A tramitação da 'atualização' do Código Civil (PL 4/2025) no Senado
28 de maio de 2025, 13h21
O Projeto de Lei (PL) nº 4, de 2025, de iniciativa do senador Rodrigo Pacheco (PSD/MG), que “dispõe sobre a atualização da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e da legislação correlata”, foi autuado em 31 de janeiro de 2025 e, em seguida, publicado. [1] Contudo, até o dia 25 de maio, permanece “aguardando despacho” do presidente do Senado, que, portanto, ainda não definiu: qual será o procedimento a ser seguido; e qual(is) a(s) comissão(ões) deverá(ão) analisá-lo.

Em virtude das controvérsias levantadas sobre o projeto, têm sido diversas as informações divulgadas sobre sua tramitação no Senado, algumas delas incompletas ou equivocadas. Assim, por exemplo, há reivindicação no sentido de que a proposição seja tratada como “projeto de código”, mas com tramitação “pelas comissões temáticas pertinentes”, o que são pedidos, pelo menos a princípio, regimentalmente incompatíveis entre si.
O fato é que é bastante importante distinguir se a proposição corresponde a uma (mera) alteração do Código Civil ou se ela deverá se enquadrar como um “projeto de código”. O procedimento a ser seguido é muito distinto, conforme cada uma dessas alternativas, segundo o Regimento Interno do Senado (Risf). Na primeira delas, a proposição tramitaria como os demais projetos de lei ordinária de autoria de senador. Na segunda, a proposição estaria sujeita a “disposições especiais”, em um rito especial disposto no Capítulo III do Título IX do Risf (artigo 374).
A ementa do projeto levaria, em um exame rápido, à primeira alternativa, pois ela explicita, como seu objeto, a “atualização” do Código Civil, aparentemente afastando-se da caracterização de uma reforma ou da elaboração de um novo código. Mas essa opção conduziria o projeto a ser apreciado apenas pelas comissões, dispensada a competência do plenário, salvo recurso de um décimo dos membros da Casa (artigo 58, § 2º, I, da Constituição) [2], no rito que o Senado denomina de “terminativo” (e a Câmara de “conclusivo”), pois assim tramitam os “projetos de lei ordinária de autoria de senador, ressalvados os projetos de código” (artigo 91, I, Risf). [3]
Projeto de código
Mas quatro fatores levam à maior possibilidade do segundo enquadramento, ou seja, de que a proposição seja classificada como “projeto de código”. Em primeiro lugar, a atualização promovida tem grande alcance, pois enseja reformulação de grande parte do código vigente, acrescenta matérias antes não veiculadas, além de alterar e revogar outras leis afins.
Segundo, porque o próprio Regimento Interno faz equivalência entre o “projeto de código [novo] ou sua reforma” (artigo 318, Risf). Terceiro, porque o projeto decorre de uma comissão de juristas, constituída com a finalidade de “apresentar (…) anteprojeto de lei para revisão e atualização” do Código Civil (artigo 374, parágrafo único, Risf). [4]
E, por último, porque há o precedente de uma comissão de juristas criada para modernização do Código de Defesa do Consumidor, que acabou até mesmo apresentando não um, mas três anteprojetos de lei, que se tornaram projetos de autoria formal do então presidente do Senado José Sarney, e foram todos despachados inicialmente com tramitação pelo rito especial do artigo 374 do Risf. [5]
Se ocorrer o enquadramento como “projeto de código”, a primeira providência da Presidência do Senado, em seguida ao despacho, será a designação de uma comissão temporária para seu estudo, composta por 11 membros titulares e igual número de membros suplentes, mediante indicação das lideranças (artigo 374, caput, Risf). Dessa forma, a princípio, o projeto não será objeto das comissões temáticas permanentes da Casa, salvo se houver — excepcionalmente — requerimento posterior aprovado pelo plenário (conforme casos precedentes) [6]. Inclusive, as proposições que alterem o código vigente, ou conexas ao tema, deverão ser apensadas e encaminhadas ao exame dessa comissão temporária (artigo 374, II).

A comissão elegerá, entre seus membros, um(a) presidente e um(a) vice-presidente. Serão então designados(as) um(a) relator(a) geral e quantos relatores(as) parciais quantos forem necessários (artigo 374, I, Risf). A discussão da matéria, quando de seu exame pelo colegiado, obedecerá a essa mesma divisão adotada na relatoria (artigo 374, VII).
Perante a comissão temporária, poderão ser oferecidas emendas, no prazo de 20 dias úteis (artigo 374, III). Essa é a única oportunidade regimental prevista para apresentação de emendas, por isso é aberta a todos(as) os(as) senadores(as), integrantes ou não da comissão temporária. Não há previsão regimental de prazo para emendas de plenário.
Prazos de análise
Os prazos estabelecidos para análise do PL pela comissão são exíguos, mas podem ser aumentados até o quádruplo, por deliberação do plenário (artigo 374, XVI), caracterizando-se como dilatórios. Eles serão suspensos durante o recesso e no período necessário à realização de audiências públicas e oitivas de ministros de Estado (artigo 118, §§ 3º e 4º, Risf).
