei (SIM): 81. Resultado apurado em 2025-05-13 às 07:56. https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/166998

[5] Art. 109. Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários.

Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.

[6] Ao comentar o art. 109 do CTN, o professor Cristiano Carvalho explica que:

“O dispositivo em tela demarca rigorosamente a separação entre direito tributário e direito privado. Deve-se ter em conta que, diferentemente de diversos segmentos do ordenamento jurídico, as normas tributárias não se dirigem às condutas sociais puras, colhidas do ambiente social de entorno. Conforme lição clássica de Gian Antonio Michelli, o direito tributário positivo é um direito de sobreposição ao direito privado. Isso significa que as hipóteses tributárias são construídas de modo a incidir em situações já reguladas, em sua maior parte, pelo direito civil e comercial.

Por tratar-se de um direito positivo de sobreposição, que incide sobre situações jurídicas ou fáticas já reguladas pelo ordenamento, o aplicador do direito tributário tão-somente tem o condão de impor efeitos fiscais àquelas situações”. Comentários ao Código tributário nacional. Marcelo Magalhães Peixoto e Rodrigo Santos Masset Lacombe, coordenadores. 2ª edição revista e ampliada. São Paulo : MP Editora, 2008, p. 930-931.

[7] https://valor.globo.com/opiniao/coluna/o-novo-codigo-civil-contra-a-economia.ghtml. o em 07/05/2025.

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