Opinião

Paradigmas da litigância climática: Verein KlimaSeniorinnen vs. Suíça

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26 de maio de 2025, 16h24

Mudanças climáticas são transformações dos padrões ambientais globais, abarcando critérios como temperatura, nível de precipitações e alterações nos ecossistemas. Embora os efeitos dessas transformações sejam globais, eles não afetam a coletividade de maneira uniforme e, do mesmo modo, não sujeitam todos os grupos sociais aos mesmos riscos (RBJA, 2014) [1].

Nima Sarikhani/Natural History Museum

A existências de diferenças sociais, econômicas e territoriais convergem de modo que os riscos, as desvantagens e os danos sociais sejam distribuídos de maneira desigual na sociedade. No contexto das mudanças climáticas, essa disparidade se manifesta claramente na maneira como grupos com menor capacidade adaptativa enfrentam riscos desproporcionais [2].

A população idosa, em particular, representa um dos segmentos mais vulneráveis aos impactos climáticos, devido às limitações fisiológicas relacionadas ao envelhecimento, condições socioeconômicas frequentemente desfavoráveis e reduzida mobilidade adaptativa [3]. Do mesmo modo, mulheres idosas se mostram ainda mais suscetíveis a sofrer com as mudanças climáticas.

Uma análise de dados sobre a onda de calor de 2003, que resultou em aproximadamente 70 mil mortes excedentes na Europa, concluiu que, embora os idosos em geral sejam mais suscetíveis a comorbidades, a mortalidade de mulheres idosas correspondeu ao dobro dos óbitos no sexo masculino [4].

Associação

Desde o ocorrido, as intensas e frequentes ondas de calor no verão europeu têm ganhado destaque e sendo alvo de grandes preocupações no cenário climático global. Neste contexto, surgiu o coletivo KlimaSeniorinnen (Associação das Mulheres Idosas pelo Clima da Suíça).

Fundado por um grupo de mulheres com mais de 65 anos, com o apoio da organização ambiental Greenpeace Suíça, o coletivo foi motivado pelo intuito de m articular juridicamente a relação entre direitos humanos, saúde pública e ação climática, argumentando que a insuficiência das políticas climáticas suíças representaria uma violação aos direitos fundamentais das idosas.

Em 2016, a associação apresentou um pedido formal às autoridades suíças exigindo a cessação de omissões ilegais na política climática do país. Após a rejeição deste pedido pelo Departamento Federal do Meio Ambiente, Transportes, Energia e Comunicações (Detec), as requerentes recorreram ao Tribunal istrativo Federal em 2017, que também rejeitou o caso alegando que as idosas não possuíam legitimidade processual por não serem “especialmente afetadas” pelas mudanças climáticas.

Spacca

Em 2020, o Tribunal Federal Suíço, instância máxima do país, manteve a decisão anterior, negando às requerentes o à justiça sob o argumento de que os efeitos das mudanças climáticas eram muito generalizados para configurar uma afetação específica ao grupo [5].

Verein KlimaSeniorinnen vs. Suíça

Diante do esgotamento das vias legais nacionais, as KlimaSeniorinnen recorreram ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) em novembro de 2020. A argumentação jurídica central das KlimaSeniorinnen se fundamentou em suposta violação direta de direitos humanos fundamentais garantidos pela Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH).

As requerentes sustentaram que o artigo 2 da CEDH, que protege o direito à vida, impõe aos Estados não apenas obrigações negativas de abstinência de causar danos, mas também obrigações positivas de implementar medidas adequadas para proteger a vida dos cidadãos contra ameaças conhecidas, incluindo aquelas derivadas das mudanças climáticas.

Do mesmo modo, invocaram o artigo 8, que garante o direito ao respeito pela vida privada e familiar, argumentando que este direito engloba a proteção contra degradações ambientais severas que afetem o bem-estar dos indivíduos. As KlimaSeniorinnen argumentaram que o governo suíço não alcançou as suas próprias metas de redução de emissões e sua inadequação frente aos compromissos assumidos no Acordo de Paris, destacando a insuficiência das medidas adotadas para redução do aquecimento global.

Na peça apresentada, foram suscitadas evidências científicas de que a suposta omissão estatal afeta desproporcionalmente um grupo já vulnerável por razões biológicas e sociais, qual seja a população idosa feminina, visando o estabelecimento de um nexo causal capaz de atribuir responsabilidade ao governo suíço.

Em 9 de abril de 2024, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos proferiu uma decisão histórica no caso KlimaSeniorinnen vs. Suíça, reconhecendo parcialmente as alegações da associação, sendo reconhecido como um paradigma na litigância climática. Por 16 votos a 1, o tribunal determinou que a Suíça havia violado o artigo 8 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos ao não adotar medidas climáticas adequadas para proteger os direitos humanos das idosas. Por outro lado, não houve reconhecimento de violação ao direito à vida. Não obstante, a decisão foi um marco ao reconhecer o nexo entre inação climática estatal e violações de direitos fundamentais.

O tribunal, reconhecendo os limites de sua competência, absteve-se de prescrever medidas específicas, concedendo às autoridades suíças uma margem considerável de discricionariedade na determinação dos meios para atingir a conformidade. Esta deferência levanta questões sobre os mecanismos de monitoramento e verificação do cumprimento, particularmente considerando a natureza técnica e complexa das políticas climáticas.

O caso, ainda recente e ível de novos desdobramentos, apresenta-se como um paradigma na litigância climática pelo reconhecimento da intersecção entre justiça climática e direitos humanos e abre portas para um novo capítulo a ser inaugurado no direito ambiental internacional.

 


[1] RBJA (Rede Brasileira de Justiça Ambiental). Carta Política do VI Encontro Nacional da Rede Brasileira de Justiça Ambiental. VI Encontro Nacional da Rede Brasileira de Justiça Ambiental. 2014. Disponível aqui.

[2] DA COSTA, Lara Moutinho. Territorialidade e racismo ambiental: elementos para se pensar a educação ambiental crítica em unidades de conservação. Pesquisa em Educação Ambiental, v. 6, n. 1, p. 101-122, 2011.

[3] DO NASCIMENTO SALVALAIO, Renata Cerqueira et al. Mudanças climáticas e envelhecimento populacional: uma necessária revisão sistemática de literatura. PARC: Pesquisa em Arquitetura e Construção, v. 14, p. e023024-e023024, 2023.

[4]

[5] KlimaSeniorinnen v Suíça (TEDH). Disponível aqui.

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