Opinião

STJ busca equilibrar proteção do patrimônio familiar com efetividade da execução

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15 de março de 2025, 17h22

A 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça recentemente consolidou sua jurisprudência sobre fraude à execução no contexto de doações entre familiares. Dois julgados de grande relevância analisaram aspectos distintos dessa questão, abordando tanto a tentativa de blindagem patrimonial quanto a preservação da impenhorabilidade do bem de família.

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Magistrado explicou que contrato era regido pela Lei 9.514/1997 que permite a purgação de mora até a  do auto de arrematação

Embora ambos os casos tratem de doações realizadas por devedores no curso da execução, os precedentes adotaram enfoques distintos: um priorizou a proteção do direito fundamental à moradia, enquanto o outro reforçou os mecanismos de defesa do credor contra fraudes patrimoniais.

Impenhorabilidade do bem de família

Nos Embargos de Divergência no Agravo em Recurso Especial nº 2.141.032/GO, julgados em 10 de fevereiro de 2025, o STJ analisou se a doação de um imóvel classificado como bem de família poderia afastar a proteção da impenhorabilidade. A controvérsia girava em torno da seguinte questão: mesmo que a alienação fosse considerada fraude à execução, o imóvel ainda deveria permanecer impenhorável se continuasse servindo de residência à entidade familiar?

Havia uma divisão entre as Turmas do STJ. A 3ª sustentava que, reconhecida a fraude à execução, o bem deveria retornar ao patrimônio do devedor, ficando sujeito à penhora, independentemente de sua destinação. Já a 4ª adotou um entendimento mais flexível, afirmando que a manutenção da destinação do imóvel como residência familiar deveria ser o critério determinante para manter sua proteção.

A 2ª Seção resolveu a divergência ao firmar o entendimento de que a fraude à execução, por si só, não afasta a impenhorabilidade do bem de família, desde que este permaneça como residência do devedor e de sua família. Essa decisão impede que credores exijam a penhora de imóveis destinados à moradia quando sua natureza como bem de família não se altera, mesmo diante de uma alienação considerada fraudulenta.

Blindagem patrimonial em doações entre familiares

Em outro julgamento, os Embargos de Divergência no Recurso Especial nº 1.896.456/SP, decididos em 12 de fevereiro de 2025, o STJ enfrentou uma questão distinta: a necessidade (ou não) de registro da penhora para reconhecer a fraude à execução em doações feitas entre familiares.

Tradicionalmente, a Súmula 375/STJ estabelecia que o reconhecimento da fraude à execução exigia registro da penhora na matrícula do imóvel ou prova inequívoca da má-fé do adquirente. A 3ª Turma, seguindo esse entendimento, considerava que doações entre familiares não poderiam ser automaticamente classificadas como fraudulentas sem esses requisitos formais.

A 4ª Turma, por sua vez, adotou uma interpretação mais rígida, argumentando que doações patrimoniais realizadas entre ascendentes e descendentes no curso da execução já deveriam ser presumidas fraudulentas quando configurassem blindagem patrimonial. O argumento central foi que, nessas situações, a própria relação familiar e o contexto da doação indicam má-fé, dispensando o requisito formal do registro da penhora.

A 2ª Seção consolidou esse entendimento, decidindo que a doação de bens entre familiares, quando realizada com a intenção de frustrar credores, configura fraude à execução, independentemente da averbação da penhora na matrícula do imóvel. Essa decisão fortalece os mecanismos de proteção do credor e evita que devedores utilizem vínculos familiares para ocultar patrimônio e escapar da execução.

Impacto das decisões e a tensão entre direitos patrimoniais e execução

Esses dois julgados do STJ deixam claro que a jurisprudência está se ajustando para equilibrar a proteção do patrimônio familiar com a efetividade da execução.

Por um lado, a decisão sobre o bem de família reforça a garantia constitucional da moradia, assegurando que um imóvel não pode perder sua proteção automaticamente apenas porque foi objeto de fraude à execução. Esse entendimento protege a dignidade do devedor e evita que famílias sejam desalojadas injustamente.

Por outro lado, a decisão sobre blindagem patrimonial em doações familiares amplia a defesa dos credores, eliminando exigências formais que poderiam dificultar a recuperação do crédito. Ao presumir a má-fé em certas doações, o STJ fortalece a segurança jurídica e evita que estratégias artificiais impeçam a satisfação das dívidas.

Essa evolução jurisprudencial mostra que o STJ está cada vez mais atento às dinâmicas de fraude à execução e proteção patrimonial, buscando soluções casuísticas que evitem tanto a perpetração de injustiças contra credores quanto o desabrigo de famílias. A depender do contexto, o direito patrimonial do credor pode prevalecer sobre o do devedor, mas sem comprometer a essência dos direitos fundamentais.

Com isso, o STJ reafirma seu papel na construção de um sistema jurídico equilibrado, no qual a boa-fé e a justiça material prevalecem sobre formalismos excessivos e condutas abusivas.

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