Há rescisão indireta pela ausência de pagamento de horas extras?
22 de maio de 2025, 10h14
Nos últimos tempos, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) tem reafirmado o seu entendimento nos mais diversos assuntos por meio da fixação de teses vinculantes, postura essa condizente de um órgão de uniformização da jurisprudência trabalhista, cujos precedentes buscam, ao final, pacificar os conflitos ainda existentes no âmbito dos Tribunais Regionais do Trabalho, promovendo, assim, maior previsibilidade nas decisões e segurança jurídica.

Neste novo cenário, uma questão que sempre trouxe muita polêmica e debates se refere ao não pagamento das horas extras pelo empregador. Tanto isso é verdade que num levantamento realizado pelo próprio TST, identificou-se que os temas de horas extras e do intervalo intrajornada foram tidos como assuntos mais discutidos nas ações trabalhistas em 2024, sendo que dentre 513 mil processos julgados, 70.508 eram sobre horas extras [1].
À vista disso, questiona-se: se, porventura, o empregador deixar de pagar, de forma reiterada, as horas extras devidas ao trabalhador, tal fato ensejará ruptura contratual pela rescisão indireta? Qual é o posicionamento hoje da jurisprudência à luz do entendimento da Corte Superior Trabalhista?
Por certo, considerando a sensibilidade que gira em torno da matéria, bem como as recentes diretrizes traçadas pelo TST, o assunto foi indicado por você, leitor(a), para o artigo da semana, na coluna Prática Trabalhista da revista eletrônica Consultor Jurídico [2], razão pela qual agradecemos o contato.
Rescisão indireta
Do ponto de vista normativo no Brasil, o artigo 483 da CLT [3] traz as hipóteses em que o contrato de trabalho poderá ser rescindido por iniciativa do trabalhador. A propósito, a temática da falta grave do empregador e a justa causa patronal já foi abordada em outra ocasião nesta coluna [4].
Lição de especialista
Sobre o assunto, oportunos são os ensinamentos de Carlos Henrique Bezerra Leite [5]:
“Na rescisão indireta, também chamada de despedimento indireto, ocorre a extinção do contrato de trabalho por iniciativa do empregado, que tem o ônus de provar a justa causa perpetrada pelo empregador (CLT, art. 483). Nesse caso, se o empregado se desincumbir do referido ônus, terá os mesmos direitos como se a extinção fosse por iniciativa do empregador sem justa causa, inclusive, fazendo jus o empregado ao aviso prévio (CLT, art. 487, § 4º).
(…)
Pensamos, contudo, que o art. 483, d, da CLT deve ser interpretado conforme a Constituição Federal, de modo que, se for comprovada a violação, ainda que parcial, das obrigações de pagar, de fazer ou de não fazer relacionadas aos direitos fundamentais sociais do trabalhador, por exemplo, a falta ou o atraso no pagamento de salários ou do décimo terceiro, a não concessão de férias ou a ausência do recolhimento do FGTS, implicará justa causa perpetrada do empregador, o que autorizará a rescisão do contrato de trabalho pelo empregado. Afinal, nesses casos não haverá apenas a violação aos direitos previstos na lei ou no contrato como também ofensa aos direitos fundamentais insculpidos na própria Constituição da República”.
Portanto, se é verdade que o trabalhador poderá ser dispensado, por justo motivo, caso venha a praticar uma falta grave que torne inável a manutenção da relação contratual, de igual modo quando houver desrespeito aos termos e obrigações inerentes ao contrato de trabalho pelo empregador haverá também o término do pacto laboral por justo motivo patronal, devendo o empregado ser indenizado como se tivesse sido desligado imotivadamente.
Tese vinculante
Dito isso, a partir do julgamento do RRAg 1000642-07.2023.5.02.0086 [6] representativo da controvérsia para a reafirmação da jurisprudência do TST, a Corte Superior Trabalhista pacificou o entendimento de que, doravante, o descumprimento contratual contumaz relativo à ausência do pagamento de horas extraordinárias e a não concessão do intervalo intrajornada autoriza a rescisão indireta do contrato de trabalho, na forma do artigo 483, “d”, da CLT.
