Opinião

Dano moral em ricochete: qual o limite?

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18 de março de 2025, 6h00

Recente decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que confirma a condenação da Vale S.A. ao pagamento de R$ 80 mil a uma cunhada de uma vítima fatal do rompimento da barragem em Brumadinho (MG), reforça a crescente amplitude do entendimento jurídico sobre o alcance das indenizações por danos morais. O caso destaca pontos relevantes para empresas sobre responsabilidade civil e trabalhista em acidentes de grandes proporções.

Ricardo Stuckert

Inicialmente é importante compreender o conceito de “ricochete” no contexto jurídico. Em termos simples, “ricochete” descreve o movimento de um objeto que, ao atingir uma superfície, se desvia e segue em outra direção. Essa analogia é usada no direito para explicar os danos morais reflexos, ou seja, aquele que se manifesta quando um indivíduo, neste caso o trabalhador, experimenta um prejuízo (vítima direta), porém os impactos desse dano se estendem à sua família (vítima indireta) e a outros entes queridos, que sofrem com a violação dos direitos da personalidade do ofendido, por possuírem laços afetivos.

No caso em questão, o entendimento do TST é que a cunhada da vítima, embora não fosse diretamente afetada pelo acidente, experimentou a dor da perda e sofreu emocionalmente devido ao laço familiar devidamente comprovado. Esse tipo de dano, que impacta indiretamente os familiares da vítima, tem sido reconhecido pelo Judiciário como um “dano em ricochete” ou “dano reflexo”. O entendimento é que os efeitos do ato ilícito (neste caso, o acidente) repercutem não só sobre a vítima direta, mas também sobre as pessoas que possuem uma relação afetiva estreita com ela.

O renomado jurista Sérgio Cavalieri explica que o dano reflexo ocorre quando os efeitos de um ato ilícito atingem, de forma indireta, outra pessoa que, embora não seja a vítima direta, sofre as consequências da violação do direito da personalidade da pessoa atingida.

Ampliação do rol preocupa

Nesse contexto, vale destacar que a indenização por danos morais decorrentes de falecimento em acidentes de trabalho era restrita a parentes diretos, como cônjuges, pais e filhos, conforme o entendimento majoritário da jurisprudência trabalhista. Isso porque seguia à risca o artigo 943 do Código Civil em que é clara a legitimidade dos herdeiros. Inclusive, sem a necessidade de comprovação em relação aos que compõem o núcleo familiar, caracterizando o dano presumido.

No entanto, o TST vem consolidando um entendimento mais amplo, reconhecendo o direito de familiares próximos, como avós, netos e cunhados, desde que demonstrado o vínculo afetivo significativo.

Spacca

Preocupante esse posicionamento do TST visto que alargar o rol de legitimados a pleitear indenização por danos morais em decorrência da perda de uma pessoa próxima, pode gerar a banalização do instituto do dano moral em ricochete, sobretudo quanto aos critérios de afetividade forem “provados” por meras provas testemunhal nos autos.

Vamos imaginar uma pessoa que tem além de pais, avós, irmãos e irmãs, cunhados e cunhadas, sobrinhos e sobrinhas, diversos primos muito próximos, é sustentável juridicamente legitimar cada um para pleitear uma indenização por danos morais?

Se a resposta for sim, a condenação da empresa ao pagamento de indenizações a todos poderá inviabilizar financeiramente o pagamento da reparação aos reais sucessores do falecido.

Nessa perspectiva, à luz do ordenamento positivado em caso de acidente de trabalho com morte o Judiciário deve ter cautela ao aplicar o dano moral ricochete sob pena de fragilizar financeiramente a empresa e inviabilizar a reparação pecuniária aos legítimos sucessores do falecido.

 


Referências

CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 5. ed. São Paulo:

Malheiros, 2001.

Cunhada de vítima de rompimento da barragem de Brumadinho deve receber indenização. Disponível em: <https://tst.jus.br/-/cunhada-de-v%C3%ADtima-de-rompimento-da-barragem-de-brumadinho-deve-receber-indeniza%C3%A7%C3%A3o>. o em: 11 fev. 2025.

Dano moral em ricochete: relações de afeto ganham relevância em decisões na Justiça do Trabalho. Disponível em: <https://tst.jus.br/-/dano-moral-em-ricochete-rela%C3%A7%C3%B5es-de-afeto-ganham-relev%C3%A2ncia-em-decis%C3%B5es-na-justi%C3%A7a-do-trabalho>. o em: 11 fev. 2025.

RODRIGUES DIAS DE OLIVEIRA, L. et al. DA POSSIBILIDADE DO DANO MORAL REFLEXO OU RICOCHETE NO DIREITO DO TRABALHO. Revista Multidisciplinar do Nordeste Mineiro, v. 2, n. 2, 2020.

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