Interesse Público

Moraes, Gilmar e o papel do Tribunal de Contas no ANPC

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22 de maio de 2025, 9h17

O voto-vista apresentado pelo ministro Gilmar Mendes no bojo da ADI 7.236 renova expectativas da comunidade jurídica em torno do julgamento acerca das alterações produzidas pela Lei 14.230/21 na Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade istrativa). Isto porque o pronunciamento do ministro Gilmar Mendes apresenta um viés bastante mais deferente às decisões do legislador, se comparado com o voto do relator (ministro Alexandre de Moraes).

Spacca

Com efeito, enquanto o ministro Moraes direcionou seu voto pela via dos princípios jurídicos e da retórica em torno de um suposto esmaecimento do combate à corrupção que haveria de ser produzido pela nova legislação, o ministro Mendes edificou sua deliberação a partir dos termos do artigo 37, §4º da Constituição, na compreensão de que os atos de improbidade istrativa devem ser avaliados, na forma e na gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

No ponto atinente aos Acordos de Não Persecução Civil (ANPC), especificamente quanto à participação dos Tribunais de Contas no cálculo do valor do ressarcimento devido (§3º do artigo 17-B da lei [1]), os dois ministros apresentaram visões divergentes que permeiam o cenário das competências gizadas pelo ordenamento jurídico para os órgãos de controle da istração Pública. [2]

Para o ministro Moraes, a oitiva obrigatória dos Tribunais de Contas no ANPC viola a independência e a autonomia do Ministério Público, ao o que para o ministro Gilmar o que se buscou com a regra foi a solução de um problema já conhecido e diagnosticado pelo STF, o da necessidade de adequada parametrização de reparações e compensações no âmbito dos acordos de não persecução.

Tema

Sobre o tema, tive a oportunidade de escrever duas colunas nesta ConJur. Uma publicada em 7 de abril de 2022, denominada “Tribunal de Contas como árbitro do ressarcimento na nova LIA; a outra, publicada em 26 de janeiro de 2023, denominada O que dizer da decisão monocrática do STF na ADI 7.236.

Sustentei, em síntese, em ambas as oportunidades o mesmo pensamento, que se pode ser sintetizado na seguinte agem do segundo texto:

Não se compreende, data vênia, como a só elaboração do cálculo do ressarcimento e apresentação da metodologia respectiva pelo Tribunal de Contas poderia interferir na autonomia funcional do Ministério Público. A razão de ser do envolvimento do Tribunal de Contas parece ser o de evitar o desprezo do órgão de contas aos termos do acordo, tal como aconteceu em relação aos acordos de leniência, como também para que não haja duplicidade ou continuidade de processos de tomada de contas especial (que visam ao ressarcimento ao erário), mesmo após a sua celebração.

As questões aludidas não aram ao largo do voto-vista do ministro Gilmar Mendes, que deixou explícitas suas preocupações relativas à coexistência de múltiplos regimes de leniência, a requerer um esforço normativo de alinhamento, porquanto:

Do contrário, são verificados alguns fatores de desalinhamento entre os regimes que podem comprometer os incentivos dos agentes econômicos em colaborar com as autoridades públicas no desvendamento de ilícitos, ressaltam-se: (i) a ausência ou a imprecisão de previsões legais sobre a extensão dos benefícios da leniência à esfera penal e (ii) a pluralidade de metodologias de cálculo da reparação dos danos.

A par das diferenças anotadas nos votos dos excelentíssimos ministros do STF, uma questão complementar merece ser objeto de preocupação dos intérpretes da disposição legislativa sob comentário (§3º do artigo 17-B da Lei 8.429/92),  preocupação esta que advém do julgamento pelo STF do mérito da ADI 7.042,  em que o Tribunal reconheceu a legitimidade concorrente e disjuntiva das pessoas jurídicas interessadas para a propositura da ação de improbidade istrativa e para a celebração do acordo de não-persecução cível.

Com efeito, a partir dessa decisão é necessário fixar interpretação para os três incisos do §1º do artigo 17-B da Lei 8.429/92, quando dispõem que a celebração do ANPC, depende cumulativamente (a) da oitiva do ente federativo lesado, em momento anterior ou posterior à propositura da ação; (b) de aprovação, no prazo de até 60 dias, pelo órgão do Ministério Público competente para apreciar as promoções de arquivamento de inquéritos civis, se anterior ao ajuizamento da ação; c) de homologação judicial, independentemente de o acordo ocorrer antes ou depois do ajuizamento da ação de improbidade istrativa.

Ora, a oitiva obrigatória do ente lesado somente faz sentido se ele não for o autor ou não tiver aderido ao polo ativo da demanda, ou se não participar do acordo juntamente com o Ministério Público. E nesta oitiva, considerando que o ressarcimento integral é condição para o ANPC, pode haver divergência entre o parquet e o ente lesado quanto ao montante do ressarcimento. [3]

Eis mais uma razão, nada inusitada, a justificar a pertinência e a constitucionalidade da oitiva do Tribunal de Contas quanto ao ressarcimento integral do dano no ANPC, na forma do artigo 17-B, §3º da Lei 8.429/92. A manifestação do órgão de controle externo, com a apresentação da metodologia respectiva, servirá de e, em caso de divergência, à decisão homologatória do ANPC, seja ela adotada pelo Conselho do MP (se anterior ao ajuizamento da ação) ou pelo juiz (se houver ação judicial proposta) [4].

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[1]  Art. 17-B, §3º “Para fins de apuração do valor do dano a ser ressarcido, deverá ser realizada a oitiva do Tribunal de Contas competente, que se manifestará, com indicação dos parâmetros utilizados, no prazo de 90 (noventa) dias.”

[2] O dispositivo encontra-se suspenso pela medida cautelar dada na ADI 7236. A discussão é sobre competências e/ou sobre diálogos institucionais obrigatórios.

[3] Além disso, considera-se que o espectro de pronunciamento do ente lesado, nos casos em que ele não for autor da ação de improbidade istrativa, não alcançará as sanções a serem negociadas entre o Ministério Público e o interessado ou réu no ANPC, bastando-se na manifestação quanto ao ressarcimento.

[4] Esta ação pode ser cautelar ou principal, o que justifica a expressão “antes ou depois do ajuizamento da ação de improbidade istrativa constante do inciso III do §1º do art. 17-B da Lei 8.429/92.

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