Opinião

Contribuição de melhoria e os inconstitucionais programas de pavimentações comunitárias

Autor

  • é advogado sócio do escritório Dias Gonçalves e Bittencourt Advogados Associados especialista em direitos fundamentais e políticas públicas especialista em direitos humanos e ex-auditor fiscal tributário municipal de Barra Velha (SC).

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21 de maio de 2025, 9h19

Advogados que atuam com o Direito Tributário municipal certamente já se depararam com a cobrança denominada pavimentação comunitária, cujo instrumento é utilizado em grande parte por pequenos e médios municípios brasileiros.

Fernando Frazão/Agência Brasil

O débito é imposto quando o poder público transfere ao morador o custo de obras públicas de infraestrutura urbana — como asfaltamento, drenagem, meio-fio e calçamento — por meio de contratos firmados diretamente entre os moradores beneficiados e empresas privadas, servindo o ente público como mero intermediador entre os dois.

Embora apresentada sob as vestes de uma suposta cooperação entre comunidade e istração, o que ocorre, na verdade, é que tal fato se amolda perfeitamente à hipótese de incidência da Contribuição de Melhoria, prevista no artigo 145, III, da Constituição e regulada pelo Código Tributário Nacional.

Da leitura dos dispositivos identificamos que essa espécie tributária é um dos mais complexos e morosos de serem corretamente lançados pelos municípios, isso porque sua corretude depende da observância de diversos requisitos e etapas, dentre os quais é necessária a publicação de:

1) Edital prévio à execução da obra contendo: a) Memorial descritivo do projeto; b) Orçamento do custo total da obra; c) Determinação da parcela do custo da obra a ser financiada por contribuição de melhoria; d) Delimitação da área beneficiada (zona de influência); e) Cota individual presumida dos imóveis; f) Cronograma da obra; g) Data e local onde os documentos poderão ser consultados.

2) Edital após a execução da obra: a) Valor da contribuição atribuída a cada imóvel (cota individual de valorização); b) Elementos que permitam verificar a correção dos cálculos; c) Local e prazo para impugnação ou reclamação dos contribuintes (em regra, 30 dias); d) Prazo e forma de pagamento.

A existência de inúmeras condicionantes explica o fato de poucos municípios fazerem uso da Contribuição de Melhoria, o que faz com que muitos deles optem por vias alternativas, instituindo Programas de Pavimentação Comunitária, transferindo, como já dito, diretamente aos moradores o custo da obra, via contratos com empresas privadas.

Spacca

Em outras palavras, sob a aparência de uma adesão voluntária, o contribuinte acaba arcando com o custeio de obras públicas essenciais firmando contratos diretamente com empresas credenciadas pelo próprio ente municipal.

Resistência

Todavia, o que se verifica é a presença de um verdadeiro “regime híbrido” de arrecadação, em que o poder público transfere às empresas privadas a cobrança de um tributo disfarçado, alheio ao devido processo legal.

A ardilosa tentativa de subverter o esquema constitucional vem sendo rechaçada, acertadamente, pelo Poder Judiciário. A título de exemplo, a 2ª Turma Recursal do Tribunal de Justiça de Santa Catarina nos autos do Recurso Inominado 5003928-49.2020.8.24.0026, reconheceu a inconstitucionalidade de lei municipal que impôs ao particular o custeio de obras públicas básicas diretamente com empresa construtora, nestes termos:

“RECURSO INOMINADO. JUIZADO ESPECIAL FAZENDA. AÇÃO DECLARATÓRIA. TRIBUTÁRIO. MUNICÍPIO DE SCHROEDER.I LEGALIDADE DA INSTITUIÇÃO DO PROGRAMA MUNICIPAL DE PAVIMENTAÇÃO ASFÁLTICA E DA COBRANÇA PELA EMPRESA RÉ PAVIPLAN PAVIMENTAÇÃO LTDA. PELOS SERVIÇOS. SENTENÇADE PROCEDÊNCIA. […] MÉRITO. MUNICÍPIO DE SCHROEDER QUE INSTITUIU ATRAVÉS DALEI Nº 2000/2014 PROGRAMA MUNICIPAL DE PAVIMENTAÇÃO COMUNITÁRIA. EXECUÇÃO DE SERVIÇOS DE DRENAGEM, PAVIMENTAÇÃO E OBRAS COMPLEMENTARES DE INFRAESTRUTURA URBANA NOS LOGRADOUROS PÚBLICOS. EVIDENTE CRIAÇÃO DE TRIBUTO FORA DAS TAXATIVAS MODALIDADES TRIBUTÁRIAS CONSTITUCIONALMENTE PREVISTAS, ART. 145, DA CF, IMPONDO O CUSTEIO PARA REALIZAÇÃO DE OBRAS PÚBLICAS BÁSICAS PARA OS PARTICULARES SEM BASE LEGAL. INCONSTITUCIONALIDADE DA NORMA CORRETAMENTE RECONHECIDA. MUDANDO O QUEDEVE SER MUDADO, PRECEDENTES.” (TJ-SC, RECURSO CÍVEL n. 5003928-49.2020.8.24.0026, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Marco Aurelio Ghisi Machado, Segunda Turma Recursal, j. 7/5/2024).

A prática, segundo o julgado, constituiu verdadeira “criação de tributo fora das taxativas modalidades previstas na Constituição”, reconhecendo que o ressarcimento por obra pública “somente pode ocorrer mediante contribuição de melhoria, respeitados os requisitos do art. 3º do CTN”.

Da mesma forma entendeu o Tribunal de Justiça de São Paulo nos autos da Apelação Cível nº 1502776-11.2018.8.26.0472 ao reconhecer a ilegalidade do Plano Comunitário de Obras.

Conclui-se, portanto, que diversos municípios brasileiros, utilizando-se de verdadeira burla à Constituição, vêm onerando contribuintes – em sua maioria, leigos e desinformados – induzindo-os a arcar com valores totalmente inexigíveis.

É fundamental que os advogados tributários continuem vigilantes, denunciando tais práticas e conscientizando os contribuintes, evitando que — em especial neste caso — os entes municipais continuem fazendo sobre eles recair o custo daquilo que é, por definição, dever do poder público: o investimento em infraestrutura urbana com justiça fiscal, legalidade e transparência.

Autores

  • é advogado tributarista, sócio do escritório Dias Gonçalves e Bittencourt Advogados Associados com sede em ville (SC) e Videira (SC), ex-auditor fiscal tributário municipal e especialista em Direito Tributário, Direitos Humanos e Direitos Fundamentais e Políticas Públicas.

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