Advocacia pública e liberdade profissional: solução de equilíbrio proposta pelo ministro Fux
21 de maio de 2025, 6h05
Há mais de uma década discute-se, tanto na esfera política quanto na acadêmica, a possibilidade de os membros da Advocacia-Geral da União exercerem a advocacia privada fora das atribuições institucionais [1].

A controvérsia gira em torno de um aparente paradoxo: por que se permite tal exercício a procuradores de Estado, procuradores de municípios e até advogados do Senado, todos integrantes da advocacia pública, e se veda essa mesma prerrogativa aos advogados da União, procuradores federais, procuradores do Banco Central e procuradores da Fazenda Nacional?
O recente julgamento do Recurso Extraordinário nº 609.517, com repercussão geral reconhecida, traz novos contornos a essa discussão. O ministro Cristiano Zanin propôs a seguinte tese: “é inconstitucional a exigência de inscrição do advogado público nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil para o exercício das atividades inerentes ao cargo público”.
Apesar de reconhecer a desnecessidade da inscrição compulsória, o relator ainda itiu a possibilidade de inscrição voluntária, a fim de permitir aos advogados públicos o usufruto das prerrogativas previstas no Estatuto da OAB, afastando, com a devida vênia, todos os argumentos dos ministros Edson Fachin, André Mendonça e Nunes Marques, que entendem que a não obrigatoriedade iria deixar o advogado público desguarnecido.
Contudo, entende-se que a posição do ministro Luiz Fux foi a que apresentou a saída mais justa, técnica e constitucionalmente adequada. O nobre julgador defendeu uma solução intermediária: quando houver vedação legal ao exercício da advocacia privada, a inscrição na OAB não deve ser exigida.
Por outro lado, se houver autorização para que o advogado público atue na esfera privada, a inscrição deve ser obrigatória. Ou seja, o vínculo com a OAB dependeria da possibilidade de atuação externa. Trata-se de uma proposta que conjuga coerência jurídica com racionalidade prática, respeitando os limites constitucionais da liberdade profissional, da isonomia e da moralidade istrativa.
Essa posição, além de equilibrada, oferece uma oportunidade institucional para a própria OAB repensar sua relação com a advocacia pública federal. Ao invés de insistir numa vinculação compulsória, poderia a Ordem atuar estrategicamente para conquistar a adesão voluntária desses profissionais, oferecendo, como contrapartida, a tão almejada advocacia plena, com possibilidade de atuação fora das atribuições estatutárias – como já ocorre com as carreiras irmãs nos âmbitos estadual e municipal.

A tese do ministro Fux encontra forte eco em premissas irrebatíveis:
– a restrição ao exercício da advocacia privada não se sustenta à luz do princípio da isonomia, pois carreiras equivalentes, inclusive na esfera federal, estão isentas da proibição;
– não há compatibilidade entre tais restrições e o direito fundamental ao livre exercício profissional;
– o Estatuto da OAB não proíbe o exercício da advocacia privada por advogados públicos, limitando-se a prever impedimento de atuação contra a Fazenda que os remunera;
– não há risco à moralidade istrativa nem à independência funcional, como demonstram os exemplos de ministros do Supremo oriundos de Procuradorias estaduais;
– inexiste qualquer elemento concreto que aponte para riscos de “captura” ou “contaminação” por interesses externos.
Tratamento jurídico diferenciado e violação da proporcionalidade
Esses pontos são reforçados por importante trecho da manifestação do advogado-geral da União nos autos da ADI 5.334: “O legislador não pode submeter os advogados a tratamentos jurídicos diferenciados no que diz respeito ao exercício, em si, da advocacia, ou seja, naquilo que é comum a todos esses profissionais. Isso corresponderia a tratar desigualmente os iguais”.
Ademais, até mesmo magistrados oriundos da advocacia, quando designados para compor os Tribunais Regionais Eleitorais como representantes da classe, não precisam se afastar do exercício da advocacia, conforme assentado pelo STF na ADI 1.127, sendo-lhes imposto apenas o impedimento natural de atuar perante a Justiça Eleitoral.
É fato público e notório que os procuradores de Estado e de municípios mantêm vínculos mais próximos e ativos com a Ordem dos Advogados do Brasil, inclusive ocupando cargos nas seccionais, participando de comissões temáticas e contribuindo com os debates institucionais. Isso se deve, em grande parte, ao fato de poderem advogar na seara privada, o que naturalmente os aproxima do cotidiano forense e da estrutura corporativa da advocacia.
Portanto, ao se itir a possibilidade de inscrição obrigatória nos casos em que for liberado o exercício da advocacia privada pelos membros da AGU, cria-se um incentivo legítimo e positivo para que a OAB e a atuar com mais vigor pela aprovação de normas que garantam, em todas as esferas da advocacia pública, o direito à chamada advocacia plena. Não apenas para os atuais quadros da União, mas para a harmonização institucional de toda a advocacia pública brasileira, promovendo isonomia, inclusão e valorização profissional.
A vedação absoluta imposta aos membros da AGU viola o princípio da proporcionalidade, pois há outras medidas legais menos gravosas e igualmente eficazes para prevenir abusos, como o impedimento de advogar contra a Fazenda que os remunera (artigo 30, inciso I, da Lei nº 8.906/1994).
Não se pode itir a convivência de regimes tão contraditórios, que minam a coesão institucional e desvalorizam a advocacia pública federal. Ao propor uma saída técnica, equilibrada e constitucionalmente robusta, o ministro Fux não apenas resolveu um ime histórico, mas abriu caminho para uma solução de amadurecimento institucional. Que ela, então, prevaleça.
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