Direito de retenção e perda da posse: julgamento do STJ reforça limites ao arrendatário rural
31 de maio de 2025, 6h07
No julgamento do Recurso Especial nº 2.156.451/MT, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça enfrentou relevante controvérsia no campo do Direito Agrário: o alcance do direito de retenção por benfeitorias no contexto do arrendamento rural. Embora não se trate de precedente vinculante, a decisão, relatada pela ministra Nancy Andrighi, oferece importante diretriz interpretativa sobre a matéria e merece atenta reflexão.

O caso dizia respeito à possibilidade de o arrendatário, mesmo após já ter sido judicialmente despejado, exercer o direito de retenção com fundamento na existência de créditos oriundos de benfeitorias úteis e necessárias. O STJ, em decisão unânime, afastou essa possibilidade. Entendeu que o direito de retenção, previsto no artigo 1.219 do Código Civil e no artigo 95, VIII, do Estatuto da Terra, pressupõe a posse atual do imóvel. Uma vez perdida a posse, ainda que em decorrência de decisão judicial e contra a vontade do possuidor, extingue-se o direito de retenção.
Trata-se de uma leitura técnica coerente com o texto normativo. O direito de retenção é tradicionalmente concebido como uma prerrogativa do possuidor de boa-fé, e sua função é justamente impedir a restituição do bem até que seja paga a indenização pelas benfeitorias. Ao se perder a posse, perde-se também o e fático-jurídico para o exercício desse direito.
Não obstante, o julgamento chama atenção para as limitações práticas dessa solução. Na realidade do campo brasileiro, o direito de retenção frequentemente representa o único instrumento efetivo de pressão do arrendatário para assegurar o cumprimento da obrigação indenizatória. Ao limitar seu exercício apenas à vigência da posse, mesmo quando essa é retirada antes do reconhecimento da indenização, esvazia-se, em certa medida, a proteção conferida ao arrendatário pela legislação.

Ao mesmo tempo, a ministra ponderou que anos depois do efetivo despejo seria impraticável reintegrar o antigo arrendatário na posse do imóvel apenas como meio de coerção para honrar o valor das indenizações.
Chance para o oportunismo
Importante frisar que o STJ não negou o direito à indenização pelas benfeitorias. Afastou, apenas, o uso da posse como instrumento de coerção legítima após seu término. Contudo, esse afastamento pode favorecer condutas oportunistas, em que o arrendador promova o despejo antes do reconhecimento judicial da indenização, ciente de que o arrendatário não poderá reaver a posse como meio de garantir o crédito.
O julgamento, portanto, lança luz sobre uma tensão clássica entre o direito de propriedade e a proteção do possuidor de boa-fé. Evidencia a literalidade da legislação vigente, mas também evidencia a necessidade de revisão normativa ou de maior sensibilidade jurisprudencial à realidade das relações agrárias no Brasil.
Embora não vinculante, a decisão do STJ será, sem dúvida, invocada como referência em casos semelhantes. Por isso, seu conteúdo deve ser analisado criticamente por todos os que atuam com Direito Agrário e contratos de arrendamento. A discussão sobre os limites do direito de retenção está longe de se encerrar, e o diálogo entre o texto legal, a jurisprudência e a prática continua sendo essencial para a construção de soluções justas e equilibradas.
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