Opinião

Ação monitória contra a Fazenda Pública

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21 de maio de 2025, 21h29

Em ado relativamente recente, a doutrina processual divergia acerca do cabimento da ação monitória contra a Fazenda Pública [1]. A questão, porém, acabou arrefecida há 18 anos, com a edição do Enunciado nº 339 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça: “é cabível ação monitória contra a Fazenda Pública”. Embora pacificado o seu cabimento, a demanda injuntiva contra o poder público ainda merece reflexão sob o prisma da efetividade da tutela jurisdicional.

Fernando Bizerra / Agência-Senado

O artigo 700, § 6º, do Código de Processo Civil (C) dispõe que, no procedimento monitório (artigos 700 a 702), “sendo a ré Fazenda Pública, não apresentados os embargos previstos no artigo 702 [prazo de 30 dias: artigos 701 e 183], aplicar-se-á o disposto no artigo 496, observando-se, a seguir, no que couber, o Título II do Livro I da Parte Especial” (artigo 701, § 4º).

Desse modo, o C define expressamente que a decisão constitutiva do mandado monitório deve submeter-se, quando for o caso (artigo 496, §§ 3º e 4º), à remessa necessária e que a subsequente fase executiva deve regular-se pelo rito do cumprimento de sentença, segundo sua compatibilidade procedimental com as respectivas espécies obrigacionais.

Eventual alegação de impropriedade da ação monitória contra o poder público sob o fundamento de suposta inoperância prática é respondida pelo C com um regime mais restritivo, comparativamente com o estatuto anterior, quanto às hipóteses de issão da remessa necessária (artigo 496, §§ 3º e 4), ao o em que equipara a decisão concessiva do mandado monitório às decisões sujeitas a reexame obrigatório (artigo 496, I) e à ação rescisória (artigo 701, § 3º).

Cabimento da remessa necessária

Uma das principais peculiaridades da ação monitória contra a Fazenda Pública, analisada sob o viés da efetividade processual, pauta-se no alcance que se deva emprestar aos artigos 700, § 6º, e 701, § 4º do C, nas hipóteses de oposição de embargos parciais à ação monitória, oferecidos pela Fazenda Pública, à luz da regra geral de que a parcela incontroversa constitui “de pleno direito o título executivo judicial” (artigo 702, § 7º).

Em outras palavras, interessa saber se, opostos embargos parciais pela Fazenda Pública, caberá ou não remessa necessária em relação à respectiva parcela não embargada. Caso a resposta seja positiva, exige-se a formação de autos suplementares (excepcionando a regra do artigo 702, § 7º), a exemplo do que deva ocorrer em remessa necessária da decisão parcial de mérito proferida em desfavor do ente fazendário; se negativa a resposta, cabe analisar os reflexos da ausência de remessa necessária quanto aos limites da atividade cognitiva sujeita à incidentalização na fase de cumprimento de sentença.

Spacca

A constatação é especialmente relevante porque, sob a vigência do C anterior, prevalecia o entendimento jurisprudencial de que, na respectiva fase de execução, a Fazenda Pública deveria ter a oportunidade de “mais uma vez […] oferecer embargos à execução de forma ampla [sem limitação à atividade cognitiva posterior]” [2], conduzindo à abalizada constatação de que, na prática, era afastada “toda efetividade e pertinência da utilização da via monitória” contra a Fazenda Pública [3].

Se a Fazenda Pública pudesse, em sede de impugnação ao cumprimento de sentença, restaurar matérias que deveriam ter sido alegadas em embargos monitórios (não oferecidos), a própria justificativa de constituição da tutela jurisdicional diferenciada estaria esvaziada.

Por esse motivo, dada a organicidade do sistema processual, o artigo 701, § 4º, do C deve ser aplicado – e instrumentalizado em autos suplementares, quando cabível a remessa necessária (artigo 496, §§ 3º e 4º) – também às hipóteses de apresentação parcial de embargos monitórios fazendários. Interpretação diversa militaria exatamente em desfavor da efetividade processual que se pretende alcançar com a técnica de monitorização.

