Opinião

Aplicação do CDC ao produtor rural: da vulnerabilidade e da teoria do destinatário final

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  • é advogado associado no Escritório Álvaro Santos Sociedade de Advogados pós-graduado em Direito Imobiliário pós-graduando em Direito Civil e Processo Civil e graduado em Direito pelo Universidade Federal de Jataí (GO).

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21 de maio de 2025, 19h34

Caro colega, antes de ingressar diretamente no tema central deste artigo, proponho uma breve reflexão: imagine que você, operador do Direito, decide adquirir um novo computador para uso profissional. Após a compra, descobre que o equipamento apresenta um vício que compromete seu pleno funcionamento. Haveria dúvida quanto à aplicação do Código de Defesa do Consumidor nesse caso?

123RF

Pois bem. O Código de Defesa do Consumidor se aplica quando comprovada a existência de relação de consumo. Rizzato Nunes define tal relação da seguinte forma: “(…) haverá relação jurídica de consumo sempre que se puder identificar num dos polos da relação o consumidor, no outro, o fornecedor, ambos transacionando produtos e serviços” [1].

Ao conceituar a figura do consumidor, o Código Consumerista o prevê como “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final [2]. O fornecedor, por sua vez, pode ser definido como:

“…toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços” [3].

Característica intrínseca

Tratando-se de relação de consumo, importante frisar outra característica do consumidor que deve ser evidenciada: a sua vulnerabilidade. Entender o consumidor como vulnerável é tão importante que os legisladores fizeram constar expressamente no Código Consumerista a necessidade de “reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo” [4].

Por meio desse reconhecimento que, como bem expõe Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpção Neves, é elemento posto, inerente a sua existência [5], o Código de Defesa do Consumidor estabelece, como um dos direitos básicos do consumidor, “a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem” [6].

Spacca

Resta evidente que a vulnerabilidade é característica intrínseca do consumidor.  Além disso, não há qualquer distinção ou exclusão em relação àquele que exerce atividade agropecuária. O fato de ser produtor rural, não retira seu enquadramento como consumidor. Quando presente a vulnerabilidade técnica do adquirente do produto, esse deve ser considerado consumidor para fins de aplicação do CDC, independente da função que exerça.

Produtor rural

Nesse sentido, não se pode considerar que por ser produtor rural o autor tenha conhecimento próximo aos dos fornecedores, em relação a um maquinário, por exemplo. Seria o mesmo que alegar que um advogado ou juiz possui domínio equiparável ao de um técnico de informática, simplesmente por usar um computador em sua atuação profissional.

Mas o conceito de vulnerabilidade não costuma ser a única tese utilizada para se indeferir a aplicação do CDC ao produtor rural. A grande maioria dos julgados caminha na direção de entender que o produtor não se enquadra como destinatário final e, por isso, não se deve aplicar o Código Consumerista.

Contudo, o conceito de destinatário final deve ser interpretado de maneira funcional e protetiva. O produtor rural, ao adquirir uma máquina ou implemento agrícola para uso em sua própria atividade — e não para reá-la a terceiros ou comercializá-la — está, sim, agindo como destinatário final. Ele não transforma o produto, não o integra a um processo industrial para revenda: ele o utiliza como instrumento de trabalho, assim como um advogado utiliza um computador ou um médico utiliza um estetoscópio. Trata-se de consumo instrumental, que não descaracteriza a finalidade finalística da aquisição.

Diante de todo o exposto, é preciso romper com a resistência, muitas vezes indiscriminada, de negar ao produtor rural a proteção conferida pelo Código de Defesa do Consumidor. De fato, há casos em que não será aplicável. Mas negar-lhes a proteção do CDC, quando comprovada sua vulnerabilidade e a destinação final do produto ou serviço, é, sem dúvidas, uma clara afronta à lei consumerista e ao artigo 5° da Constituição.

 


[1] NUNES, Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. – 8. ed. rcv., atual. E ampl. – Sao Paul: Saraiva, 2015, p. 151

[2] Código de Defesa do Consumidor: Art. 2, caput

[3] Código de Defesa do Consumidor: Art. 3, caput

[4] Código de Defesa do Consumidor: Art. 4, I

[5] TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. – 7. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018, 49.

[6] Código de Defesa do Consumidor: Art. 06, inciso III.

Autores

  • é advogado associado no Escritório Álvaro Santos Sociedade de Advogados, pós-graduado em Direito Imobiliário, pós-graduando em Direito Civil e Processo Civil e graduado em Direito pelo Universidade Federal de Jataí (GO).

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