Após as eleições em Portugal, penso em como acabou a 1ª República
21 de maio de 2025, 13h21
Há cem anos, a 1ª República Portuguesa vivia o seu último ano. Mas ignorava isso. Os governos caíam uns a seguir aos outros, mas apesar de tudo a República tinha sobrevivido à 1ª Guerra Mundial, da qual Portugal participou, e a inúmeras crises políticas de violência variável, desde a Noite Sangrenta de 1921, em que vários políticos foram assassinados, até ao homicídio do presidente de perfil caudilhista Sidónio Pais, em dezembro de 1918, no fim da guerra.

António Salazar em sua mesa de trabalho, com retrato autografado de Mussolini
Comparativamente, 1925 parecia um ano calmo. Começou com um governo de esquerda, carinhosamente apelidado de “o governo canhoto”, que legalizou o direito à greve e à atividade sindical. Aos canhotos opunham-se os chamados bonzos, republicanos centristas ou conservadores que formaram os seguintes governos e tentaram resolver sem sucesso problemas práticos como o da escassez de tabaco.
O que ninguém imaginava é que, ao mesmo tempo, um vigarista talentoso chamado Artur Virgílio Alves dos Reis estava a introduzir em circulação moeda falsa que seria o equivalente a € 5 bilhões aos preços de hoje, provocando por si só um aumento da inflação no país. As notas falsas eram indetectátveis porque eram produzidas pela mesma tipografia e as mesmas chapas que imprimiam as notas verdadeiras. Alves dos Reis tinha conseguido enganar a empresa impressora, que ficava na Inglaterra, através de cartas falsificadas.
A fraude de Alves dos Reis não foi a única coisa que provocou o fim da 1ª República Portuguesa, mas foi um elemento importante no descontentamento que levou os oficiais do exército a dar o golpe militar que viria a dar origem ao Estado Novo português e que roubou o meu país da possibilidade de ser democrático durante 48 anos.
Curiosamente, um dos grandes cúmplices de Alves dos Reis, Diogo Pacheco de Amorim, era amigo de António Salazar, que viria a ser o ditador mais longevo da Europa. A ditadura acusou a nossa República velha de corrupção, mas a corrupção nasceu bem perto dos seus fundadores.
Lição
Cem anos depois, acho que a principal lição que devemos tomar de exemplos como este é a seguinte: os regimes caem depressa, e olha que os nossos anteados não eram mais estúpidos do que nós.
Estes são os pensamentos que me ocupam ao refletir sobre as eleições que ocorreram este domingo (18) em Portugal. Pela primeira vez na história de 50 anos da nossa democracia, a mais longa que já tivemos, foi quebrado o bipartidarismo entre os grandes partidos de centro-esquerda e centro-direita, Partido Socialista e Partido Social-Democrata, pela emergência de um terceiro partido, de ultradireita, o Chega, que milita abertamente pelo fim da democracia.
Pela primeira vez, direita e a ultradireita juntas têm votos suficientes para mudar a Constituição da República Portuguesa saída da Revolução dos Cravos e consolidada na adesão à União Europeia.
E, curiosamente, o único verdadeiro ideólogo do partido de ultradireita chama-se Diogo Pacheco de Amorim, o mesmo nome do cúmplice da fraude que ajudou a acabar com a 1ª República, há quase cem anos. Eu sou historiador e não acredito em coincidências. Mas que elas existem, lá isso existem.
*artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo
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