Contrato entre o sistema financeiro e a istração pública
10 de março de 2025, 21h37
Em razão de uma solicitação de um secretário de istração sobre a contratação do Banco do Brasil para a gestão de boletos de cobrança em atendimento às necessidades da Secretaria de Finanças, formulamos o presente texto. A hipótese que inspirou trata de arrecadação e gerenciamento de dinheiro público municipal.

Merece registro que o mencionado procedimento debatido não se confunde com o (a) credenciamento de instituições financeiras que servirão como receptores do dinheiro público que será transferido para a instituição responsável pela arrecadação e gerenciamento facilitando a logística financeira. (b) Também não se confunde com a instituição financeira que receberá a folha de pagamento dos servidores.
Quatro procedimentos licitatórios distintos
A hipótese “a”, supra referida, trata de uma inexigibilidade pois toda e qualquer instituição financeira pode ser um ‘posto de pagamento virtual e/ou físico” para o tributo, aplicando-se o artigo 79, II da Lei 14.133/2.021. Nesta hipótese, o cidadão escolhe quaisquer das instituições credenciadas criando uma logística financeira de interesse recíproco.
Na hipótese “b”, deverá haver procedimento licitatório para a maior oferta para receber o dinheiro que, no exato átimo temporal em que ingressa no banco vencedor da licitação, não é mais dinheiro público, mas dinheiro privado de um particular que labora nos quadros da istração pública.
Ainda na hipótese “b” no átimo temporal anterior à transferência que transforma dinheiro público em dinheiro privado ainda temos dinheiro público e, portanto, há necessidade de licitação.

A maneira adequada pela qual dinheiro público se transforma em dinheiro privado é a popular “venda da folha” para uma instituição privada que ofereça maior pecúnia ao poder público. Ainda faremos texto específico sobre este tema.
A hipótese aqui debatida é inversa. Trata-se da transformação de dinheiro privado em dinheiro público. Logo, somente instituições públicas podem ser o receptáculo desta metamorfose da natureza jurídica do dinheiro. Se houver uma única instituição oficial, haverá inexigibilidade, se existirem duas ou mais instituições oficiais haverá licitação restrita a tais instituições.
STF
A jurisprudência do STF não menciona o artigo 79, II da Lei 14.133/2.021 sobre o credenciamento de bancos para logística financeira por ser tema recentíssimo do ponto de vista da jurisprudência. Já há, porém, jurisprudência da lavra do ministro Alexandre de Moraes sobre credenciamento do artigo 79, II para “…qualquer particular previamente credenciado pelo Denatran e pelos órgãos executivos de trânsito dos Estados-Membros e do Distrito Federal” com a finalidade de prestar serviços de fabricação e estampagem de placas de identificação veicular (ADI 6313, Julgamento: 28/08/2023 e publicação: 04/09/2023)
Sobre as hipóteses de gerenciamento de dinheiro público e gerenciamento da folha de pagamento (dinheiro privado), há decisão do plenário do STF. Assim:
“EMENTA: CONSTITUCIONAL. ESTADOS, DISTRITO FEDERAL E MUNICÍPIOS: DISPONIBILIDADE DE CAIXA: DEPÓSITO EM INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS OFICIAIS. CF, ART. 164, § 3º. SERVIDORES PÚBLICOS: CRÉDITO DA FOLHA DE PAGAMENTO EM CONTA EM BRANCO PRIVADO: INOCORRÊNCIA DE OFENSA AO ART. 164, § 3º, CF” (RECL 3.872: Órgão julgador: Tribunal Pleno, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Redator(a) do acórdão: Min. CARLOS VELLOSO Julgamento: 14/12/2005. Publicação: 12/05/2006,)
Dispensa nas leis licitatórias
O artigo 75, IX da Lei 14.133/2021 equivale ao artigo 34, VIII da revogada Lei 8.666/1993.
