Interpretação do STF sobre ações rescisórias fundadas na declaração de inconstitucionalidade da norma
24 de maio de 2025, 11h23
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento da Questão de Ordem na AR 2.876, fixando tese a respeito do ajuizamento de ação rescisória nos casos de declaração de inconstitucionalidade superveniente.

A negativa de eficácia a decisões inconstitucionais não é nenhuma novidade. Desde a MP 1.997-37/2000, que alterou o C/73 para incluir ao artigo 741 o parágrafo único [1], já havia essa possibilidade. A regra recebeu especial reforço com a reforma de 2005, que promoveu mudanças significativas no sistema brasileiro ao posicionar as tutelas cognitiva e executiva em um mesmo e único processo, estabelecendo, como regra, o sincretismo processual.
Substituiu-se, para os títulos executivos judiciais, a figura dos embargos à execução pela impugnação ao cumprimento de sentença, prevendo-se, dentre as matérias de defesa alegáveis pelo executado, a inexigibilidade de título fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo STF (artigo 475-L, § 1º, C/73).
O que fez legislador do C/15, portanto, ao disciplinar o tema, foi ampliar os contornos da norma, explicitando, ainda, que os efeitos da decisão de inconstitucionalidade proferida pelo STF podem ser modulados no tempo, em atendimento à segurança jurídica (artigo 525, §§ 12 e 13, C/15). E traçou duas importantes distinções: somente quando a decisão de inconstitucionalidade for anterior ao trânsito em julgado da decisão exequenda é que a parte pode alegar a inexigibilidade do título na própria impugnação ao cumprimento de sentença (artigo 525, § 14, C/15); porém, quando a decisão for proferida após o trânsito em julgado, a parte interessada deverá fazê-lo mediante ação rescisória, cujo prazo é contado do trânsito em julgado da declaração de inconstitucionalidade (artigo 525, § 15, C/15). [2]
Isso significa que a lei reconhece expressamente a produção de efeitos retroativos pelas decisões declaratórias de inconstitucionalidade do STF, em controle difuso, exceto se houver modulação.
Declaração de inconstitucionalidade

Nesse contexto, considerando-se que a possibilidade de rescisão da decisão judicial, ainda que amparada em norma declarada inconstitucional, não pode se perpetuar indefinidamente no tempo, sob o risco de ocasionar grave insegurança jurídica, o STF, propondo-se a conferir à norma processual que trata do prazo prescricional interpretação conforme a Constituição, delimitou os efeitos retroativos das decisões declaratórias de inconstitucionalidade, estabelecendo que o Supremo poderá definir, em cada caso, os efeitos temporais de seus precedentes e os impactos que produzirão sobre a coisa julgada.
Fixou tese no sentido de que, na ausência de modulação, a ação rescisória poderá ser proposta no prazo de dois anos contados do trânsito em julgado da decisão declaratória de inconstitucionalidade, restringindo-se os efeitos da rescisória aos cinco anos anteriores à data do seu ajuizamento.
Além disso, declarou a inconstitucionalidade do § 14 do artigo 525 e do § 7º do artigo 535 do C para reconhecer que a parte pode alegar, em impugnação ao cumprimento de sentença, a inexigibilidade de título fundado em norma inconstitucional mesmo que a declaração seja posterior ao trânsito em julgado.
Eis a íntegra da tese fixada:
O § 15 do art. 525 e o § 8º do art. 535 do Código de Processo Civil devem ser interpretados conforme a Constituição, com efeitos ex nunc, no seguinte sentido, com a declaração incidental de inconstitucionalidade do § 14 do art. 525 e do § 7º do art. 535:
Em cada caso, o Supremo Tribunal Federal poderá definir os efeitos temporais de seus precedentes vinculantes e sua repercussão sobre a coisa julgada, estabelecendo inclusive a extensão da retroação para fins da ação rescisória ou mesmo o seu não cabimento diante do grave risco de lesão à segurança jurídica ou ao interesse social.
Na ausência de manifestação expressa, os efeitos retroativos de eventual rescisão não excederão cinco anos da data do ajuizamento da ação rescisória, a qual deverá ser proposta no prazo decadencial de dois anos contados do trânsito em julgado da decisão do STF.
O interessado poderá apresentar a arguição de inexigibilidade do título executivo judicial amparado em norma jurídica ou interpretação jurisdicional considerada inconstitucional pelo STF, seja a decisão do STF anterior ou posterior ao trânsito em julgado da decisão exequenda, salvo preclusão (Código de Processo Civil, arts. 525, caput, e 535, caput).
Controvérsia na comunidade jurídica
Apesar de muito recente, a tese já tem sido alvo de intenso debate na comunidade jurídica. Há quem entenda que não poderia o STF ter declarado a inconstitucionalidade do § 14 do artigo 525 e do § 7º do artigo 535 do C, porque se trata de disposições que refletem a vontade do legislador no legítimo exercício da função que lhe foi constitucionalmente atribuída. Também houve críticas quanto a um possível “esvaziamento da utilidade da ação rescisória”, na medida em que a inexigibilidade do título, fundada em norma declarada inconstitucional, pode ser objeto de simples arguição, com embasamento em decisão do STF anterior ou posterior ao trânsito em julgado da decisão exequenda.
Com efeito, no plano das nulidades, o título executivo judicial inexequível ou fundado em obrigação inexigível constitui aquilo que, na doutrina, intitula-se “inexistência jurídica” [3]. Por outro lado, no caso da inexigibilidade amparada na declaração ulterior da inconstitucionalidade da norma, a decisão, em tese, enquanto não houver reforma ou rescisão, permanece juridicamente existente (Tema 733/STF).
Dessa maneira, a impugnação ao cumprimento de sentença, nessa hipótese, já assume, de uma forma ou de outra, encargo rescisório. Ainda assim, não nos parece que as disposições contidas no artigo 525, § 14, e artigo 535, § 7º, do C, efetivamente padeçam de inconstitucionalidade. Tratou-se, a nosso ver, de uma opção do legislador de estabelecer diferentes modos de se proceder, conforme o momento processual em que se esteja quando declarada a inconstitucionalidade mediante o controle difuso.
[1] “Parágrafo único. Para efeito do disposto no inciso II deste artigo, é também inexigível o título judicial fundado em lei, ato normativo ou em sua interpretação ou aplicação declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.”
[2] Regra idêntica se aplica ao cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública (art. 535, III, §§ 5º a 8º).
[3] WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil. 22. ed. Londrina: Thoth, 2025. p. 447. v. III.
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