Vulgarização da poesia

Cantor é condenado a indenizar compositores por plagiar sucesso do Olodum

30 de maio de 2025, 18h11

A melodia é reconhecida como um dos elementos primordiais da obra musical, sendo a sua reprodução não autorizada um claro indicativo de plágio. A situação ainda é agravada se na cópia indevida forem introduzidas modificações que conflitem com a proposta da versão original.

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Olodum sustentou que a nova letra da canção desvirtua os seus princípios éticos

Esses dois aspectos foram reconhecidos pelo juiz George Alves de Assis, da 9ª Vara Cível e Comercial de Salvador, para condenar um cantor a indenizar em R$ 60 mil os três compositores da música “Mar Lagoa”. A canção se tornou sucesso ao ser gravada e lançada pelo grupo Olodum, em 1996.

Conforme o julgador, doutrina e jurisprudência reconhecem o plágio como a usurpação da obra intelectual alheia, apresentando-a, no todo ou em parte, como se fosse de autoria própria, sem a devida autorização do seu criador. “É uma das mais graves violações aos direitos autorais, atingindo tanto os direitos morais quanto os patrimoniais do autor.”

Porém, no caso em análise, houve mais do que plágio. Na petição inicial, os compositores Roque Dias da Silva, Washington de Jesus Novaes e Fernando Antônio Brito de Santana disseram que o cantor Robson Elias Adorno Costa, o Robyssão, ao gravar a música “Só vive à toa”, em 2022, substituiu a letra original por outra com teor obsceno e depreciativo.

Sobre essa modificação, os autores juntaram aos autos moção de repúdio emitida pela Associação Carnavalesca Bloco Afro Olodum. A entidade, que originalmente gravou a canção, ressaltou que a nova letra desvirtua os princípios éticos do Olodum porque historicamente ele luta pela valorização da mulher.

Robyssão sustentou inexistir plágio, afirmando que a melodia utilizada é comum e genérica, presente em diversas outras composições, especialmente no gênero musical pagodão. Também argumentou que não obteve lucro com a veiculação da sua música, sendo terceiros os responsáveis por disponibilizá-las em plataformas de streaming.

“A mera utilização de um gênero musical popular, como o ‘pagodão’, não autoriza a apropriação indevida de melodias específicas criadas por outrem”, frisou o juiz. Para ele, a prova técnica demonstrou de forma inequívoca que as melodias da canção original e da plagiada são idênticas em trechos essenciais, evidenciando a ilicitude cometida pelo réu.

Ouvido em juízo, um maestro confirmou seu parecer técnico, que concluiu pela existência de plágio porque as duas músicas possuem a mesma tonalidade, harmonias quase coincidentes e melodias iguais ou com pequeníssimas variações rítmicas, perceptíveis até por leigos possuidores de “ouvido musical”.

Parecer assinado por outro músico, na qualidade de representante da gravadora Warner, titular dos direitos patrimoniais da obra, também atestou uma “similaridade explícita” entre as músicas, concluindo pela ocorrência de plágio. “No presente caso, a identidade melódica é o fator preponderante que caracteriza o plágio”, escreveu Assis.

Plágio com letra vulgar

O julgador também reconheceu que a conduta do requerido não se limitou à usurpação melódica. Segundo ele, o “teor poético” da canção original foi substituído por uma “letra de cunho sexualizado e vulgar”, o que configura violação ao direito moral à integridade da obra, previsto no artigo 24, inciso IV, da Lei 9.610/1998.

“A alteração promovida pelo réu, ao associar a melodia dos autores a uma letra de baixo calão, inegavelmente atinge a reputação dos compositores e a imagem da obra original, causando-lhes constrangimento e abalo moral”, destacou o julgador. Nesse caso, o dano moral é in re ipsa, ou seja, derivado do próprio fato, prescindindo de prova do prejuízo.

Considerando os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, bem como a extensão do dano, a capacidade econômica das partes, o caráter punitivo-pedagógico da medida e a vedação ao enriquecimento sem causa, o juiz fixou a indenização a ser paga pelo réu em R$ 20 mil para cada autor. Os compositores haviam pleiteado o dobro.

Assis deu provimento aos demais pedidos dos autores, determinando a Robyssão, sob pena de multa, que ele se abstenha em definitivo de explorar de qualquer forma a música “Só vive à toa.” Isso resulta na exclusão da canção de todas as plataformas de streaming e na proibição de cantá-la em programas e shows.

A sentença também impôs ao réu, sob pena de multa, a obrigação de publicar em jornal de grande circulação da capital baiana, onde moram os autores, comunicado sobre quem são os compositores da música “Mar Lagoa”. Robyssão ainda deve pagar as despesas processuais e os honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da condenação.

Processo 8140612-62.2022.8.05.0001

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