Os(as) relatores(as) parciais têm prazo de dez dias úteis para encaminhar, ao(à) relator(a) geral, a conclusão de seus trabalhos (artigo 374, IV). Em seguida, o(a) relator(a) geral tem o prazo de cinco dias úteis para apresentar à comissão o seu parecer (relatório), que será publicado, seguindo-se mais cinco dias úteis para a comissão concluir o seu estudo e encaminhar à Mesa o parecer final sobre o projeto e as emendas (artigo 374, V e VI).
Produzido o parecer pela comissão temporária, e publicado este em avulso eletrônico, após interstício de três dias úteis, o projeto de código poderá ser incluído na ordem do dia do plenário (artigo 374, IX). Trata-se de prerrogativa do presidente do Senado (artigos 48, VI e 163, Risf), mas é costume que sejam ouvidas as lideranças para a formação da pauta das sessões. Curioso é que não há colégio de líderes formalmente estabelecido no Senado, mas são rotineiras as reuniões de líderes, das quais se extraem as matérias a serem designadas pelo Presidente para votação nas sessões.
A disposição regimental é de que o projeto de código seja incluído com exclusividade na ordem do dia (embora ela nem sempre seja atendida). Haverá um único turno de discussão e votação, com previsão de que a discussão, que se faz conjuntamente sobre o projeto e as emendas, ocorra em pelo menos três sessões deliberativas consecutivas (artigo 374, X e XI), que podem ser ordinárias ou extraordinárias.
Votação na comissão
Após a discussão, a-se à votação, com a peculiaridade de que os destaques só poderão ser requeridos por líder, pelo relator geral ou por 20 senadores (artigo 374, XII). No Senado, os líderes partidários têm uma quota, conforme o tamanho da bancada, de destaques que independem de aprovação pelo plenário (artigo 312, parágrafo único, Risf). Os demais requerimentos de destaque devem ser submetidos à deliberação do plenário (artigos 312, caput e inciso II, Risf). As matérias destacadas serão votadas depois da matéria principal (artigo 314, III, Risf).
Tem havido manifestações contrárias a eventual apreciação com urgência do PL 4/2025. Caso enquadrado como projeto de código, considerando tratar-se de um procedimento especial, não parecem aplicáveis as hipóteses de urgência dispostas no artigo 336 do Risf. Não foi localizado precedente (em pesquisa não exaustiva). O que já ocorreu, para dar agilidade à apreciação de projeto de código, foi a realização de apenas uma sessão de discussão, na qual se realizou também a votação. Mas não a interrupção de análise da comissão temporária para envio do projeto de código para instrução e apreciação diretamente em plenário.
Cabe lembrar, por fim, que o Senado é a Casa iniciadora do PL 4/2025. Se aprovado, ele será encaminhado à revisão da Câmara dos Deputados, em um único turno de discussão e votação. Havendo emendas ou substitutivo ao projeto, ele retornará ao Senado, que terá a palavra final sobre as modificações propostas pela Casa revisora (artigo 65 da Constituição). Mas o procedimento na Câmara dos Deputados e a tramitação bicameral têm muitas outras nuances, que merecerão novas análises, se for o caso.
[2] O projeto seria apreciado em caráter terminativo pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (art. 101, II, “d”, Risf). Talvez, a critério do presidente, a matéria poderia ser distribuída também à Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, em virtude de dispositivos relacionados aos direitos de família, das mulheres, das crianças e adolescentes, dos idosos e pessoas com deficiência (art. 102-E, IV a VI).
[3] Curioso é que, uma das reivindicações mais frequentes, é que o projeto não possa ter regime de urgência. Ocorre que, no Senado, as proposições reservadas às competências terminativas das comissões não poderão ser apreciadas em regime de urgência, salvo se houver recurso, interposto por um décimo dos senadores, para sua apreciação pelo plenário (art. 336, parágrafo único, Risf). Essa disposição, contudo, tem sido contornada mediante manobras regimentais, como a apensação a um outro projeto de competência do plenário.
[4] Embora de iniciativa formal do Senador Rodrigo Pacheco, o PL 4/2025 tem origem em anteprojeto elaborado por Comissão de Juristas por ele constituída, quando exercia a Presidência do Senado Federal (Ato do Presidente do Senado Federal nº 11/2023). Informações aqui.
[5] Os anteprojetos foram convertidos nos Projetos de Lei nºs 281, 282 e 283, de 2012. O PLS 281/2012, sobre comércio eletrônico, foi aprovado no Senado e remetido à Câmara (PL 3514/2015); o PLS 282/2012, sobre ações coletivas, foi arquivado; e o PLS 283/2012, sobre o crédito ao consumidor e o superendividamento, resultou na Lei nº 14.181, de 01/07/2021.
[6] O envio a comissão permanente, após o parecer da comissão temporária, tem precedente na tramitação da Reforma do Código de Processo Penal (PLS 156/2009), na qual foi aprovado pelo plenário, em 17/12/2009, requerimento do Senador Pedro Simon para que houvesse também parecer da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). Contudo, essa medida é excepcional (não foi adotada, por exemplo, na tramitação do novo Código de Processo Civil – PLS 166/2010) e poderia ensejar controvérsia, uma vez que a tramitação de código obedece a um procedimento legislativo especial. Tanto assim que, na tramitação de PECs (igualmente, um rito especial), não se ite envio a outra comissão que não a CCJ, em atenção ao disposto no art. 356 do Risf.
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