Direito da Insolvência

Lei de Falências vs. arbitragem: quem tem a palavra final?

Autor

23 de maio de 2025, 17h06

O presente artigo analisará a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça que anulou sentença arbitral que havia autorizado a compensação de créditos entre uma empresa em recuperação judicial com sua credora, eis que, nos termos do acórdão proferido, tal compensação não poderia ser objeto do procedimento arbitral [1].

A grande surpresa trazida pela decisão do STJ decorre da baixa taxa de procedência das ações anulatórias de sentenças arbitrais perante o Poder Judiciário, a qual, nos termos de estudo elaborado pela Associação Brasileira de Jurimetria em 2023, se limitaria à 1,5% [2].

A relevância deste tema decorre do impacto direto que essa decisão pode gerar sobre o patrimônio das empresas em crise e da expectativa dos credores receberem seu crédito dentro de um ambiente que prestigie a segurança jurídica e a previsibilidade das decisões arbitrais e judiciais.

A coexistência harmônica entre os processos de recuperação judicial e os procedimentos arbitrais têm sido amplamente reconhecida pelos nossos tribunais [3].

Isso porque, quando há convenção arbitral, caberá ao tribunal arbitral julgar a relação obrigacional havida entre as partes, sendo certo que, se houver crédito exigível de devedor que esteja em recuperação judicial, caberá à parte vencedora habilitar seu crédito e se submeter ao processo de recuperação judicial [4].

Ademais, é pacífico que não se suspenderá a exigência dos créditos não submetidos ao concurso de credores, como, por exemplo, aqueles detidos pelo Fisco, cabendo ao juízo da execução fiscal determinar a constrição de bens do devedor. Todavia, o controle de tais atos de expropriação é de competência exclusiva do juízo da recuperação judicial [5], o qual poderá substituí-los, mantê-los ou, até mesmo, torná-los sem efeito [6].

Competência exclusiva

A controvérsia analisada pelo STJ, a qual gerou os fatos ora analisados, decorreu da compensação de créditos de uma empresa em recuperação judicial com créditos que esta teria direito a receber de credor concursal, tendo tal compensação sido determinada pela sentença arbitral que foi anulada.

Spacca

Ora, é pacífico que o simples fato de uma das partes estar submetida a um processo de recuperação judicial não impede nem suspende a instauração do procedimento arbitral [7].

Todavia, o que foi determinado pela sentença arbitral anulada foi o pagamento do crédito concursal por meio de sua compensação com crédito que a devedora teria direito a receber, implicando tais disposições em evidente ato de disposição do crédito da devedora para o pagamento de um crédito concursal, alcançando, assim, direito do qual a devedora não poderia dispor.

Com efeito, entendeu-se, nos termos do acórdão proferido pelo ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, que “a compensação constitui meio de adimplemento das obrigações, quando envolver crédito sujeito à recuperação judicial, não pode ser considerada um direito patrimonial disponível, o que afasta a possibilidade de resolução de litígio acerca do tema por meio de arbitragem” [8].

Nota-se que a sentença arbitral anulada teria ultraado a sua competência, eis que extinguiu o crédito concursal que deveria ser adimplido nos termos do plano de recuperação judicial, por meio da livre disposição de patrimônio da devedora, mediante a compensação de créditos, sendo essa matéria de competência exclusiva do juízo da recuperação judicial.

Como se vê, ao envolver crédito sujeito à recuperação judicial, tal crédito fica vinculado às disposições do plano de recuperação judicial e às decisões do juízo do concurso de credores, implicando a determinação de compensação em evidente quebra do Princípio de Igualdade entre os credores.

Ora, como a compensação promovida pela sentença arbitral anulada implicaria na extinção de um crédito concursal com um crédito que a recuperanda teria direito a receber após a distribuição do processo de recuperação judicial, conclui-se que o Superior Tribunal de Justiça julgou o tema de forma acertada.

Isto porque o crédito da devedora não seria um direito disponível, não podendo ser, por consequência, objeto do procedimento arbitral, sob pena de usurpação da competência do juízo da recuperação judicial, nos termos dos artigos 1º [9] e 32º[10] , inciso IV, da Lei número 9.307/1996 [11].

 


[1] aqui

[2] aqui: Processos Relacionados à Arbitragem, Um levantamento no banco de sentenças do TJ-SP, novembro de 2023.

[3] “As jurisdições estatal e arbitral não se excluem mutuamente, sendo absolutamente possível sua convivência harmônica, exigindo-se, para tanto, que sejam respeitadas suas esferas de competência, que ostentam natureza absoluta.” (STJ, Resp.157.099, Rel. Min. Nancy Andrighi)

[4] aqui

[5] “O que constitui competência exclusiva do juízo universal, sendo jurisprudência deste tribunal, é a prática ou o controle de atos de execução de créditos individuais promovidos contra empresas falidas ou em recuperação judicial.” (STJ, Resp. número 1.953.212-RJ, Rel Min. Nancy Andrighi.

[6] AgInt no Conflito de Competência número 177.164-Sp, Rel. Min. Luis Felipe Salomão e AgInt no Conflito de Competência número 162.450/GO, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva.

[7] STJ, Resp 2163463-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva.

[8] STJ, Resp 2163463-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva.

[9] Artigo 1º da Lei 9.307/1996 – As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.

[10] Artigo 32 da Lei 9.307/1996 – É nula a sentença arbitral: IV – for proferida fora dos limites da convenção de arbitragem.

[11] “O tribunal de origem, portanto, ao reconhecer a competência do juízo arbitral para tratar da compensação de crédito sujeito à recuperação judicial, violou o disposto no artigo 1º da Lei número 9.307.96, porque a matéria envolve meio de adimplemento de obrigação sujeita à recuperação judicial, direito patrimonial não disponível, dado regime jurídico de sujeição do crédito ao processo concursal.” STJ, Resp 2163463-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva.

Autores

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!