Assim, a Lei 14.133/2021:
Art. 75. É dispensável a licitação:
(…)
IX – para a aquisição, por pessoa jurídica de direito público interno, de bens produzidos ou serviços prestados por órgão ou entidade que integrem a istração Pública e que tenham sido criados para esse fim específico, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado;
Assim a Lei 8.666/1993:
Art. 24. É dispensável a licitação:
(…)
VIII – quando a operação envolver exclusivamente pessoas jurídicas de direito público interno, exceto se houver empresas privadas ou de economia mista que possam prestar ou fornecer os mesmos bens ou serviços, hipótese em que ficarão sujeitas à licitação;
Jurisprudência do TCE-SP contrária à dispensa
Os precedentes da Corte de Contas são francamente contrários à dispensa para contratação direta nesta hipótese. Selecionamos um precedente emblemático onde o TCE/SP decidiu pela irregularidade de contratação direta da Caixa Econômica Federal pelo Município de Buritama (TC-000378.989.17-2, sessão de 28.11.2023). Assim:
“EMENTA: DISPENSA DE LICITAÇÃO FUNDADA NO ARTIGO 24, INCISO VIII, DA LEI Nº 8.666/93. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS FINANCEIROS. EXERCÍCIO PELA CONTRATADA DE ATIVIDADE ECONÔMICA TAMBÉM JUNTO AO SETOR PRIVADO. PRESENÇA DE OUTROS BANCOS APTOS À EXECUÇÃO DAS ATIVIDADES NA LOCALIDADE. OMISSÕES SOBRE AS RAZÕES DE ESCOLHA DO FORNECEDOR E JUSTIFICATIVAS DO PREÇO PACTUADO. DESCARACTERIZADA HIPÓTESE DE CONTRATAÇÃO DIRETA. FALTA DE TERMO DE CIÊNCIA E NOTIFICAÇÃO. IRREGULARIDADE.”
A peculiaridade deste precedente é que a contratação era bem mais ampla que o objeto da contratação direta aqui debatida.
No precedente de Buritama havia a contratação para “a centralização e processamento, tanto da folha de pagamento dos servidores, como da receita e movimentação financeira Municipal (incluindo recursos provenientes de transferências legais e constitucionais), além da arrecadação dos tributos locais”.
Mais adiante, destaca o eminente relator:
“Além disso, ficou constatado que no Município de Buritama estão instaladas cinco instituições financeiras, todas adequadas à execução dos serviços de gestão da folha de pagamentos, sendo que duas delas são bancos oficiais também aptos a prestar os serviços relacionados às disponibilidades de caixa, nos termos do artigo 164, § 3º, da Constituição Federal.”
Outra peculiaridade é que a Caixa Econômica Federal, recentemente, não tem interesse em participar desse tipo de contratação direta, tornando o Banco do Brasil a única instituição financeira que se enquadra na hipótese constitucional do art. 164§3º da Constituição.
Logo, a melhor solução seriam dois contratos istrativos: um para a folha de pagamento do servidor precedido de licitação e outro por inexigibilidade com o Banco do Brasil caso seja o único Banco Oficial ou numa licitação restrita a bancos oficiais.
Inviabilidade de competição
No TC 005882.989.21-3 tendo como partes o TJ-SP e o Banco do Brasil, a Corte Paulista de Contas se posicionou pela inexigibilidade para contratação da mencionada instituição financeira.
A situação do TJ-SP se assemelha a situação atual de inúmeros municípios pois só há a opção de contratação do Banco do Brasil. No caso do TJ-SP, há o decreto estadual nº 62.867/2017 nesse sentido e, no caso dos municípios, a Caixa Econômica Federal não presta, atualmente, o mencionado serviço, conforme relatado por setores de finanças de municípios.
Maior oferta e Lei 14.133/2.021
Para a “venda da folha”, tema que será objeto de polêmica é a questão da oferta de maior valor pelo banco interessado. Sob a égide da revogada Lei 10.520/2.002 a expressão “oferta” era mencionada pela Lei em 6 oportunidades. Assim, não havia diferença entre “oferta de maior valor” ou “oferta de menor preço.”
Entretanto, a Lei 14.133/2.021 define pregão como a modalidade licitatória que, pode definição tenha “menor preço ou o de maior desconto”. (artigo 6º, XLI ).Desta forma, “oferta de maior valor” só se enquadra, nesta lei, na definição de leilão (artigo 6º, XL).
Conclusão
Assim, o contrato entre o sistema financeiro e a istração pública pode ser feito de quatro maneiras distintas: para o ingresso de valores que terão natureza pública teremos a inexigibilidade se houver uma única instituição financeira oficial ou licitação restrita a instituições oficiais existentes. Para a logística da captação momentânea de recursos, com transferência imediata aos cofres públicos, o credenciamento do artigo 89, II da Lei 14.133/2.021 e para a “venda da folha” dos salários dos servidores, licitação, modalidade leilão e melhor oferta de valor ao poder público.
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