Afinal, a própria ratio essendi da remessa necessária na ação monitória contra a Fazenda Pública está coadunada com o fato de que se constitui, por intermédio dessa modalidade de tutela injuntiva diferenciada, título executivo judicial, apto à subsequente abertura da fase de cumprimento de sentença, na qual a defesa incidental da devedora estará horizontalmente limitada às matérias não acobertadas pela autoridade da coisa julgada; eis o motivo de a norma processual equiparar a decisão concessiva do mandado monitório às decisões sujeitas a reexame obrigatório (artigo 496, I) e à ação rescisória (artigo 701, § 3º).

Por fim, também quanto à ausência de oposição de embargos monitórios pela Fazenda Pública, cumpre esclarecer a inissibilidade da atuação supletiva do Ministério Público para seu oferecimento, ao contrário do que fora defendido por parte da doutrina [4]; afinal, como já reiteradamente mencionado, o interesse típico do erário jamais há de se confundir com o interesse público primário justificador de eventual atuação do órgão ministerial (artigo 176, I, § 1º, do C).

 


[1] Historicamente, contra o cabimento de ação monitória em face da Fazenda Pública, sob a alegação, em síntese, de sua incompatibilidade com o instituto da remessa necessária e com o regime de precatório, cf.: MARCATO, Antonio Carlos. Ação monitória: seu regime jurídico e a Fazenda Pública. In Direito processual público: a Fazenda Pública em juízo. Coords. Carlos Ari Sundfeld e Cassio Scarpinella Bueno, p. 196-211. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 209-11; CRUZ E TUCCI, José Rogério. Ação monitória. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 74-8; GRECO FILHO, Vicente. Comentários ao procedimento sumário, ao agravo e à ação monitória. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 52; THEODORO JÚNIOR, Humberto. As inovações no Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 80. A favor do cabimento de ação monitória contra a Fazenda Pública, à luz do C/1973 e ainda antes de sumulado o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, cf.: GRINOVER, Ada Pellegrini. Ação monitória. In Ensaios Jurídicos – O Direito em Revista, v. 4. Rio de Janeiro: IBAJ, 1997, p. 383; ALVIM, J. E. Carreira. Processo monitório. 5. ed. Curitiba: Juruá, 2005, p. 130-2; ALVES, Francisco Glauber Pessoa. A realização pecuniária contra a Fazenda Pública, seu panorama atual e as novidades da Emenda Constitucional 30/00. In Processo de execução. Coords. Sérgio Shimura, Teresa Arruda Alvim Wambier, p. 393-445. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 406-10.

[2] Nesse sentido: “O procedimento monitório não colide com o rito executivo específico da execução contra a Fazenda Pública previsto no art. 730 do C [de 1973]. O rito monitório, tanto quanto o ordinário, possibilita a cognição plena, desde que a parte ré ofereça embargos. No caso de inércia na impugnação via embargos, forma-se o título executivo judicial, convertendo-se o mandado inicial em mandado executivo, prosseguindo-se na forma do Livro II, Título II, Capítulo II e IV (execução stricto sensu), propiciando à Fazenda, mais uma vez, o direito de oferecer embargos à execução de forma ampla, sem malferir princípios do duplo grau de jurisdição; da imperiosidade do precatório; da impenhorabilidade dos bens públicos; da inexistência de confissão ficta; da indisponibilidade do direito e não-incidência dos efeitos da revelia” (STJ, 1ª Seção, REsp n. 434.571/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, Rel. p/ acórdão Min. Luiz Fux, DJ 20.3.2006; excerto da ementa). No mesmo sentido: STJ, 1ª Turma, REsp n. 687.173/PB, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 12.9.2005; 1ª Turma, REsp n. 215.526/MA, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 7.10.2012; 2ª Turma, REsp n. 765.774/SC, Rel. Min. Humberto Martins, DJ 30.10.2006.

[3] MARCATO, Antonio Carlos. Ação monitória: seu regime jurídico e a Fazenda Pública… p. 210.

[4] Pela possibilidade de legitimação do Ministério Público para o oferecimento de embargos monitórios, na hipótese de omissão da Fazenda Pública, cf.: CARVALHO, Antonio. A tutela monitória no C/2015. In Novo C – Doutrina Selecionada, v. 4: Procedimentos Especiais, Tutela Provisória e Direito Transitório. Coord. Fredie Didier Jr. Orgs. Lucas Buril de Macêdo, Ravi Peixoto e Alexandre Freire. Coord. Geral: Fredie Didier Jr. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 534.

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