Vale dizer, a partir da nova tese vinculante (Tema 85), cuja orientação a a ser de observância obrigatória para os demais órgãos da Justiça do Trabalho, as empresas devem ter maior atenção no cumprimento diário de suas obrigações, sob pena de arcarem com rescisões indiretas contratuais.
Ao definir a tese, o ministro relator ponderou:
“Com efeito, o artigo 483, ‘d’, da CLT faculta ao empregado, no caso de descumprimento das obrigações contratuais por parte do empregador, a rescisão indireta do contrato de trabalho. Ao fazer referência às ‘obrigações do contrato’, o mencionado dispositivo evidencia que as obrigações de empregador alcançam tanto aquelas previstas na legislação trabalhista, como na Constituição Federal. Dentre elas encontra-se a contraprestação pelo trabalho realizado, o que vai além do salário ordinário, pois, igualmente, abarca as horas extraordinárias, sejam decorrentes da prorrogação da jornada normal de trabalho, sejam oriundas do descumprimento do intervalo intrajornada.
Assim, uma vez que tal parcela integra a remuneração, a contumaz supressão do seu pagamento compromete a subsistência do empregado, configurando, pois, falta grave do empregador. Por esse motivo, a mora do empregador em relação à quitação das horas extras, inclusive decorrentes da supressão ou concessão parcial do intervalo intrajornada, autoriza a rescisão indireta do contrato de trabalho.”

No caso em exame, o recurso de revista de que trata o tema afetado para representativo de controvérsia merece ser conhecido, por violação do artigo 483, ‘d’, da CLT, já que a parte logrou demonstrar que, a despeito da comprovação da falta grave praticada pela reclamada, o TRT de origem afastou a rescisão indireta do contrato de trabalho.
Conclusão
De um lado, sabe-se que à luz da Constituição, nos termos do artigo 7º, inciso XIII, o trabalho não poderá exceder 8 horas diárias e 44 semanais, sendo facultada a compensação e redução da jornada por meio de acordo ou convenção coletiva de trabalho; lado outro, a jornada extraordinária sempre foi objeto de muita preocupação, eis que, em certas situações, esse labor excessivo coloca em risco os direitos sociais previstos na Carta Magna, v.g., saúde e lazer, em cujos casos mais graves justifica uma indenização por danos existenciais em razão da privação do descanso e do convívio familiar
Já quanto ao intervalo intrajornada, por certo que sua finalidade é justamente recompor a higidez física e mental do trabalhador, de modo a preservar a saúde e bem-estar. Por isso, a violação de tal direito configura falta grave patronal apta a ensejar o reconhecimento da rescisão indireta.
Em arremate, é importante ressaltar que as normas trabalhistas devem ser analisadas à luz da Lei Maior, preservando, assim, o respeito aos direitos e garantias fundamentais, bem como aos preceitos sociais mínimos e a dignidade do trabalhador. Por certo, o melhor cenário é evitar a submissão recorrente do trabalhador a jornadas extraordinárias, a fim de lhe propiciar uma maior qualidade de vida, mas se o labor extra tiver que ser cumprido, ao menos que seja paga a contraprestação pecuniária correspondente.
[2] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela Coluna Prática Trabalhista da ConJur, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.
[3] CLT, Art. 483 – O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando: a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato; b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo; c) correr perigo manifesto de mal considerável; d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato; e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama; f) o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem; g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários. § 1º – O empregado poderá suspender a prestação dos serviços ou rescindir o contrato, quando tiver de desempenhar obrigações legais, incompatíveis com a continuação do serviço. § 2º – No caso de morte do empregador constituído em empresa individual, é facultado ao empregado rescindir o contrato de trabalho. § 3º – Nas hipóteses das letras “d” e “g”, poderá o empregado pleitear a rescisão de seu contrato de trabalho e o pagamento das respectivas indenizações, permanecendo ou não no serviço até final decisão do processo.
[5] Curso de Direito do Trabalho – 14. Ed. – São Paulo: SaraivaJur, 2022. Página 706/708.
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